segunda-feira, 24 de junho de 2019

TERESA E O VERBO AMAR


                                           (*)

-"Teresa tem o dedo podre"! Disse o primo com uma sonora gargalhada.

Pronto. Afinal não seria preciso mais nenhum comentário. Naquela noite, após vários assuntos e muitas brincadeiras, falavam-se dos namorados e das namoradas. Como sempre acontecia, nestes momentos, Teresa ficava emudecida. Não gostava de ouvir os primos e primas falarem de seus sucessos nas escolhas dos parceiros. Não entendia porque jamais conseguira ser amada como gostaria nem porquê sempre escolhera e amara os homens “errados”. Fora sempre abandonada pelos namorados embora fosse uma moça bonita, inteligente e interessante. O último namorado não dava noticias. Tinha ido fazer testes de emprego noutra capital e não ligou mais. O celular não atendia. Os amigos a tratavam bem, mas diziam não saber dele.

Aos trinta e oito anos Teresa morava sozinha num apartamento que conseguira comprar através das políticas da casa própria do governo federal. Pagava uma prestação que cabia dentro de seu orçamento. Ainda não comprara seu carro. A primeira opção era sua casa. Decorou com elegância e classe. Poucos móveis escolhidos a dedo. Havia conseguido ser efetivada num concurso que fizera havia dois anos. Mudara de bairro para facilitar o acesso. Agora, pensava ela, é hora de me refazer na vida. Procurou um analista com boas referências, agendou um horário e encarou sua história de vida.

Teresa nasceu na mesma cidade onde ainda vive hoje. Nunca quis arriscar grandes mudanças. Gostava de música e de dançar. Seus pais faleceram num acidente de carro, ainda jovens. Ela e o irmão ficaram com a avó materna. Quando chegou a época do  alistamento, o irmão já havia decidido seguir a carreira militar. Naquela tempo cursava o primeiro período de administração na universidade federal. E lá se foi o único amigo. Teresa era bem mais nova. Quis estudar direito e a avó aprovou a escolha. A neta era uma moça muito solitária. Precisava de amigos e um namorado. Entretanto, poucos meses antes de sua formatura, a avó teve um AVC fulminante. Agora Teresa ficou só para além de sua escolha.

Um colega de turma aproximou, ofereceu colo e ela não recusou. Teresa apaixonou pelo colega. Teria confundido os sentimentos? Mais tarde já não conseguia viver sem o namorado. Esqueceu de viver sua vida e passou a viver a vida dele. Não souberam lidar com aquilo. As brigas vieram apesar do amor. Ele, que não deixava dúvidas acerca de seu amor por ela, passou a evita-la. Obviamente que o desfecho fora o fim do relacionamento. Teresa não sabia como sobreviver àquela separação. Mas sobreviveu. Quando vencera o luto decidira estudar para concursos públicos. As leis e seus tantos parágrafos e adendos levaram-na de volta à vida. Aos vinte e cinco anos saiu de casa da avó pois os filhos decidiram vendê-la. Não teve dificuldades para alugar um apartamento. Suas dificuldades estavam noutro plano. Pouco tempo depois de sua mudança, apaixonou pelo vizinho que lhe dera boas vindas.

Outra relação que lhe traria muitos dissabores. Ele bem mais velho, estava divorciado. Deitou e rolou com a mocinha. Entretanto, tão logo sentira preso no amor, deixou-a só. Foram dez meses de muito carinho, muitas viagens e muitas festas em família. Mas acabou-se. Desta vez Teresa sofreu ainda mais. Juntou suas lágrimas e se trancou em casa. Saia apenas para o trabalho. E a tristeza começou a fazer parte da vida dela. Aos amigos se desculpava dizendo que não sabia amar de outro jeito. Parecia que amava àqueles que, certamente, um dia lhe abandonaria.

Amou outros poucos homens. Sempre com muito desejo e paixão. E sempre sendo deixada por eles.

Hoje, ao escutar o deboche do primo, lembrou-se, que a única vez em que fora escolhida e muito amada, sentira sufocada por tanta felicidade. Por telefone, terminou o namoro.


(*) foto feita pela autora na estrada de Piedade do Paraopeba (distrito de Brumadinho)


24/06/2019

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Poesia: TICO-TICO-REI

De repente
bem perto
lá estava ele
Pequeno
Saliente
Bicando os grãos
Meu olhar
encheu-se de encanto
Tentei capturar a imagem
Ele bateu asas
e vou
Devo antes
pedir-lhe licença
Sua majestade,
perdoe-me
o atrevimento.
Mas,
por favor,
quando voltar
cante pra mim

17/06/2019





terça-feira, 4 de junho de 2019

Crônica: MEU COMPANHEIRO DE VIAGEM




                           (*)


Comprei minhas passagens com bastante antecedência. Com a tal cinetose é preciso viajar como um burro de cargas; com viseiras laterais; não que eu pudesse desviar do meu caminho mas quase morro de enjoos e dores de cabeça. Desde muito jovem aprendi que as poltronas ímpares estão na janela e que múltiplos de três estão do lado oposto do motorista. Sabia a posição do sol nas idas e vindas de todos os meus destinos.

Então, como sempre, comprei minha passagem número três apesar do sol estar batendo nela. Entretanto, sendo uma longa viagem, eu pegaria o sol nascendo, veria a estrada e as cidades da minha infância, não teria enjoos e quando o sol virasse eu estaria contra ele.

Mas deixemos minhas manias de viajante para lá pois quero falar do lugar vazio ao meu lado; poltrona quatro. Assim que deixamos a minha amada BH, pulou para a referida poltrona um senhor que certamente beirava sua idade com a minha. Devo dizer que, com minha perda auditiva, tenho grandes dificuldades em entender o que os outros dizem. Sempre olho para quem está falando para ter em meu auxílio os movimentos labiais. Porém, dentro de um ônibus, seria impossível a lateralidade dos meus músculos orbiculares. Eu morreria de dor de cabeça. 

O que fazer?

Desta vez eu queria ouvir as histórias daquele homem simples que estava indo visitar uma irmã em fase final de um CA que lhe consumia a face.
Contou-me que nascera na zona rural de uma cidadezinha próxima a Ponte Nova. (Lamento ter esquecido o nome. Gosto das cidades do interior de Minas). 

Contou-me que desde menino trabalhava na roça ajudando o pai que falecera ainda muito jovem. A mãe também morrera e ele ficou apenas com os quatro irmãos. Os tios ajudaram nesta fase. Não frequentou a escola. Não haviam escolas rurais naquela época. Assinava com o dedo. Depois desse tempo ele continuou plantando. Era só o que ele sabia fazer. Mais tarde saiu da casa dos tios e começou a se empregar numa ou outra fazenda até se tornar adulto. 

Disse-me que gostou muito de trabalhar com um desconhecido que precisava de alguém para limpar as sujeiras dos seus cavalos de estimação. Acabou se dando tão bem com os animais que fora promovido a cavaleiro e treinador. Chegou a viajar para as exposições com seus cavalos famosos. 

Logo que casou veio a mudança para Contagem onde conseguia um ou outro lote para capinar. Ficou alguns anos vendendo laranjas. Apareceu um emprego na construção civil. Os filhos foram chegando. Um encarregado gostou dele e o levou para uma empresa terceirizada da Refinaria Gabriel Passos, em Betim. Concluiu que precisava aprender a ler. Não se intimidou e se matriculou no MOBRAL - lembrei que na minha adolescência ensinei alguns adultos dando aulas neste que foi um grande "Movimento Brasileiro de Alfabetização"- 

E, nesse vai e vem de empregos, chegou seu grande dia. Foi escolhido entre vários outros colegas para fazer uma prova na Petrobrás. Fez e foi aprovado. A empresa o queria em seu quadro de trabalhadores e ele precisava trabalhar. 

Hoje, bem aposentado, conta orgulhosamente que dois filhos estão quase aposentando. (Eu errara na sua idade.) Meu companheiro de viagem estava com quase oitenta anos. Adorava viajar para visitar os irmãos. Estava muito preocupado com a irmã que "já não tem mais recursos e os médicos deram alta para ela voltar para casa"

Chegou o destino do simpático trabalhador brasileiro. Agora não mais anônimo. Sua história, igual a de tantos outros milhões de trabalhadores brasileiros, está carinhosamente registrada por dois ouvidos já ávidos para escutar mais histórias.

Obrigada meu companheiro e que Deus acolha sua irmã com alegria quando sua hora chegar.

Foi um prazer conhecer você.




(*) A foto foi feita por mim da janela do carro no alto da Serra da Mantiqueira nos arredores da cidade de Aiuruoca, no sul de Minas.