domingo, 26 de abril de 2020

ORAÇÃO DA CASA



Nasci mineira
Pequenina
Em torno de mim
algumas outras
como eu assim

Dentro de mim
sorrisos e interrogações
Das minhas janelas abertas
um mundo familiar


Devagar meus apêndices cresceram
dentro de mim rumores continuaram
São Jerônimo e Santa Bárbara,
em noites de tormenta,
me protegeram.


Aromas doces me habitaram
Cresci mais um tanto
Reformei-me em candura
De repente amadureci


Estou vazia
Na minha solidão,
Pessoas vagueiam.
Fui Maria
Fui José
Fui a trindade cristã


Envelheci
As lembranças me sucumbem
Preciso de ti
Ainda tenho histórias pra contar
Não me deixe morrer


Hoje te peço:
Volte!
Tome meu corpo
Penetre nas minhas entranhas
Cuida de mim

Daqui ainda ouço os sinos
Fazenda das Carreiras,
Itatiaia,
Lavras Novas,
Santa Rita.


Daqui ainda vejo o ouro
Ouro Branco
Ouro Preto


Estou livre
Mas presa a ti



Abril/2020
Este poema foi escrito para o 17° Abril Poético do grupo LESMA Poesia de Conselheiro Lafaiete cujo tema neste ano foi "300 anos de Capitania de Minas Gerais". Neste ano de pandemia, o evento tem sido realizado de forma digital.

domingo, 12 de abril de 2020

A comunista vai para Cuba








Já que me mandaram ir para Cuba resolvi pegar meu casaco de pele de largatixa e me mandar. Afinal é época do degelo e naquelas savanas a temperatura é de rachar os calcanhares. 

Meu desejo mesmo é ir direto para sua capital, a lindíssima Cidade do Cabo, onde as cores verde, amarelo e preto brilham e dançam ao som das polcas.

Recomendaram-me não deixar de visitar suas imensas muralhas mas deverei ter muio cuidado com os tigres de Bengala e os cangurus que saltitam por lá.

Obviamente não deixarei de visitar a Praça Vermelha, nem o maior prédio de parlamento do mundo, o Parlamento Húngaro.

Mas, meu amor me disse que estará na cidade de Cascavel que fica logo ali, bem pertinho das cataratas do Iguaçu, e que eu devo pegar um trem-bala e ir me encontrar com ele. Entretanto tenho medo dos ursos polares que podem aparecer por lá caso tenham sede. Arriscarei, apesar do meu medo. Para ver meu amor, atravesso até o tal estreito do Pacífico com seus (até) sessenta quilometros de profundidade e suas águas azul marinho.

Será que terei tempo para comprar os tamanquinhos holandeses no Covent Garden de Londres. Com as fortes proteções dos guardas do exército devo me sentir segura embora me alertassem que neste tal jardim/garden tem as terríveis surucucus e as jaguatiricas e que, portanto todo cuidado é pouco. Juro que tentarei chegar perto. Mas minha amiga terá mesmo que andar de havaianas, nada de tamanquinhos holandeses.

Bem, ontem comecei a arrumar minha mala com bastante roupas de frio. Dizem que tem lá um tal de Caribe e que pode até fazer um pouco de calor, mas não quero fazer feio nem sentir frio quando for esquiar no Vale Nevado. 

Como tenho muitos amigos escritores, darei um pulo em Berlim e trarei  livros das famosas livrarias de Fernando Pessoa. 

Nos Champs Elysees passearei com meu amor, inebriados com os perfumes das vanilas canadenses e das cerejeiras argentinas.

Beberemos uma puríssima vodka da Indonésia e comeremos os deliciosos pasteis de Belém. 

Obviamente faremos amor sob as estrelas, ao som das ondas do Havai, cheirando a maresia do haxixe e convivendo com o despudor dos índios da Amazônia.

Porém, como não sou afeita a brincadeiras, a seguir acordaremos debaixo das redes no nordeste do Brasil gritando:

 "#ele não".

Mais alguém quer ir comigo?

OBSERVAÇÃO: Este é mais um texto proposto na Oficina de Escrita como exemplo de escrita DADAISTA ou NONSENSE.

Foto 1 -  Teatro Isabelino - Londres - construído em 1589 onde foi encenada a peça "Romeu e Julieta"

Foto 2 - Café Havana - Haia -  Bélgica

(Fotografias feitas por mim quando da minha primeira viagem a Europa em 2018)

quinta-feira, 9 de abril de 2020

HOJE



(Delicadezas em tempos de Coronavírus – IX) 


Entrevistas, vídeos

Na Bahia

Artur Henrique morreu

Faltam EPIs

Cadastro. R$660,00

Uma enfermeira morreu

Presidente Cloroquina

em rede nacional

Desligar a TV

Bater panelas

Ex-presidente numa live,

primeiro salvamos vidas

a economia salvamos depois

Ligar a TV

Um médico morreu

China ajuda o Consórcio do Nordeste

Ministro da Justiça na rádio

Mudar a estação

Infectologistas de Santos entrevistados

Deixar nesta estação



MLB(Movimento de Luta nos Bairros)

dá show no PolitiQueijo

Coronavírus nas periferias

Luiza, 25 anos, na UTI

Nos Estados Unidos

a maioria de mortos são latinos.

O mundo se isola

E dá as mãos

É outono

Vovô morreu

A espécie humana hibernou

Na primavera nasceremos flores.



09/04/2020













quarta-feira, 1 de abril de 2020

VIAGENS IMAGINÁRIAS



(Delicadezas em tempos de Coronavírus - VIII)

Do terraço da nossa casa
No alto da cidade de
Queluz de Minas
(Conselheiro Lafaiete)
Realizo longas viagens

Olho para o leste
(e amo o nascer do sol)

Atravesso Catas Altas da Noruega
(desvio uns quilômetros para almoçar com minha irmã em Lamin)

Passo por Piranga, Porto Firme, Viçosa, São Miguel do Anta (aqui verei minha colega pediatra)
Dou um pulo em Ervália
e beijo minha afilhada

Tomo o café das montanhas em Martins Soares
Sigo para Realeza,
Venda Nova dos Imigrantes
Ouço os amores,  petrificados, do Frade e da Freira.
As placas de Brejetuba e Brejaúba divertem a mim e meu neto
Vamos nos esbaldar nas areias escuras da praia do Morro
E dormiremos exaustos ao som das ondas

Do terraço da nossa casa
No alto da cidade
Realizo longas viagens

Olho para o oeste

Sinto uma pontada no peito
(tudo por ali me é desconhecido)
Mesmo assim embrenho na minha viagem
Em Lagoa Dourada
saboreio o tradicional rocambole
Atravesso São Paulo,
São José do Rio Preto

Chego ao Pantanal, ao Buraco da Araras
Mato Grosso do Sul

Arranho o norte do Paraguai
(não compararei quinquilharias,
mas abraçarei, respeitosamente o povo paraguaio, 
talvez pedir desculpas)

Encanto-me com o chaco boliviano,
lembro-me do grande general Sucre
E, para ver as águas profundas do Pacífico,
busco coragem
e atravesso o deserto de Atacama

Do terraço da nossa casa
No alto da cidade
Realizo longas viagens

Olho para o sul

Logo estarei em Barbacena
Desço, nostálgica, a Serra da Mantiqueira
Talvez entre em Cabangu

Certamente subirei o Morro do Cristo
De lá verei toda minha Juiz de Fora
Parque Halfeld,
rua Halfeld
Avenida Rio Branco
Academia Cristo Redentor
(aqui estudei, com bolsa, meu terceiro ano para o vestibular)

Estou chegando de novo
no charmoso Museu Mariano Procópio
passeio com Dom Pedro II pelos jardins da casa

Depois descerei pelas encostas da Serra do Mar
entre os perfumes da Mata Atlântica
subirei por Itaipava
tomarei um tinto seco
com minha colega cigana (médica antroposófica)

Chego em Copacabana
E mergulho nas praias do Rio de Janeiro

Do terraço da nossa casa
No alto da cidade
Realizo longas viagens

Olho para o norte

E logo vejo o Belo Horizonte
Pego minha amada BR-040
Sete Lagoas
(antes terei lido, na estrada, Bairro Franciscadriângela, em ribeirão das Neves)
Meus olhos viajam com os jagunços de Guimarães Rosa
Curvelo, Corinto, Boacaiuva,

Em Montes Claros dançarei ao som da valsinha de Godofredo Guedes

Cheguei em São Francisco, Januária,
Em Verdelândia encontro Frei Agnaldo e sua bondade

Continuarei subindo
Agora, montada no Benjamin Guimarães de outros tempos
Tô na Bahia de todos os santos
Bom Jesus da Lapa me abençoe.

São Raimundo Nonato
Aqui quero ver as artes rupestres,
as riquezas e belezas naturais das serras
e chegar em Teresina, a princesa do nordeste.
Mas no delta do Parnaíba
não dormirei
Ficarei ali por toda a madrugada
Só para ver as águas doces do rio beijando
O mar do Piauí

Do terraço da nossa casa
No alto da cidade
Realizo distantes viagens

-desce daí menina e vem estender as roupas!

É minha mãe
me acordando dos sonhos
de primeiro de abril.



1° de abril de 2020

Fotografia: capela na área rural de Brás Pires - M.

G. (arquivo pessoal)