Estava decidido. Naquele final de semana o jovem residente iria ver sua
doce namorada na cidade onde se formara médico. Com sua velha companheira
mochila nas costas lá se foi o moço, a pé, até a rodoviária da capital mineira.
Às vezes esquecia e pisava com um pé no passeio e outro no asfalto. Ele era
assim mesmo. Sorria para um transeunte qualquer, dava bom dia para outro,
sorria até para dentro de si. Cabelos encaracolados ao vento, óculos que nem
sempre lhe davam rumo e sem rumo ia nosso jovem pelas avenidas e ruas na cidade
que, ora, era sua.
Na rodoviária errou o guiché. Claro que erraria. Os óculos atrapalhavam e
embaralhavam as letras das muitas cidades brasileiras espalhadas por aquelas
placas ainda não luminosas.
Logo seus olhos foram convocados a ler São Raimundo Nonato e seus
pensamentos, imediatamente, viajaram para o famoso Parque Nacional da Serra da Capivara.
Há muito ouvira falar daquele local cheio de grutas e escritas rupestres. Não
teve dúvidas. Caminhou até o vidro e do lado de lá foi informado do valor da
passagem sem mesmo ter perguntado.
Uma voz dentro dele aventurou o trajeto, norte de Minas
- “Assim vai você vai conhecer a terra de Beto Guedes e, quem sabe, não
experimenta o famoso doce de leite numa parada pelas bandas de Montes Claros. Aí
você dorme um pouco e logo chega no sudoeste da Bahia. Será que vai passar pela
Chapada Diamantina, em Lençóis?
- “Você vai se esbaldar com o sertão baiano. Serão dois dias só nas
terras de Todos os Santos. E tenho certeza que a caatinga vai deixar você em
alumbramento”
- “Agora dorme e descansa”
E, de vera, alumbrado ficou o médico jovem com todas aquelas
possibilidades.
Dizem as más línguas que o residente de psiquiatria teria ido lá apenas com o intuito de ver o Museu do Homem Americano e ver de perto o santo que foi extraído vivo das entranhas da mãe já morta.
Hoje é sabido que o jovem residente, de lá, não voltou. Todos os empreendimentos para encontra-lo foram em vão.
É sabido também que a namorada, depois de quarenta e dois anos de solidão e viuvez por antecipação, ainda aguarda pelo residente de psiquiatria.
08/03/2023
Comentário do mestre e poeta:
Rivelli, a viajante
Tudo é viagem, você é uma viagem de mil paisagens e histórias. O seu texto de abertura é uma viagem ao país do possível e impossível. O ser é tão só, o sertão não tem cercas. Uns vão, outros esperam. É o que acontece com o residente e com a noiva impossível que espera o noivo que não virá. Muito boa a prosa, bom de ler, deliciar, bjs
Alongamento, alumbramento
A infância não morre, ele fica nos olhos, nos sonhos, nas palavras e gestos. E o texto nos faz rever o passado tão presente. Tudo é alucinação e alumbramento, bjs
Ronald Claver