Já me perdi nas estreitas e longas trilhas arenosas em meio às veredas que circundam o Jalapão. Mas não quero esquecer das serras que constituem as fronteiras agrícolas do MATOPIBA OU DO MAPITOBA* embora não tenha conseguido guardar qual serra faz fronteira com qual estado.
Entretanto meus olhos guardaram a exuberância das formações rochosas de arenitos coloridos e seus platôs retilíneos, certamente provocados pela ação dos ventos nos milhões de anos passados.
Durantes as quatro noites e cinco dias que ali passamos numa
convivência festiva e próxima tudo em mim era sentido. Era pura emoção. A razão
ficaria para depois. Sempre é assim em minhas viagens. Fico tomada pelos
sentidos e só “a posteriori” vou colocando as coisas nos seus devidos lugares e
entender o que se passou.
Pois bem, agora quero falar do que senti ao vivenciar e observar algumas cenas da nossa expedição pelo cerrado.
Onde estava o capim dourado tão encantado?
Enquanto não havia arriscado na pergunta pensei que todo aquele capinzal cor de
ouro envelhecido na beira das estradas fosse ele. Não era.
Fui procurar informações e descobri que o capim dourado é
uma espécie da sempre-viva de cor dourada. Ele vem sendo usado para confecção
de bijuterias e peças de decoração desde o início do século XX. A técnica foi trazida
pelos índios Xerente à região do quilombola da Mumbuca, no município de
Mateiros, em Tocantins.
- “É proibido entrar na área dele.” Informou o guia. A
resposta me decepcionou. Mas logo depois, durante a travessia de uma longa
passarela até um dos vários rios da região, o guia me apresentou ao capim dourado.
Uma pequenina moita de capim cujos filetes brilhavam ao sol. Pareciam fios de ouro.
Mais tarde fui entender algumas questões que envolvem o
cuidado com o capim dourado. Naqueles dias de nossa expedição estava chegando a
época da colheita para a confecção dos artesanatos e existem regulamentos de
proteção evitando assim a pirataria e sua extinção no cerrado. E a delicadeza
de sua floração agradece aos órgãos de defesa de tão rara espécie.
Entre mergulhos em rios e banhos em cachoeiras parávamos
para nossas refeições. É aqui que as mulheres entram em minha história. Elas
estavam por todos os lugares. Ora nos servindo almoço. Ora nos oferecendo doces
regionais, um pedaço de queijo, um suco. Sempre num sorriso que saía da alma e
entrava em nós. Eram elas as protagonistas do cerrado.
No caminho das Dunas, local de estonteante beleza e difícil acesso, encontramos uma delas. Vendia a famosa cachaça com jalapa. Recebia a todos com as mesmas palavras: “jalapa é uma batata do cerrado e que deu origem ao nome. Ela é medicinal, é depurativa do sangue, bom para o intestino, levanta o astral e rejuvenesce. E venha você conhecer o Jalapão e beber a jalapa”.
E claro que, depois de tantas propriedades, todas nós provamos da cachaça com jalapa. Uma
delícia ...
Mas, enquanto ouvia a repetição da mulher para outros turistas, meus
olhos clínicos viram um jovem solitário, de pé, com "facies” tristonha e face edematosa,
certamente cheia de cachaça. A cena me doeu o coração. Calado ele estava. E calado
continuou. Pegou carona na carroceria de uma das Toyotas. Era filho da
vendedora da jalapa que pediu a carona. Ali no Jalapão, conforme fui ler no depois,
pode-se viajar por até cinco dias sem ver uma única pessoa. O sol queimando as
areias inviabiliza o caminhar e existem apenas as comunidades quilombolas remanescentes de escravos que fugiam das fazendas na Bahia e alguns índios. Por isto apenas carros grandes, com trações nas quatro
rodas, conseguem trafegar pelos bancos de areia.
E a solidariedade dos
guias, em várias ocasiões, não me passou em branco.
Numa outra localidade encontramos as bijuterias, bolsas e
algumas peças de decoração numa minúscula choupana de palha. A mulher, jovem,
inibida e envergonhada, tentava atender a todas nós e nossas ansiedades pelas
compras confeccionadas com o famoso capim dourado. Era ela e o marido
alternando entre a confecção e a venda. “Cada peça que vocês compraram é um
tijolo para a casinha deles” iria nos dizer, mais tarde, um dos guia, muito
emocionado e agradecido por nossas compras.
Chegamos à comunidade do Prata. Outro quilombola. Este
pertencente à cidade de São Félix. Obras públicas por todo o entorno. Uma mulher com sua filha pequena veio nos atender no espaço comunitário de venda dos
produtos locais. Doces, rapaduras, bijuterias, canetas com envoltório do capim
dourado e outras pequenas peças. Perguntei se havia uma unidade de saúde na
comunidade dadas a dimensão da localidade e sua provável elevada densidade
demográfica em relação às demais. “Havia a doutora Maria que o governo mandou embora prometendo
mandar outro médico para nós.” Respondeu a artesã. Era uma médica cubana que
atendia a todos naquele distante Brasil.
E, na noite do aniversário da minha filha no meio do Jalapão,
elas fizeram um delicioso bolo com direito a recheio e cobertura. Ajudaram a
cantar os parabéns e agradeceram a nossa presença.
Num dos almoços que aconteciam com mesas fartas de pratos regionais uma das cozinheiras nos fêz um delicioso estrogonofe de legumes e nos apresentou outras tantas iguarias que elas fizeram mesmo sem ter energia elétrica no local. "O gerador é pequeno e não conseguimos gelo para os sucos mas o patrão foi buscar e logo chega." Era ela a se desculpar. Logo o gelo chegou e ela nos serviu deliciosos refrescos de frutas.
Sempre lá estavam elas a nos servir nos restaurantes e pousadas. Havia
eficiência, dedicação e prazer naquilo que faziam. Procuravam fazer o melhor
para atender as “turistas do sul” como se fôssemos superiores a elas.
Mal sabiam que todas nós ali nos tornamos pequenas demais
diante da grandeza de todas elas.
Comprei rapaduras, doces, cachaça, blusinha para meu neto,
brincos e pulseiras. Com estes presentes trouxe um pedaço da fortaleza das
mulheres jalapoeiras e a beleza do capim dourado.
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Fotos:
11) Mandalas de Capim dourado
( 2) Mandalas de Capim dourado
( 3) Exposição de peças de capim dourado
( 4) Floração de sucupira
( 5) Cachoeira da Velha
( 6) Cachoeira da Velha
( 7) Trilhas arenosas e, ao fundo, Serra do Espírito Santo.
( 8) Passarela a um os Fervedouros
(*) MATOPIBA ou MAPITOBA são as iniciais dos nomes dos quatro estados brasileiros que compõem a fronteira agrícola. Maranhão - Tocantins - Piauí – Bahia.
OBSERVAÇÃO: Agradeço às jovens turistas que estiveram junto comigo nesta expedição e que, prontamente, me enviaram fotos e vídeos para que pudesse ilustrar e lembrar de alguns fatos.
OBSERVAÇÃO: Agradeço às jovens turistas que estiveram junto comigo nesta expedição e que, prontamente, me enviaram fotos e vídeos para que pudesse ilustrar e lembrar de alguns fatos.
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