domingo, 28 de outubro de 2018

Sangra-me o peito

Nesta noite
meu país escureceu,
luzes artificiais
brilharam
fugazes.
Das sombras
surgiu uma luz
Mas um povo
chamado resistência
há de brotar
nesta "terra brasilis",
por todos os lugares
Então numa só voz
cantaremos
à liberdade
e ao amor.

28/10/2018







segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Amores

AMOR E RAPADURA

Quando o amor rasga-me a pele
só me resta o doce da rapadura.
Então adoço o gosto amargo deste amor
com o melado da saliva envolvendo
meus pedaços de rapadura.


AMOR NA RUA

Cheguei à janela
e o procurei na rua
Vi do outro lado da rua
ele 
que me procurava na janela


AMOR NA LUA

No meio do caminho
parei para ver a lua
No telefone; baixinho,
ele me diz:
Parei no meio da rua
pensando ver seus olhos
a me olhar da lua

22/10/2018




segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Carta a um amigo professor



Caro amigo 

Neste dia do professor lembrei-me de você.
Como sabe estamos em campanha eleitoral. Nosso país nos próximos dias deverá eleger um novo presidente da república. As redes sociais lotam as telas com propagandas de um ou outro candidato. Acho que estou virando uma zumbi vagando por tantas postagens. 

Como posso imaginar que mais da metade dos eleitores tem apoiado um candidato cuja história pregressa dentro ou fora da politica nacional é a mais sombria e repulsiva para quaisquer cidadãos? Como posso discutir com amigos e parentes que apoiam este candidato se eles não querem ver? Como posso sonhar com meu país solidário, soberano, rico, sem miséria se o que nos desponta é o oposto disto? Onde estão os sentimentos mais nobres do nosso povo? Onde foram parar a certeza de dias melhores para nossos filhos e netos? O que cegam estes eleitores para além do voto? 

Mas e você? Por onde anda? Quanta saudade eu tenho das nossas longas discussões políticas.

Meu caro, já não se faz possível sentar-se à mesa com familiares eleitores de um candidato que defende tortura, porte de armas de fogo,  que legitima a violência e cultua o ódio contra as diferenças.

Não consigo mais pensar no que tem levado esses eleitores e apoiadores a se identificarem com um sujeito que se arvora à obscuridade, que ri com escárnio do que estar por vir caso seja eleito, que se isola do debate e do mundo para garantir seu lugar de nada. O que houve conosco? Perdemos a direção da justiça, da generosidade, do afeto e consagramos o ódio?

Lembro bem dos tempos de nossos encontros. Éramos dois jovens e estávamos vivendo os horrores da ditadura enquanto as emissoras de televisão nos mostravam as maravilhas das construções da Ponte Rio-Niterói, da Transamazônica e de tantas outras obras faraônicas. Nossos olhos brilhavam diante daquelas grandezas. A seleção  brasileira era “a seleção canarinho” e enchia o povo de alegrias. Entretanto, por trás havia as perseguições, os sequestros, as torturas, os desaparecimentos. Quantas mães não puderam enterrar seus filhos. Foram muitos os assassinatos. Você me falava de tudo isto. Trouxe-me livros e me presenteou com vários deles para que eu pudesse entender “O Capital” e os desvalidos da mais-valia.

Professor digo-lhe que, logo no início das propagandas eleitorais, fui ler para conhecer cada um dos candidatos. Considerei improvável que o povo brasileiro - tão pacífico que é- fosse escolher um candidato tão violento. Um candidato que nada fizera pelo nosso país enquanto deputado federal por 28 anos.  Errei. Confesso. Mas não deixei de também postar sobre as diferenças entre  eles. Continuei fazendo minha parte nesta disputa.

Meu caro, de um lado temos um mestre, portanto temos a educação, a delicadeza, a moderação, os planos para um governo consonante com a diminuição das desigualdades sociais, o respeito, a segurança social, a segurança jurídica, a segurança alimentar. Do outro lado temos tão só o outro... Ah! O outro é o avesso!

E, enquanto avesso neste caso, tenho visto o pior dentro deste homem. Um homem inescrupuloso, egocêntrico, manipulador, autoritário, mentiroso e perigoso. Um homem que odeia as diferenças; odeia negros, pobres, mulheres, um homem que odeia o amor. 

Meu caro professor, o Outro que vive dentro deste homem não quer senão mais que prazer. Quer obscenidades, quer  horror, quer violência, quer nada. Ele só quer a morte do ”inimigo” porque não suporta o vazio da sua própria existência.

Ah! Estes eleitores e seus candidatos! Não poderemos perdoá-los por não saberem o que fazem como nos ensinou o cristianismo. Eles sabem o que fazem.

Meu amigo desculpe o desabafo. Foi preciso.

Aguardo uma palavra. Quiçá uma saída
                                              Maria do Rosário

15/10/2018

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Carta de Amor XIII

Meu tão caro amigo

Agora, remexendo em caixinhas do passado, caiu em minhas mãos um cartão de votos de  feliz natal e próspero ano novo. Era dezembro de 1987. Sua letra já me era inconfundível. Entretanto a delicadeza do cartão não diz mais do homem de hoje. Incongruências do ontem e do hoje. Você naqueles tempos se permitia ser visto, ser amado e desejado. E conversávamos sobre tudo. Eu, uma menina ingênua, e você um homem feito. Feito amor. Feito doçura. Feito humanidade.

Ontem, desfeita com todo o processo político eleitoral do país, precisava falar. Meu coração quase saía pela boca. Rodava pela casa como barata tonta pelas chineladas e o inseticida à vista. Aquietei-me assistindo filmes. Fugi da realidade.

Fugi da nossa realidade. Você, perdido no caminho que escolheu, preferindo não avançar para lugar algum. Eu, aquiescida na casa do ontem, sonho meu sonho que não desejo real. Dois perdidos num passado, esforçando-se no presente para que eles não de reencontrem num futuro. Medo senão de ser sermos felizes de novo. 

Tal e qual a campanha vencedora em 2002, "sem medo de ser feliz", conclamo você a desejar de novo. Desejar para além de você. Sair da redoma que construiu para ficar escondido nela. Ser adorado apenas. Isto é desistir de viver para virar ídolo de si mesmo.

Grite às estrelas, salte riachos, mergulhe em águas profundas, fure ondas gigantes, suba às montanhas, arrebente as correntes que te prendem e vá de encontro ao seu desejo. Pois só o amor é capaz de te resgatar do invólucro que amordaçou sua boca e engessou seu corpo. Posso estar lá, no fim da sua caminhada. Mas antes faz-se necessário que me desejas. "E eu sei que tu me amas..."

Data: Um dia após os brasileiros declararem todos os seus preconceitos contra as minorias. Um dia após o ódio e a ignorância vencer o amor.


               Assina: seu grande amor entre as minorias

PS:. e, coincidentemente, o número desta carta já fala muito de mim.

                      E te encontro na próxima esquina.
                                          
                            08/10/2018

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Id

                                                                                                                                                                                                                           





              Onde as palavras me faltam

                                                 eu me mostro.

                  Logo existo

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Carta de Amor XII



Meu caro, bom dia.

Como, às vezes acontece, passei algum tempo afastada de todos. Não que eu tenha esquecido você. Isto não! Assim como outros animais também preciso aninhar-me durante o inverno. Talvez seja uma maneira de fugir do que a vida me demanda. Talvez seja uma maneira de estar apenas comigo. Mas não me interessa saber do que me causa o refúgio deste ano. Só sei que preciso dele. E nesse tempo estranhas idéias me assombravam a mente. 


Embora não tivesse feito o frio que desejei enrosquei-me em trapos da memória para aquecer minhas saudades de ti. E quantas lembranças de épocas felizes! Se fecho os olhos ainda posso ver o matiz rosa da blusa que confeccionei quase toda costurada à mão, em pontos paris, para estar com você amadrinhando nossos amigos no casamento. Eu estava deslumbrante ao seu lado e, acredito, muito mais por sua companhia do que pela roupa que cobria meu corpo adolescente. E você vestiu-se com um dos seus carros antigos; um Cadillac? Lembro da cor verde fundo de garrafa. Levou a noiva nele? Isto não me lembro.

Mas foi-se o tempo das tristezas. A primavera chegou e junto com ela todas as cores. Outras decisões. Rumos novos ou mesmo os antigos. Acordei outra nesta última semana. As saudades metamorfosearam em borboletas multicoloridas. Saí do casulo voando por ares de aromas diversos. Quero viver tudo outra vez. 

Meu coração deseja novas paixões e meu corpo já se delicia com outras carícias. Estou pronta. Refeita de um amor que ficou no outono. No verão estarei exposta ao sol, correndo nas enxurradas ou saltando na ondas de algum mar aberto. Então meu olhar será convocado a ver outro homem desejante de estar ao meu lado. E, mais uma vez, aceitarei o drinque oferecido e a cama macia. Leremos histórias, poesias e brindaremos ao amor da maturidade.

E você ficará apenas na memória que tão logo se apagará.

É mais uma despedida.

Boa dia

24/09/2018