quarta-feira, 24 de julho de 2024

Crônica - Cuba - Uma viagem no tempo - parte 1

                                 




Há exatamente um ano, eu havia acabado de chegar em Nova Zelândia, roxa de saudades do meu neto, quando recebi o convite para ir a Cuba em julho do próximo ano, ou seja, 2024. Não pensei duas vezes e logo tratei jeito de me informar sobre quais condições se daria a viagem. Um casal de paranaenses, assim como eu apaixonados por Cuba, estava formando grupos de brasileiros interessados em “viver a Ilha”. Dei logo meu nome para que eu tivesse certeza de que iria a Cuba.

Chegou julho de 2024. Lá fomos nós, três mulheres sessentonas e uma jovem. Outro grupo já havia ido e outro ainda iria numa terceira turma.

Não sei bem quando como começou meu amor pelo país-ilha-caribenho, mas com certeza, o livro “A Ilha, relato de uma viagem a Cuba” do historiador e biógrafo Fernando Morais teve uma parcela de responsabilidade. Enquanto o Brasil vivia seu período politico mais obscuro, eu lia sobre Cuba, seu governo preocupado com a educação e com a cultura de suas crianças e de todo seu povo. O país que, em 1959 se desvencilhava do jugo estadunidense numa revolução sangrenta que deixara marcas por toda capital, Havana, “para que nunca mais haja guerra”.

Mais tarde eu iria ler, logo após sua publicação, o livro “Recordações de amar em Cuba” do escritor mineiro Oswaldo França Júnior e, mais uma vez, me apaixonei pelo país e seu povo guerreiro, caliente e culto.

Não me lembro quando ganhei o livro do meu colega, tradutor para o português do premiado livro “Cecília Valdés” do escritor cubano abolicionista Cirilo Villaderde, que me tocou profundamente. O romance se dava numa cuba colonizada pelos espanhóis e dizia acerca da escravidão, dos direitos humanos e das relações raciais vigentes à época.

E, no natal de 2020, uma das minhas filhas, me presenteou com o livro “Água por todos os lados” do escritor cubano Leonardo Padura, autor entre outros, do livro “O Homem que amava os cachorros”. Pois bem, hoje fui buscar, nessa leitura densa e que tanto me instigou, respostas para as tantas perguntas que me fiz enquanto vagava pelas ruelas e avenidas de Havana nos últimos dez dias.

Ou seja, sempre estive às voltas com meu desejo de conhecer a ilha caribenha e havia chegado o momento.

Não sei dizer nem escrever sobre minhas primeiras impressões ao desembarcar em Havana. O cansaço pelas longas horas de voo e as tais conexões em gigantescos aeroportos me deixaram parecendo um balão, com pernas inchadas e abdome cheio de gases. Mas sabia que, com uma boa noite de sono, eu estaria pronta para o encontro com Cuba.

Um táxi, modelito 1962 vermelho, com um jovem vestido com uma camisa vermelha silcada com a palavra CUBA, logo nos reconheceu e foi nos ajudar com nossas malas. Durante todo o trajeto eu olhava pelas janelas a procurar alguma coisa enquanto o motorista conversava com a colega que sentou junto dele. Fiquei impressionada com o espaço do banco traseiro.

O simpático casal paranaense também já estava a nossa espera, nos recebeu com alegria e logo nos convidou para o jantar. Eu só queria um banho e cama. 

Daí a pouco chegou no “nosso apartamento”, no sexto andar, uma legítima cubana num sorriso aberto a nos falar sem parar sobre as condições do alojamento. Eu não entendia uma só palavra, mas estava atenta ao sorriso acolhedor.

Na primeira manhã em Cuba uma maravilhosa mesa nos aguardava para o café da manhã. Lá estava a mulher que nos acolheu, novamente toda vestida de branco, com colares a adornar seu sorriso franco e sua língua enrolada e nos convidando para o desayuno que ela havia nos preparado. Era também sobre isso que conversara conosco na noite anterior

Fiz um pequeno reconhecimento do apartamento e pude ver obras de arte por todos os lados, quadros com belas molduras, uma foto enquadrada com vidro de Ernest Hemingway com Fidel Castro num cumprimento, ambos ainda jovens, (recentemente eu havia lido que, embora o escritor defendesse a “revolução” e admirasse Fidel, eles tiveram um único encontro). Havia sobre uma mesa na entrada da sala a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes esculpida em madeira.

Desayuno feito, saímos para nosso primeiro contato com Havana.

Então foi um susto só. Pareceu-me que eu estava passeando pela Faixa de Gaza, bombardeada por Israel. Usei a palavra “escombros” para nomear o que eu via. O que era aquilo? Nós estávamos caminhando pela “ciudad Vieja”, bem no coração de Havana, na Zulueta, via importante da cidade velha. Minha amiga viajadeira como eu, disse que parecia que Fidel havia deixado tudo assim para que o povo cubano lembrasse da revolução e nunca mais quisesse  guerra. Aquilo tudo me deixou perplexa. Como meus amigos que tanto amam Cuba e que já vieram tantas vezes aqui, nunca haviam me falado do que eu via. Mas eu via muitas  pérolas das construções espanholas entre os prédios destroçados. Mármores brancos e cor de rosa por passeios e fachadas. Havia resquícios de um tempo onde a cultura, a riqueza e a beleza arquitetônica dominavam. 

Ou será que eu ainda estava com o tal jet lag? Só sei que ainda estava deveras desorientada no tempo e no espaço.

Caminhamos até o Parque Central e ali entramos num ônibus de dois andares para um tour pela cidade velha passando pela cidade nova até o monumento da revolução.

Pude observar que, apesar dos “escombros” não havia pessoas nas ruas pedindo esmolas. Havia sim muitas famílias com crianças passeando pelo “Paseo de Marti”, avenida principal da cidade velha, onde havia também uma exposição de artesãos havaneses.

Acho que precisava acordar para procurar a Cuba que estava dentro de mim.

“Mas o que tem Cuba, o que é Cuba? Quando me fazem essas perguntas costumo repetir que Cuba é um país maior que a geografia da ilha. A política, a cultura, a economia e o esporte cubanos têm projeções às vezes universais, e, quer o assuma ou não cada cubano pessoalmente, a verdade é que essa condição funciona como algo que nos afeta, nos define.” 

24/07/2024


(1) “Água por todos os lados” livro do escritor cubano Leonardo Padura.

Fotografias: arquivo pessoal

                                       Capitólio com cúpula em ouro.



                                               Vários carros antigos expostos numa praça.


                                                   Casarão antigo




   Lojinha onde comprei as lembranças para meus filhos



                                  Nossa senhora dos Navegantes






                            Nesta foto pretendi mostrar um prédio antigo de tres andares com um andar, moderno, construído acima . do terceiro pavimento.

domingo, 23 de junho de 2024

Poema: Sentimento de menina

                  



Naquele dia o abraço do pai foi diferente

A menina se bem que notou

Sentiu que aquilo era amor de pai

Cedeu ao carinho

Naquela noite as mãos do pai foram além

A menina encolheu seu corpo miúdo

O pai insistiu no ato

A filha recolheu-se 

cruzando braços e pernas

Tarde demais para seus sete anos

Na noite seguinte o pai voltou

Na outra noite também

Numa manhã

A menina chorou

Tinha sangue saindo de dentro

Pediu socorro

No grande hospital

Onde a mãe trabalhava à noite

A menina calou

O pai escafedeu

O PL absolveu


(Em tempos de "Projeto de Lei dos estupradores")

19/06/2024