Pages

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Crônica: Meu Pai


"Aroeira de mato virgem não alisa" - João Guimarães Rosa


Meu pai

Resistente a ventos fortes, resiliente, saudável, elegante em sua presença marcante.

Assim foi meu pai: uma aroeira de sertão.

A sorte decidiu seu destino. Livrar -se do magistério na UFMG em BH ou a face da moeda, se Juiz de Fora ou Pirapora? Deu Pirapora!

Pra ser feliz basta ser bom, sua máxima, ao acolher refugiados do regime nazista em nossa pequena cidade.

O escritor francês George Bernanos com seu premiado filme "Sob o sol de Satã" (sobre a luta entre o bem e o mal).

Também o acadêmico alemão Hugo Vitor Hutter, meu primeiro professor de pintura, que nos impunha modelos de castelos e cenas da Alemanha.Até eu dizer basta e começar a pintar cenas bem brasileiras.

Na fazenda sempre o amor pela natureza. O canto da saracura, a orquestra dos sapos Martelo a coaxar como a batida de um tambor.

No pasto, os bois mansos com olhos de perdão recebiam nomes poéticos: Neblina, Diadorim, Tango, Cadeado e o garrote Figurão.

Éramos quatro filhas, suas Três Marias, estrelas da constelação de Órion, e a caçula, sua estrela Dalva.

Junto ao consultório de dentista, ele se trancava para revelar as radiografias num porãozinho escuro. Após seu toc toc eu então abria a portinha. Medo de faltar oxigênio e meu pai morrer... Era o único raio X da cidade, usado sem proteção.Teria isso silenciado sua voz sedutora de locutor da Rádio Mineira e os trechos de ópera que cantava lindamente?

Enérgico, você podava nossas asas, para mais tarde ampliar nossos vôos libertários.

Papai, como foi bom, e ainda é, ser sua filha.


Autoria: Maria Silvia Vargas Boaventura, minha colega da turma da Oficina de Escrita Criativa da OAP (Organizaçao dos Aposentados e Pensionistas  da UFMG) ministrada pelo poeta e escritor mineiro, Ronald Claver. Também não posso e não quero  deixar de dizer que tratá-se de uma  escritora muito sensível, artista plástica e por quem tenho grande admiração. 
A ela agradeço a gentileza de permitir que publicasse esse rico depoimento.

Palavras de Maria Silvia: "Sobre mim? Gosto de escrever, pintar e modelar a argila, tentando ser eu mesma. Sinto saudades do amor. Do Gerais de Pirapora para o asfalto de BH, aprendiz de outros ofícios."



            Desenho feito por Maria Silvia com pastel seco




                                                         

                                     Pais da Maria Silvia
 








                                                       Franz Marc (pintura)



                                                     Árvore aroeira




                                           Cartão Postal do Morro da Garça





Pinhas em cerâmica (trabalho de Maria Silvia)




                              


3 comentários:

  1. Que lindo! A artista teve uma base sólida, uma aroeira, por isso molda a argila, comanda os pincéis e cria...

    ResponderExcluir
  2. Obrigada,Leni.Que sensibilidade a sua!

    ResponderExcluir