quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Crônica: Dudu e eu num país distante

                              
   
Estou de volta à nossa amada Terra brasilis.

Meus primeiros dias naquele país insular gelado foram de deslumbramento pelo novo, foram de alegria por estar ao lado do meu neto e foram de muitas surpresas. Dani e Francisco fizeram tudo para me deixar à vontade e para me agradar. Desde comprar roupas adequadas contra o vento cortante, procurar fubá nos mercados da Índia e da China para que eu fizesse nossa broa mineira como programar várias viagens pela bela região sul da Ilha Sul. Devo confessar que demorei muito tempo para que me sentisse ali, do outro lado do planeta. Às vezes eu andava pelos arredores da casa para me certificar de que eu estava de fato naquele país. Aos poucos fui me sentindo mais livre e confiante.

Pela manhã Dudu ia para sua espaçosa e moderna escola e só voltava às quinze horas. Nesse tempo eu caminhava pelo Queens Park, numa das regiões mais belas da cidade, bem próxima à casa do meu filho.

-“Vem brincar comigo vovó!”, foi a frase que mais ouvi, entre outras, nestes noventa dias. Ainda tenho comigo a sonoridade de muitas dessas frases ditas por Dudu. Eu sentava ao lado dele, no chão sobre o carpete, por ali ficava mexendo nos bonequinhos do lego sem saber como brincar com aqueles homenzinhos articulados. Dudu pegava peças daqui e dali e, num minuto, construía naves espaciais muito superiores em engenhosidade aeroespacial do que aquelas feitas pela NASA. Eram as naves do Star Wars com seus generais, seus clones, droids e aqueles povos esquisitos de outras galáxias.

-“Não vovó, você está voando com a nave ao contrário” era ele corrigindo o sentido errado das naves voando pelo universo.

Outras vezes me chamava para jogar videogame e eu nem sabia pegar nos controles (ou manetes?).

-“Esse sou eu vovó; você está tentando me matar! Nós somos amigos!”

Outra vez estávamos construindo não me lembro o quê quando lhe disse que havia encontrado uma peça legal na caixa de lego. Ele lança um breve olhar sobre a peça e me diz

­- “Vovó, isso aí é um gatinho!”

Algumas vezes ele me pedia para sentar ao lado dele para vê-lo jogar a tal Zelda e eu ficava sem entender aquelas várias tarefas. 

Hoje avalio o quanto ele foi educado, gentil e paciente com essa avó que nem sabia brincar com ele.

E nós dois líamos muito. Ele com seus livros em inglês e eu me divertindo com as loucuras de D. Quixote e seu fiel escudeiro, Sancho Pança, ainda no primeiro volume.

Ajudei pouco nos afazeres da casa. Vejo que poderia ter ajudado muito mais. Nunca fui boa dona de casa. Gosto mesmo é dos livros e das escritas e do meu neto.

Por duas manhãs de sexta-feira acordei bem mais cedo quando pude assistir às aulas de sociologia para estudantes carentes brasileiros num cursinho popular para o ENEM. Francisco não sabe, mas aprendi muito nessas aulas e fiquei ainda mais orgulhosa ao vê-lo discutindo com os alunos deste lado de cá do mundo.

Dani é uma artista das mãos confeccionando roupas e bichinhos em crochê além da arquitetura com seus projetos incríveis. Devo a ela a construção da minha casa que, com competência e disponibilidade me ajudou em várias etapas. É também uma expert em informática e, muito mais importante que tudo isto, joga videogame com o Dudu. Eu ficava de longe, observando a alegria do Dudu, na disputa com a mãe no Mário Kart ou nas conquistas do Link em busca da princesa Zelda.

Vez por outra Francisco pedia ao Dudu e a mim para irmos ao supermercado, localizado a um quarteirão da casa deles. Dudu corria na minha frente e atravessava a avenida na faixa indicada, obviamente que lá a preferência é sempre do pedestre como deveria ser em todos os lugares. Ele sabia onde estava o que iríamos comprar, manipulava as balanças, mostrava os códigos de barra no visor, pagava com cartão de débito (lá não há cartões de crédito) ou em dinheiro e ainda recebia os trocos. Tudo sem precisar de trabalhadores. As máquinas fazem todos os trabalhos. Ficava impressionada com a desenvoltura do meu neto e sua segurança em tudo que fazia.

Dudu tem colegas de várias nacionalidades na escola. - Ficava imaginando como as professoras lidavam com os vários idiomas. Tenho pra mim que as crianças aprendem o inglês se divertindo nos espaços livres da escola, correndo de um lado para outro ou subindo na enorme árvore de corda elástica bem esticada e segura, a tal Spider web. Adorava ver a meninada escalando aquela árvore.

À noite Dudu pedia para dormir comigo e sempre queria que eu lhe contasse histórias, mas nenhuma que fosse “infantil”. Nós dois criamos versões diferentes da história dos Três Porquinhos bem antes deles mudarem do Brasil. Uma hora tinha uma “bola raio laser” iluminando a mata para evitar que o lobo mau pegasse os porquinhos. Outra vez era o macaquinho Dudu que ajudava os porquinhos a correrem do lobo. Mas lá, na Nova Zelândia, apareceu até uma vaca que tentava impedir a separação dos porquinhos da mamãe dona porca.

Contei-lhe quase todas as histórias do meu livro “Rosa nos Tempos” quando relato histórias da minha infância. 

Uma noite, quando eu pensava que ele já havia dormido, parei de contar a história e então ouvi “Vovó! Continua a história!”. Outras noites eu cantava e, numa dessas noites, continuei cantando mesmo quando ele já havia dormido. Ri sozinha percebendo que eu cantava para eu dormir.

Às vezes ele deitava comigo, mas logo desinteressava pelas histórias ou pelas minhas cantorias e ia para a cama dos pais.

Uma vez Dudu recebeu um amigo neozelandês para brincar com ele quando me colocou também na brincadeira. Harvey olhava espantado para uma velha dos cabelos de duas cores, que não sabia conversar com ele e que caía dura no chão ao ser baleada pelos inimigos, no caso, meu neto e ele. Até nossos diálogos se darem por sorrisos e olhares furtivos.

E numa manhã de outubro acordei com o chão do lado de fora todo forrado de branco. Chamei-os dizendo que estava nevando e fomos todos para o quintal. Eram pequeninos granizos que mais pareciam flocos de neve que logo apareceram esvoaçando pelo quintal. Dudu começou a catar os flocos de neve e jogar em mim. Foi uma guerra de bolas de neve por todos os lados. Ele deu gargalhadas quando uma bolota espatifou nas minhas nádegas. Devolvi o ataque, mas errei o alvo.

Foram muitas brincadeiras.

Dudu é meu amigo e os laços que nos unem ficaram muito mais fortes depois dessa viagem. Prometi que voltarei em 2025 quando ele fará dez anos. Certamente que encontrarei um pré-adolescente lindo, gentil, educado, corajoso, valente e ainda mais paciente com esta avó que tanto o ama.

Observação: por favor, assinem os comentários para eu saber quem são vocês. Obrigada

Fotografias: arquivo pessoal

                                                       Droid, personagem do Star wars

                                                     Spider web (árvore de elástico)


                                               Nave aérea que se transforma em tanque de combate



                                             Caminhando pelo Queens Park


                                       Dudu e eu na trilha do Anderson park em Invercargill


                                                 Dudu e o pai numa praia na ilha Norte


    Dudu e o pai lendo as instruções no Park das águas quentes vulcâncias na cidade de Rotorua, Ilha Norte


                                            Dudu e eu lendo na minha última noite em Alckland




                                          Indo tomar nosso breakfast no último - Auckland

33 comentários:

  1. Que lindo, mãe! Fiquei emocionado. O Dudu é tão engenhoso quanto carinhoso. Atualmente a sagacidade é a característica dele que mais me impressiona, faz comentários hilários e fica com o sorriso escondido até se libertar numa gargalhada quando nós denunciamos as suas artimanhas. Te amo, um beijo!

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  2. Rivelli. Tenho acompanhado de perto sua aventura com seu neto. Essa vivencia dele com a vovó querida será para sempre. E pa
    Pra nós que saboreamos seus escritos, impressoes deliciosas.grande cronista! Saudades!

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  3. Delicia de se ler! E que lembranças vão acompanhar seu neto pela vida afora. Grande cronista. Saudades!

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  4. Sebastião Aimone Braga14 de dezembro de 2023 às 15:25

    Ótima crônica de uma vovó de muitas travessias para se encontrar com o neto, do outro lado do mundo. Na bagagem, muita curiosidade e muito amor. Na volta, muitas histórias!

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    1. Obrigada meu grande amigo. Sempre carinhoso e gentil, tal e qual meu neto.

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  5. Que lindo Zarinha, vontade de nunca parar de ler suas histórias, você merece❤️

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  6. Tudo muito lindo, Rivelli.

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  7. Rivelli, adoro suas crônicas. Sei bem o que é este amor que temos pelo neto. Maravilhoso! Já li suas aventuras para o Antônio que ficou interessado em tudo. Beijos.

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  8. Muito lindo esse amor de vocês, avó e neto, e lindo também tudo que você escreve, parabéns, irmã !!!

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  9. AVÓ É MÃE COM AÇÚCAR

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  10. Lindo, lindo! Como sempre, vc arrasa em seus escritos! Saudades, Zarinha!

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  11. Gente esse Dudu é muito legal! As aventuras de Vovó e Dudu nas ilhas distantes!. Que vivencia amorosa! Obrigada por compartilhar Rivelli.

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  12. Viajei junto a você nessa linda e encantadora jornada. Me vi passeando pelo parque, caminhando até o supermercado, na escola. Tudo maravilhoso. Parabéns. Andresa

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  13. Adorei Rivelli...uma doçura para escrever ,relatando esta sintonia incrível entre você e Dudu, e me lembro bem do carinho do seu filho com você, aqui em Juiz de Fora...parabéns amiga, por esta família incrível que construiu...você merece receber os " louros " agora.
    Obrigada por este momento doce, amenizando um pouco as mazelas deste nosso mundo...Beijos, Sandra Motta

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  14. Encantadora sua vivência com seu neto! Leitura gostosa, que até me senti junto de vocês dando risadas das suas trapalhadas. Parabéns! Saudades!

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  15. Edineia Peres:Fico imaginando tudo o que conta quando fala do Dudu e o que vejo e sinto é o amor entre vcs,ser vó é isso brincar sem saber mas arranca gargalhadas desses rostinho curiosos,esse conto é lindo como outros tantos que já escreveu,parabéns e viva o Dudu

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  16. Fiquei encantada com este sentimento de gratidão que você está compartilhando conosco.

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  17. Muito lindo, Zarinha!
    E esse paizão, Francisco,que um dia,passou pelas minhas mãos !
    Saudades

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  18. Que delícia! Não sabia que você tinha ficado 90 dias lá. Passa muito depressa.
    Mas deu para sentir que você se deliciou com a companhia de todos e com a convivência com o Dudu.
    Eu fiquei imaginando as histórias que você nos contaria desta ciagem!
    Um grande abraço.

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  19. Que viagem maravilhosa! Lindas histórias, Rivelli e parabéns pelo neto/amigo Dudu!

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  20. Dra Rivellli, tudo lindo. Emocionante o envolvimento da vó com o netinho.. Devorei cada palavra.Que venha 2025 para novas aventuras. Bjs! Maria Cristina Leroy (kite) Esmeraldas.

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  21. Que lindo Zarinha! Fiquei emocionada, pois sei o quanto ama e se surpreende com seu Dudu. Momentos que vão permanecer nas mentes e nos corações de vocês para sempre!

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  22. Que coisa mais linda, ja me fez chorar de emoção logo pela manhã. Você disse que as vezes dava volta na casa por nao acreditar estar aqui, sabe quenas vezes quando abro os olhos, tenho a sensação que também não estou aqui. rs
    Bjo grande.

    Mãe da Amora rs

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    1. Sabrina, posso imaginar você ai como se fosse "logo ali" e, na verdade, há uma mundão de oceano e mares nos separando. abraços para você e Amora.

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  23. Amei,estou adorando as histórias dessa viagem❤️

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  24. Muito bonito e divertido!

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  25. Leitura que deixa a gente com gostinho de quero mais! Parabéns

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  26. Que vovó mais “modernosa” essa Rivelli! Uma referência afetiva maravilhosa na vida do afortunado Dudú!!…

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  27. Lindo tia! Imagino o quanto é lindo conhecer um país tão diferente do nosso. Foram muitas aventuras com o Dudu.

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