(Delicadezas em tempos de Coronavírus - XXXIV)
Carta para o Papai Noel
Boa manhã de sábado senhor Papai Noel.
Estou falando com você de uma cidade do interior do estado das Minas Gerais, no Brasil. Isto mesmo papai Noel. Aqui onde as terras são ricas em diversos minerais e, por isto, os olhos avarentos dos senhores do capital viajam por dinheiro.
Hoje amanheci muito triste pois ontem li, aturdida, que mais um mineiro morreu soterrado na mina do Córrego do Feijão, aquela mesmo onde houve o rompimento de uma represa de rejeitos que soterrou 272 trabalhadores. Naquele dia eu estava lá pertinho, à beira do Rio Paraopeba. Meu coração parou junto com as mães, pais, namoradas e namorados, filhas e filhos e eu morri com todos eles. Até quando?
Papai Noel, neste Natal de 2020 quero pedir que voltemos nos tempos quando nossas alegrias se davam ao colocarmos nossos sapatinhos debaixo das árvores de Natal feitas com galhos colhidos no quintal; quando nossos olhares se iluminavam na expectativa da sua passagem pelos telhados ou chaminés; quando tentávamos vencer o sono para não deixar escapulir nenhuma emoção; quando nos esbaldávamos com os doces caseiros, com o arroz à grega, o frango assado, o tutu de feijão e o Crush, aquela bebida alaranjada cheia de gás.
Sabe Papai Noel, na minha rua o natal era comemorado com todas as famílias juntas. Dividíamos os pêssegos do quintal da dona Dulce para o doce, a sopa dourada da minha mãe, a farofa da tia Maria de Lourdes. Até os brinquedos eram divididos com aqueles amiguinhos de quem você esquecia. Eu nem podia imaginar os sapatinhos dos meus vizinhos que amanheciam vazios. Já naquela época eu sentia muita raiva do fato de haver diferenças entre as pessoas por causa do dinheiro. Cresci com isto dentro de mim.
Papai Noel, infelizmente, sei que meu pedido nestes tempos de isolamento, de soterramentos, de doenças e mortes, é descabido. O tal bichinho chamado Coronavírus ameaça a todos nós, sem piedade. Além do mais temos um presidente muito mau. Ele não aprendeu o que é humanidade. Acho que não brincou na minha rua quando criança senão teria aprendido o que são os valores mais importantes entre os povos. Teria aprendido a respeitar nossos antepassados, a amar nossos próximos, teria aprendido a sorrir nas brincadeiras e a chorar com os amigos. Nosso presidente nem se importa com as tragédias que veem se abatendo sobre seu povo. Ele até ri e faz piada de nossas tristezas.
Ah, Papai Noel, nesse Natal eu lhe peço apenas dois presentes: leve embora nosso presidente da morte e traga de volta nossos sonhos. Só isto.
E, enquanto aguardo os presentes pedidos, continuarei chorando pelos familiares que perderam seus entes amados tanto por esta terrível Covid19 quanto por aqueles soterrados pelo dinheiro maldito.
Mas quero agradecer por minhas doces lembranças daquelas noites quando aguardávamos a chegada do Menino Jesus na manjedoura carinhosamente confeccionada por meu pai.
Quero agradecer também, Papai Noel, o olhar do meu netinho a me convocar para brincar. Agradecer as mãozinhas dele a me arrastarem atrás de uma bola e gritar “gol” quando a bola passa debaixo das minhas pernas bambas.
Papai Noel, obrigada e, por favor, atenda aos meus pedidos.
E sem abraços porque você é do grupo de risco para a Covid19.
Assinado
Maria do Rosário Nogueira Rivelli
Conselheiro Lafaiete, 19 de dezembro de 2020.
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