quarta-feira, 22 de julho de 2020

Crônica: Moradia Compartilhada




(Delicadezas em Tempos de Pandemia - XXIII)





Moradia compartilhada

-“Se trouxeram o Rio Xingu até a Baia da Guanabara eu juro que fico com vocês”

“Pois não foi que uma vez eu, único médico daquelas florestas amazônicas, tive que viajar com o tal general, presidente do Brasil na época, só porque o digníssimo queria sobrevoar a região de Tefé. Eu calado, ele cheio de fardas e de distintivos coloridos na lapela. O homem tremia de medo. A chuva caía sem compaixão. Eu, quieto no meu canto, afinal quem está na garupa não governa rédea, já dizia meu pai. Tinha ido atender a um chamado de uma tribo onde a malária atacava sem dó”.

- “Por favor vamos atentar ao nosso objetivo senão não sairemos daqui.” Esta era a Menga, sempre muito objetiva, a colega pediatra aposentada, casada com um canadense prá lá de gente boa e bebedor de finos vinhos.

Vamos ouvir o idealizador do projeto. Fala ai King.

- Pois então, na qualidade de anfitrião e proponente do projeto, gostaria que o meu Fogão ganhasse o campeonato...

- Oh não! Desculpem! Me ajuda ai Jéssica (a bela companheira de King).

- Então amigos e amigas, vamos lá. Eu e King temos conversado muito sobre nosso grupo. Estamos envelhecendo e, em alguns países da Europa este sistema já vem sendo efetivado, ou seja, queremos convidar vocês para vivermos todos juntos?

- Mas o verdureiro próximo a minha casa, na Baia de Guanabara, entrega coisas deliciosas de Minas e eu não sei se conseguiria que ele levasse as frutas e verduras para todos nós.

- Espera ai Jéssica, você está sugerindo que façamos uma comunidade tal e qual os novos baianos? Seríamos assim como “os velhos comunistas”? Gostei da ideia. Poderia até levar minhas cuecas velhas de algodão. Elas me dão muita sorte no amor.

- Atenção pessoal! Temos várias etapas a pensar, estudar e partir para a execução. Quem gostaria de viver numa comunidade assim?

- Eu não tenho nem cartão bancário mas adoro cantar e, se necessário, poderei atender alguns amiguinhos que aparecessem pela vizinhança.

Era Tonico Feliz que logo levantou a mão em sinal de aprovação da ideia e continuou:

-“Mas tenho que perguntar prá Tita antes. Se ela concordar eu topo.”

- Vamos voltar aos projetos. Alguém mais quer falar alguma coisa?

- Eu não quero ficar em quarto perto da Tereza. Nem com porta a prova de som. Ela ronca e parece que tá morta. E vou fazer muitas calcinhas de filó prá vender na feira. Poderia fazer cuecas de filó também. Acho que faria o maior sucesso.

- Companheiros e companheiras temos que eleger o presidente dessa associação para defender nossos direitos a serem conquistados com a implantação deste sistema de moradia. Eu me candidato a presidente.

- Mas se trouxerem o Rio Xingu até cá eu não terei tantos problemas com o entrelaçamento de raízes das vitórias-régias. Gostei dessa ideia. E Ravi e meu filho, chef de cozinha famoso no mundo inteiro, poderão fazer muita comida árabe para nós. Mas já adianto que ficarei por conta dos jardins.

- Pessoal alguém teria sugestão onde seria implantada esta nossa casa? Pois bem quero sugerir a cidade de São Paulo, pois não consigo viver longe dos espetáculos e do glamour das garndes metrópoles. E minha filha poderia nos presentear com sua bela voz e suas performances.

- Tô aqui calado mas pensando nas minhas viagens aos Estados Unidos para meus congressos de endoscopia e tantas “cositas más”. Gostaria que fosse perto de um aeroporto internacional.

Nesse momento foi dada uma pausa para o lanche devidamente organizado por King e Jéssica.

Bananas assadas com mel, canela e queijo, pasteis de guaraná, suco de umbu, vinho para quem é de vinho e uma cachacinha para os mais corajosos.

Todos haviam dado suas opiniões e, quem se absteve, deixava implícito que concordava com o grupo.

A partir dai a empolgação tomou conta da reunião. King era puro fogo.

Alguns queriam morar na Serra do Cipó, sob a proteção ambiental do querido Juquinha. Outros queriam que fossem viver nas alturas da Pedra Menina na Serra do Caparaó. Tonico pediu uma oração prá Nhá Chica abençoar e iluminar aquele projeto.

Chegando ao fim do horário previsto todos concordaram que a alegria foi o tom do encontro. Agora que cada um retornasse para sua casa e pensassem na viabilização do projeto.

Menga pediu que fosse feita a ata desta primeira reunião e assinada por todos com a seguinte introdução:

- “Nesta data de vinte e um de julho do ano de 2020, perdido pela pandemia do Coronavírus, o grupo de médicos sessentões, aposentados e sem ter o que fazer, foi convocado por um deles, King, para uma primeira reunião com o objetivo de apresentar seu projeto de “Moradia compartilhada”. Após discussão e nenhum consenso cada um voltou para sua casa com todas as saudades do mundo dentro do peito.”

21 de julho de 2020

 

 


terça-feira, 21 de julho de 2020

Poema: Vermelhou...

(Delicadezas em tempos de Pandemia - XXII)

Um vento súbito avançou
sobre meu quintal
uma chuva de folhas secas 
dançou no ar
coloriu de outono o chão


Ontem pela manhã
um Tico -Tico - Rei 
me honrou com sua visita
acompanhado da sua rainha

Ontem a tarde
um pássaro grande 
de linhas retas
penacho vermelho na cabeça
agarrou-se no tronco do ipê
da minha cozinha

então um som ôco 
repetitivo
invadiu meus ouvidos

Pica-pau

19/07/2020

domingo, 19 de julho de 2020

Redação Infantil: Biribim



BIRIBIM

Um dia eu estava vendo um vídeo na internet, nesse vídeo aparecia uma cadelinha que se chamava Biribim, ela era uma cadelinha treinada que fazia muitas coisas legais.

Ela fazia tudo que seu dono falava. Ela pulava obstáculos, ficava em pé e deitava quando o seu dono pedia. Era uma cadelinha muito brincalhona e alegre. Eu e meu irmão mais novo, o Lucas, assistimos o vídeo várias vezes, pois gostamos muito de animais, principalmente de cachorrinhos.

Alguns meses depois meu pai encontrou um cachorrinho parecido com aquele do vídeo. Nós ficamos tão felizes, que nem pensei duas vezes e já coloquei o nome de Biribim, só que o nosso cachorrinho é macho, então chamamos ele de “o Biribim”.

Estamos tentando treinar o Biribim, mas ele não nos obedece, mas a gente ri se diverte com ele assim mesmo, acho que ele parece comigo e meu irmão, por isso é um pouquinho bagunceiro. Ele nos passa alguns sustos, mas nós amamos ele demais.

Pedro Otávio dos Santos




Observação:
Pedro e Lucas, com a ajuda da mamãe, Eunice Aparecida, fizeram a redação e o desenho conforme eu havia pedido. Confesso que fiquei muito feliz. E, conforme combinado, compartilho aqui com todos vocês. Abraços Pedro e Lucas e muito obrigada.
19/07/2020

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Crônica Infantil: BIRIBIM

 (Delicadezas em tempos de Pandemia - XXI)

 BIRIBIM



Ainda nem tinha nome. Estava nas ruas. Tinha o pelo da cor da estrada. Seria sujeira? Pó do asfalto. Cristiano freou o carro e viu aquilo se mexendo. Um cachorrinho perdido. Parou o UNO no acostamento, aproximou lentamente do cachorrinho e viu que ele estava assustado.

-Não vou te machucar. Só quero ver se está tudo bem com você.

Assim o homem falou com o cãozinho. Logo viu que se tratava de um filhote. Nem pensou duas vezes. Convidou-o a acompanha-lo e perguntou se ele queria uma casa e dois amiguinhos. E todo sujo entrou no carro.

- Vejam o que eu encontrei na estrada!

Os filhos olharam e aconteceu aquilo que os adultos chamam de “amor à primeira vista”.

Pedro e Lucas logo foram brincar com o mais novo companheiro.

- Podemos ficar com ele, papai?

- Como vai ser o nome dele?

- Ele está sujo ou tem esta cor de cinzas?

E foram tantas as perguntas que Cristiano nem conseguia responde-las. Mas disse:

- Primeiro temos que conversar sua mãe. Se ela aceitar, vamos leva-lo ao veterinário para nos orientar sobre os cuidados e as vacinas.

Pedro e Lucas sabiam que iriam convencer a mãe para deixar o cachorrinho com eles.

Deram banho no cãozinho e logo viram alguns pelos brancos entre todo o resto acinzentado.

Estava feita a amizade entre os três e com o consentimento dos pais.

Biribim foi o nome escolhido e logo Biribim já ocupou seu lugar na casa. Mas ele queria mais que o espaço da casa e, um dia no descuido, ele saiu pelas vizinhanças. Entrou no primeiro portão que viu aberto.

Ali não Biribim! Ali não!

Ali, naquele sítio, havia quatro cachorros com fama de serem muito bravos. Eles cercaram o Biribim que os enfrentou com muita coragem. Os meninos escutaram a confusão e vieram logo em socorro.

Biribim estava acuado num canto da cerca e tremia de medo. Parecia ferido.

Eunice, a mãe, chamou a vizinha que veio em socorro. Desajeitada feito ela só e mais apavorada que o Biribim, ela tentou afastar seus quatro cachorros, aproximou e o pegou no colo. Ele esbravejava de medo, de dor e de defesa. Tudo durou um segundo, mas o tempo suficiente para que ela visse lágrimas nos olhos dos meninos.

Foi neste instante que Biribim acabou caindo e, Pedro num reflexo de amizade, pegou Biribim no ar, do outro lado da cerca. A vizinha havia esquecido o arame farpado sobre a cerca que arranhou os dois e Biribim tentando se soltar daquela desajeitada deu-lhe uma leve mordida no dedo.

Mas a vizinha ficou muito preocupada de ter ferido o cachorrinho. Pediu desculpas aos meninos. E uma coisa não lhe saiu da cabeça: de onde Pedro e Lucas tiraram aquele nome para seu cachorrinho?

Então resolveu pedir-lhes que, cada um, fizesse uma redação sobre o BIRIBIM e que eles enviassem-lhe para que ela pudesse saber e contar para todo mundo.



BILHETE

Pedro e Lucas

Por favor, escrevam sobre o Biribim e me enviem suas redações.

Peço também que, se quiserem e seus pais autorizarem, que eu possa publicá-las no meu blog, Contos de Rivelli.

Abraços e me deem notícias do BIRIBI

16/07/2020

Da vizinha

                      Rivelli

quarta-feira, 15 de julho de 2020

A Gata


(Delicadezas em tempos de Pandemia XX)



Princesa rodeava sua dona

Gata manchada

preto, laranja e branco

Mais parecia uma flor.

Num descuido de Clara

pulou em cima da mesa

deitou sobre um dos livros

e leu Freud

“Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”

Saiu assustada

foi caçar um gato

ninguém mais soube dela.

 

Lafaiete, 13/07/2020


sexta-feira, 10 de julho de 2020

Fábula : O rei cruel

(Delicadezas em tempos de Coronavírus XIX)

 O rei cruel


Num reino de faz-de-conta o povo escolheu como rei um cidadão desconhecido, mas que se dizia cidadão de bem. Ele asseverava querer mudar os rumos da história daquelas terras temendo que conquistadores invadissem o território uma vez que os últimos reis e rainhas haviam transformado o reino em uma moderna e rica nação.

Os povos estavam divididos quanto suas intenções.

Havia aqueles que, desde os tempos remotos, tiveram seus privilégios garantidos e suas riquezas que só aumentavam. Estes nada queriam mudar. Para eles que “tudo ficasse como dantes no castelo de Abrantes”.

Havia aqueles que ficavam à margem dessas riquezas e viviam das sobras daqueles.

Portanto tratava-se de um reino com grandes diferenças no tocante aos viveres de seu povo. Por isto que dentre estes últimos foi crescendo o desejo por melhores condições do viver. Não queriam mais apenas sobreviver de favores e à sombra dos ricos e poderosos. 

Mas o rei escolhido não tinha inteligência, não tinha conhecimentos, nem sabedorias de vida. Ele só tinha filhos, esposas e um passado de militar atleta. Ah! Ele também adorava dormir durante reuniões importantes dentro e fora dos quarteis, pois as achava desinteressantes e sem valor.

Entretanto se os assuntos fossem sobre armas, principalmente aquelas de cano longo, ele despertava e dava opiniões. Achava que todos do reino deveriam tê-las em casa para se protegerem dos outros que também tinham armas. E foi assim que as matanças foram autorizadas no reino. Vale contar que essas armas eram tão caras que só os abastados tinham dinheiro para adquiri-las. Pois bem, mais uma vez os pobres e desvalidos seriam assassinados.

Embora mais da metade da população do reino dizia discordar de suas ações, ninguém entendia como um rei assim tão despreparado, tão claro e mau em suas intenções, odiado por todos os demais reinos, continuava reinando. Pior ainda, ninguém entendia como ainda era venerado por muitos como se fosse um messias enviado por um deus.

Deu-se que outro deus resolveu castigar os reinos da Terra e transformou um verme que só adoecia pequenos animais, em um potente verme que passou também a adoecer os humanos. Para tentar combater a doença provocada por este verme, todos os reis procuraram os grandes curandeiros e xamâs e, humildemente, pediram ajuda.

Os reinos estavam sendo devastados. Os súditos começaram a morrer em todos os reinos. Neste tempo resolveram se unir para um reino ajudar o outro em todas as formas e nos conhecimentos que cada um fosse adquirindo.

Os abraços foram proibidos pois o verme passava de pessoa a pessoa pelas respirações. E respirar foi ficando cada vez mais difícil. Os vermes entravam nos pulmões, sugavam todo o ar e deixavam as pessoas se afogarem na falta de ar.

A tragédia afetou todos os reinos. Era preciso que todas as pessoas se distanciassem umas das outras para se protegerem e protegessem aos outros.

Mas aquele rei malévolo nada respeitava e, desconsiderando os sábios curandeiros e xamâs, minimizou o verme que, descontrolado e raivoso, foi matando seus súditos, os que gostavam dele e os que não gostavam dele também.

O rei cismou que todos os doentes fossem tratados por uma erva medicinal de nome estranho embora os curandeiros alertassem acerca dos graves riscos que a tal erva poderia provocar, inclusive a morte. Mas o rei continuava esbravejando e indicando tal erva milagrosa para todos os seus súditos como se ele tivesse a sabedoria dos curandeiros e xamâs. Ele nada fêz para ajudar seu povo.

A partir de então o reino foi-se fechando em tristeza e abandono. Enquanto isto, o rei, seus familiares e amigos foram se tornando mais intolerantes, cruéis e, terrivelmente, amados por aqueles que o defendia mesmo sabendo de suas atitudes desbaratadas.

Mas eis que aparece uma cobra naja nos salões do castelo do rei e ele é picado por ela. Ninguém sabia como isto aconteceu uma vez que tal cobra altamente venenosa vivia apenas noutros reinos bem distantes.

O alvoroço tomou conta do reino. Os curandeiros foram chamados para salvar o rei. E, nas suas moralidades e benevolências, curandeiros e xamâs salvaramm o rei.

Depois deste fato, enquanto todos esperavam que o rei se humanizasse com a proximidade da morte ele, ao contrário, retorna às suas atividades ainda de forma mais cruel. Determinou que deixassem de oferecer água, alimentos e tratamentos para os povos que viviam no meio das matas do reino. “Eles devem morrer. Não prestam prá nada” cuspia o rei.

Foi nesse momento que um sábio que vivia naquelas terras do meio da floresta, sabendo do decreto e das palavras do rei, disse aos povos de todo o reino que observassem a natureza.

“Quando uma madeira vai crescendo no disforme de sua família, nada haverá de dar rumo certo a ela em direção ao sol. Ela há de vergar e viver na escuridão”.

Escutando aquele sábio, o povo percebeu que se fazia hora para que um novo rei fosse escolhido.

Então todo o reino se uniu para destituir aquele que fora o pior rei daquele imenso reino encantado chamado Brasil. 


10/07/2020