terça-feira, 19 de agosto de 2014

DE UMA MAÇÃ E DE MAIS UMA IRMÃ



                        

    Mudamos algumas vezes de casas e até de cidade. Estas mudanças me possibilitaram saber minha idade dentro das lembranças da minha infância. Portanto minhas casas são preciosas aliadas nas minhas histórias. Não foram tantas assim, mas cada uma delas marcou de alguma maneira a minha vida.
  
    Um dia contarei da casa onde nasci.
  
    Hoje falarei daquela onde vivi por volta dos dois aos cinco anos. Depois deste tempo mudamos desta pequena cidadezinha. Era preciso escolas. Meus irmãos estavam crescendo.

    Mudamos de cidade e, de novo, de uma para outra casa. Sempre gostei de mudar de casa. Parecia festa. Ainda hoje me encontro buscando desculpas para mudar de um lado para outro.
  
    Bem, este acontecido deu-se então antes dos meus cinco anos e, provavelmente, eu ainda era a filha mais nova dos quatro irmãos vivos. Isto era o que eu pensava até ouvir meu pai dizer de uma irmã mais velha que morava na cidade de sua mãe e irmãos.

    Eu não sabia que tinha uma irmã mais velha. Essa minha irmã fora morar com sua madrinha, única irmã de meu pai, na tal cidade grande. Ela teria ido para estudar, pois na nossa cidade tinha apenas o primário.
  
    E eu nem queria ouvir falar naquela irmã que eu não conhecia. Acho que nunca tinha escutado meus pais falarem dela antes deste fato.

    Fora na nossa segunda casa desde que eu nasci, embora meus pais já tivessem morado em outras casas e outras cidades até chegarem ali. Era a última casa daquela rua, uma das poucas ruas que saia da praça principal. Era toda de terra e, lá no final, ela dividia em duas. 

   À esquerda, a rua acabava. Ou melhor, virava estrada.  Ia dar noutra pequena cidade cujo nome eu amava, Calambau. Meu pai dizia que o nome de Calambau era dos índios e que significava canoa pequena feita de um só tronco de madeira. Eu ficava imaginando os índios naquela calambau deslizando pelo rio Piranga.  
  
    Mas voltemos para aquela rua que, à direita continuava apenas mais um pedaço dela. E era aí que ficava minha casa. A última da rua.  E como era linda a nossa casa. Era amarelada, talvez pela poeira da rua-estrada e pelo tempo. Nela havia quatro janelas de madeira pintadas de azul, que abriam como um todo e eram fechadas com tramelas (ou taramelas?).  A porta também era azul. Janelas e porta defronte para a rua. Para mim ali era o melhor lugar do mundo.

    Ainda me lembro do fio do rádio que descia do morro do outro lado da rua e que fazia o rádio do meu pai cantar lindas músicas e trazia noticias do Brasil e de todo o mundo. Meu pai tocava na banda e na igreja e adorava os programas musicais. Gostava muito de Ari Barroso da tão querida cidade de Ubá, de Lupicínio Rodrigues, de Dalva de Oliveira, Vicente Celestino, Ataulfo Alves e tantos outros. Às vezes eu ouvia um programa infantil. Havia uma tal de Regina, ela era uma  menina que cantava lindamente. 

    De noite ficava imaginando como aqueles homens com seus instrumentos musicais e as meninas desciam pelo fio do alto do morro até o rádio do meu pai. E dormia ouvindo flautas e bombardinos tocados por pequeninos homens dentro do radio.

    Meu quarto tinha uma janela que abria para os fundos da casa. E como era grande aquele terreno que descia até o rio Xopotó. No final do dia meu pai chegava do trabalho e descia com meus irmãos para pescarem lambaris e traíras para o jantar. Minha mãe fritava os peixes passados no fubá. 

    O pomar se estendia até a margem do tal rio. Havia várias laranjeiras, goiabeiras, mangueiras, bananeiras, limões capeta que eu não gostava. As limas e as laranjas-limas eram minhas frutas preferidas. 
  
   Mas havia uma pequena árvore, com todos os galhos muito parecidos, compridos, finos e nascidos bem embaixo do tronco. Não era uma árvore bonita e suas folhas eram escassas e secas. Ficava penalizada com a falta de beleza daquele pé de fruta que eu nunca havia visto florescer. 

    Nem sabia que fruta dava naquele pé. Até eu escutar uma conversa do meu pai com minha mãe. Ele dizia que a macieira daria frutas naquele inverno e que não eram para serem apanhadas. Ele esperaria pela filha que viria nas férias. As frutas seriam para ela. 

    Descobri duas coisas. Aquela árvore feia e seca que me fazia penalizar-se dela, dava uma fruta que se chamava maçã. E eu tinha mais uma irmã que já me causava ciúmes.

    E aquilo não saiu mais da minha cabeça. Como seriam as maçãs? Que gosto teria? Da minha irmã eu não queria nem saber.
  
    Ouvi meu pai dizer que eram frutas originárias de lugares frios como a Argentina. Ele disse também que elas amadureciam ficando vermelhas.  Mas onde era a Argentina? Só conhecia frutas alaranjadas, amarelas e verdes.

    Naquela noite, dormi com tudo isto na minha cabeça. E tive um sonho. A janela do meu quarto se abriu e eu fiquei de pé no seu beiral. Abri os braços e criei asas. Voei até aquele pé da tal fruta. Apanhei as poucas maças que havia naquela árvore feiosa. Voei de volta para meu quarto e adormeci. 
  
    Acordei com minha cama toda molhada de xixi. Minha mãe chamou minha atenção. Disse que havia muito tempo que eu não fazia xixi na cama. 

     Perguntou o que houve. Então eu respondi :

    - chupei muita maçã esta noite. 



30/06/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário