quinta-feira, 18 de julho de 2019

Enquanto assa a broa




Ela comeu um pedaço de broa na casa do irmão quando de sua última viagem a tão distante cidade. Ficou só pensando no tanto que gostou da mesma.

Morada Nova de Minas é uma linda cidadezinha na região central de Minas, às margens da Represa de Três Marias, do nosso querido Rio São Francisco. Sempre achou estranho o nome da padroeira do lugar, Nossa Senhora do Loreto. Foi procurar sua origem. Descobriu que a santa é protetora dos aviadores e com muitas histórias e lendas envolvendo a cidade de Loreto, na Itália. 

Mas não é disto que Maria Luísa quer falar embora não queira deixar de salientar os dotes culinários da cunhada. Nem da broa que a esperava para o café da tarde. Embora quisesse logo anotar a receita. Estava há muito tempo sem conseguir fazer uma broa assim. Apenas aquela de farinha de milho, sua preferida. Não se esqueceu das palavras da cunhada: “tem que colocar muito queijo. Queijo curado e dos bons”. 

Pois bem, ela havia feito uma primeira vez para receber seus familiares e foi um sucesso. Agora teria convidados para o café da tarde e, enquanto almoçava, a broa assava. E o aroma já invadia toda a casa.

Entretanto outra situação não saía de sua cabeça. Ontem, ao acaso, cruzou na rua com uma mulher que lhe deixou entre risos e lembranças. Não acreditou no que viu. 

Suas lembranças voltaram para mais de quatro décadas quando via algumas amigas tentando esticar os cabelos. Se eram afrodescendentes passavam um pente de ferro aquecido na brasa. Havia um tal de “henê”. Colocavam rolinhos e outras tantas maneiras. Era um sofrimento danado para cuidar dos cabelos. Aquelas que tinham cabelos corridos tentavam encaracolá-los com papelotes, principalmente nas vésperas das coroações a Nossa Senhora.

Maria Luíza tinha os cabelos compridos, brilhantes, castanhos claros e ondulados. Sem os shampoos de hoje, lavava-os com o que tinha às mãos. Cada dia passava o que lhe dava na cabeça. Abacate, sabão de coco, sabão caseiro. Quase vomitou quando passou babosa. O cheiro lhe deixou nauseada. Aprenderia muitos anos depois porque não gostava dos shampoos de Aloe vera. Tratava-se da sua babosa babona e fedorenta. Até que um dia resolveu, literalmente, passar seus cabelos com o ferro elétrico debaixo do papel de pão. Eles brilharam e arrepiaram. Ficaram totalmente eletrizados. Enquanto a mãe ria, ela chorava de raiva. Nunca mais quis fazer isto.

Mas a mulher com quem cruzou na rua trazia seus cabelos enrolados e cheios de grampos. Antigamente chamávamos de “tôca” a este processo de alisar os cabelos uma vez que o penteado lembrava uma touca, peça do vestuário em tempos de frio.

Maria Luísa lembrou que, nas raras vezes que tentou enrolar e grampear seus cabelos com uma “tôca” quase morreu de dor no couro cabeludo. A sensação era de que os cabelos, que deveriam ser enrolados por algum tempo para um lado e depois para outro lado, levavam junto todo o couro cabeludo que obedecia àquela manobra e ficava todo espichado. Ainda pode sentir a dor que aquela “tôca de grampos” lhe causava. Até que resolveu deixar seus cabelos serem eles mesmos. Ficaram lindos e felizes para sempre.

Agora ela fica pensando naquela mulher:

"Será que a mulher dormiu de 'tôca' e não viu o tempo passar?

Não tenho nada com isto. Ela que faça o que quiser com seus cabelos."

A broa assou e ficou muito saborosa.



18/07/2019


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