domingo, 7 de dezembro de 2025

Poema: Cantiga para embalar D

                                                  



Vem cá minha filhinha

Deita aqui no meu colo

Se aconchegue nos meus braços



Não me lembro da cor dos olhos

Será que são verdes

como os meus?



E os teus cabelos?

são também como palha de milho?

Os meus ficaram assim

Sem comida boa, sem frutas e sem carnes,

Foi que meu cabelo envelheceu,

Acho que desbotou



Quer saber minha menina?

Fui uma criança feliz,

os anos de Barbacena foram que me enlouqueceram

Mas você e sua irmã nasceram para me dar alentos


Se te contaram que comi ratos

Pode acreditar

Foi preciso.

Foi para preencher o vazio em mim sem vocês



Vem cá minha filhinha

Deixa eu te beijar  mais uma vez



Agora, reze comigo este rosário.

Veja como ele é lindo. É cor de rosa

Sabe filhinha!

Esse terço, um dia, será seu.



Não chore

Já chorei todas as suas lágrimas



Vou te contar um segredo:

Seu pai, eu amei

Ele era um bom homem,

me ligou à vida

me deu duas vidas



Envelheci  dentro do hospício,

Então aprendi a bordar

Queria bordar seu nome por todos os lados

Bobagem a minha

Seu nome já estava bordado no meu coração



Meu coração já deixou de bater

Mas te garanto que ele bateu muito

Cada batida era de esperança

Queria tanto ouvir você

me chamar de mamãe.



Dorme filhinha! Dorme!



20/11/2025

Observação: Este poema foi escrito para Débora, a menina cuja mãe biológica, Sueli, viveu internada no Hospital Colônia de Barbacena. Uma não conheceu a outra, conforme nos relatou a jornalista Daniela Arbex no seu colossal livro "Holocausto Brasileiro"

Fotografia: flor aquática (Jardim Botânico, RJ. Dezembro de 2025)

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Crônica: "Holocausto Brasileiro" - CHPB - Um depoimento

                                      


Era o ano de 1978. Eu havia completado 21 anos. A escolha pela psiquiatria vinha desde sempre. Havia convivido com os loucos da minha pequenina cidade. Entre eles, muitos familiares próximos. Acho que a loucura me instigava. Meus olhos vagavam de um a outro, observando suas esquisitices e ouvindo suas palavras nuas e cruas. Tentava entender aquilo. Gostava de ouvir suas histórias.

Três crianças de uma mesma família viviam nas ruas, enlouquecidas. Jogadas fora? Eu pensava. Doía meu coração. Um dia jurei que iria estudar para ser médica e psiquiatra. Impossível jogar crianças fora, haveria um jeito de cuidar delas. Soube então que famílias de lá que acolheram as crianças. Deu casa, escola, carinho, respeito e trabalho aos adolescentes. A. C. uma menina então com sete anos, ganhou uma mãe. Não tinha mais piolhos na cabeça. Tinha vestidinho branco para ir à missa e uniforme para ir à escola.

Ainda secundarista, hoje no ensino médio, o livro “As ideias de Freud”, presente de uma prima, caiu em minhas mãos. Li o livro com avidez embora entendesse quase nada. Mas entendia e via o abandono das pessoas loucas pelas ruas. Nem sempre tinha medo dos enlouquecidos.

Um dia chegou um cadáver na casa da minha tia, perto da minha casa. Não sabia que minha tia tinha um irmão. No caixão um homem esquálido, com barba rala por fazer, poucas flores e uma história. Foi lutar na Itália, ganhou a guerra, ficou louco e foi internado em Barbacena. O hospital devolvia o corpo. Eu ainda não tinha dez anos. Outro louco, vizinho nosso, quando recebia alta em Barbacena, voltava para a casa do irmão. Ele passava várias horas durante o dia ou durante a noite, de pé, sem se mexer, como uma estátua, na praça principal de Lafaiete. Às vezes ficava agressivo e a polícia vinha pegá-lo de volta para o Hospital.

Comecei o curso de medicina da UFJF no ano de 1976 aos 18 anos. Aos 21 anos, cursando o quinto período, comecei a acompanhar psiquiatras de verdade na gigantesca Clínica Mantiqueira, num distrito de Barbacena, hoje cidade Correia de Almeida. Ali aprendi a receber os novos pacientes, a acolher os familiares e a “sedar pacientes agitados”. Ficava de plantão por 48 horas, durante todo um final de semana por mês. As anamneses bem feitas, a letra de professora, a facilidade no trato com trabalhadores e doentes e as cuidadosas prescrições foram os quesitos para que os donos da clínica me requisitassem para mais plantões. Ali conheci psiquiatra formado pela famosa escola de psiquiatria espanhola, conversei com doutores de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Mas foi com os pacientes com quem mais aprendi. Aprendi que eles queriam conversar, brincar, cantar e, sobretudo, debochar da minha crueza. Eu estava sempre entre eles.

Em finais de 1980, com as várias denúncias da Colônia de Barbacena que vinham ocorrendo nos jornais, a FHEMIG se viu obrigada a implantar reformas em todo o gigantesco hospital, incluindo estagiários de medicina em todos os dias da semana. Houve um processo seletivo. Fui aprovada. Então, em janeiro de 1981, cursando o último ano da faculdade, ainda com 23 anos, fui para o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena.

Sem carro e sem recursos financeiros eu andava de caronas ou mesmo a pé até a Assistência como era chamado o complexo dos pavilhões, da cozinha, da secretaria, da enfermaria, do necrotério, da capela e de uma casa onde nós, os acadêmicos de medicina, ficávamos. Uma campainha era usada para nos chamar caso houvesse alguma intercorrência. Não havia telefone. Não me lembro dos nomes de todos os pavilhões, mas alguns deles ainda vagueiam dentro da minha cabeça.

No pavilhão infantil era por demais doloroso entrar. Queria pegá-los todos no colo e cantar cantigas de ninar. Seus olhares pareciam ver nada. Ficavam nus, dentro de um único espaço. Alguns tentavam subir nas janelas altas e gradeadas para ver lá fora.

O Pavilhão Zoroastro Passos, talvez fosse um dos primeiros a ser reformado com a instalação de brinquedos de madeira e pneus. Eu, cá comigo, a observar os pacientes que se arrastavam no chão e não conseguiam subir nos brinquedos. Ali era o pavilhão dos aleijados.

O Pavilhão Crispim Jacques Bias Fortes era o mais distante da área central da Assistência. Ele ficava bem próximo do grande portão “dos fundos” que dava para a estrada entre Barbacena e a cidade de Barroso. Ali ficavam os “homens mais perigosos”. Alguns em celas de um metro por um. “Cuidado com aquele ali, não chegue perto dele que ele arranca seus olhos” era o aviso de uma auxiliar de enfermagem para um daqueles que ficavam nas celas. Ali estava um jovem nu, de pé, cabelos compridos, claros e desgrenhados. Lembrou-me um leão. Lembro que não gostava de ir ali.

A cozinha havia virado um SND (Serviço de Nutrição e Dietética)de última geração com mais de cinco mil refeições diárias.

Eu tinha medo do então gerente, Senhor Manoel. Porte militar, duro com os pacientes e funcionários. Havia muito falatório sobre o tanto que ele era mau. Eu tinha medo dele e não ficava na casinha durante a noite. Ia sempre para a enfermaria onde passava as noites conversando com as mulheres internas ou com as trabalhadoras.

Algumas vezes éramos chamados na Colônia, distante três quilômetros do complexo central, a Assistência. Sem ambulância, sem carro, descia a pé pedindo carona. Lá embaixo conseguia ser ainda mais tenebrosos que lá em cima. Ali centenas de mulheres gritavam, outras tantas deambulavam nuas pelos pátios e outras tantas ajudavam na rotina dos pavilhões. Foi ali que conheci Sueli e Flor de Liz. A primeira, loura, muito jovem, esbravejava pelo lado de dentro do pavilhão gradeado. Sueli me chamava atenção pela gravidade de sua voz, pelos gritos de justiça e destilava ódio contra o Sô Manoel. Flor de Liz era morena, mais velha e era uma artista cujas performances sempre exigiam que andasse muito bem vestida e maquiada. Foi nela que vi, pela primeira vez, emendar as unhas com esparadrapo. Ela se recusava a cortá-las.

Ainda hoje sinto o perfume das flores de maio que floresciam às margens da estrada de ferro que cortava a imensa área do CHPB. Lembro da pequena ponte sobre a mesma.

Já escrevi algumas crônicas sobre Barbacena.

Lembro que uma colega não suportou aquilo e, tão logo entrou, pediu para sair.

Depois de cinco décadas, tenho me interrogado sobre o porquê eu ter apagado tantas lembranças daqueles anos de Barbacena, seja dentro da Clínica Mantiqueira ou dentro do CHPB.

Não tenho respostas. Talvez, o instinto de sobrevivência sobrepujasse o que vivia lá.


27/11/2025 

P.S. Lembrei-me no depois da crônica escrita e lida que, logo após a residência médica em psiquiatria, fui convidada pela direção da FHEMIG a participar do gigantesco projeto de desospitalização dos pacientes do CHPB. Um grupo interdisciplinar de profissionais da FHEMIG ia, alguns dias em cada mês, para fazer um amplo trabalho na tentativa  de desinstitucionalizar aqueles pacientes que, por ventura, pudessem sair dalí. 


Observações: 
- A foto inicial é a capa do livro "Holocausto Brasileiro" da jornalista Daniela Arbex, lido e trabalhado pelo grupo da Tertúlia Literária de Betim.

- Esta crônica foi lida por mim durante a apresentação do livro Holocausto Brasileiro no encerramento das nossas atividades na Tertúlia de Literatura de Betim, (M.G.) nesta noite de 27/11/2025.

- Por favor, deixe seu nome no final do comentário caso queira fazê-lo.

- Fotos gentilmente cedidas pelos participantes da Tertúlia Literária de Betim cujo encontro aconteceu na noite de ontem, dia 27 de novembro, na Casa da Cultura, em Btim, Minas Gerais. 

























sábado, 22 de novembro de 2025

Crônica: Cheiro de quitandas no ar

                                        




O meio do feirado prolongado e a falta de uma rotina neste tempo da minha vida têm me deixado por muitas ocasiões mais desorientada do que, normalmente o sou. Nesta manhã não foi diferente. Decidida a não ir à academia que de certa forma me localiza no tempo e no espaço, não abri os olhos ao barulhinho deste instrumento chamado celular. Apenas estiquei o braço e risquei o dedo a manda-lo calar a bocarra.

Mas eis que o ar me trouxe o nostálgico, delicioso e inconfundível aroma dos galhos verdes do alecrim varrendo as brasas do forno de barro da casa do meu vizinho. Obá! Elas estão fazendo quitandas! Falei comigo. Levantei e fui caminhar ao longo do muro que separa nossos quintais. Queria sentir mais de perto o aroma da minha infância.

Pois bem, como não fui lá desde o início da semana para um convite ao meu vizinho, deixei de lado a vergonha que não tenho, e fui até lá. Ao chegar ali deparei com a cena que, às vezes, se apresenta. Carecia de mil fotos para mostrar o que vi ali. Senhor Joel era só felicidade e sorrisos. Na jeitosa área do fogão a lenha estavam três das cinco filhas, Adriana, Rosa e Elizângela, duas netas, duas bisnetas, a irmã mais nova, e Linda, a vizinha quitandeira de mão cheia. Era lindo de se ver. Chamei meu vizinho à parte e lhe fiz o convite. Venha almoçar conosco amanhã! A resposta foi um sim recheado de alegria. Aos noventa e seis anos, meu vizinho é um homem descomplicado. Gosta de dançar e sempre se gaba que “elas brigam e fazem fila pra dançar comigo”. Desce e sobe o nosso morrão a pé todos os dias; o que, na minha opinião, é o que tem lhe dado disposição, saúde no coração e nas pernas.

E os biscoitos! Pois fui convidada a tomar um cafezinho e comer um biscoito. Eles estão lá em cima da mesa. Uma das filhas, Adriana, minha amiga, me conduziu até a mesa. Lá estavam eles cobrindo toda a extensão de uma enorme mesa. Biscoitopolvilho, como nós mineiros falamos. Sem o “s” do plural e sem a preposição “de”. Nós emendamos as duas palavras numa só. Pois ainda ganhei dois enormes biscoitopolvilho para minhas filhas.

Numa outra mesa, próximo ao forno cheirando a alecrim queimado, várias folhas de bananeira picadas em quadrados do mesmo tamanho. Estas receberiam a massa de mais biscoitos e de outras tantas quitandas como o famoso biscoito do Padre, este feito com farinha de trigo como me explicou minha querida Suely, outra das irmãs. Para mim, a quitanda mais gostosa é a rosca doce que, agora, não posso mais saborear devido aos altos índices de glicose no meu sangue.

Os trabalhos daquelas mulheres me fizeram lembrar as fantásticas formigas operárias onde cada uma sabe sua função e a exerce com perícia. Mas aqui elas riem, falam sem parar, contam casos e botam as mãos na massa.

Meninas, obrigada pelos biscoitopolvilho, pelo cafezinho fora de hora e pela alegria contagiante de todas vocês.

Obrigada Senhor Joel!

Sexta-feira, 21 de novembro de 2025.






Fotografias: arquivo pessoal

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Poema: Um amor no tardar da vida

 



No seu olhar,

enigma a ser decifrado.

Com sorriso contido faz o convite



No escuro da noite,

arrisco

Temo o preço



Você, leão a rugir, se esbalda

Eu, gata escaldada, decifro-me

Você finge de morto



No inverno de nossas vidas

Eu recuo

Você dá risadas



20/11/2025

 

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Crônica: Destemperança

                                


Aprendi por circuntâncias de avó, já no avançar das minhas primaveras, sobre o termo inglês “jet leg” que, apesar do nosso rico português, não há uma tradução literal. Nem por isto ele deixa de existir e nos incomodar. Foi esta tal de “jet leg” que aconteceu comigo nesta última semana.

Nossa viagem havia sido programada há cerca de três meses. Após convidar minhas duas irmãs, também Marias, decidimos ir para o interior de São Paulo, na bela e histórica cidade de Itapetininga. Ali residem meu irmão e sua crescente família, de quem tanto gostamos. Passagens compradas, conversas pelo telefone, horários de saída de Belo Horizonte e Betim e de chegada em Sorocaba, lá fomos nós.

Tenho que contar que, no início deste ano, havia proposto a mim que, enquanto ainda com saúde, iria ver meus irmãos pelo menos uma vez ao ano, preferencialmente nos aniversários de cada um.

Dois irmãos nasceram em novembro com um ano de diferença entre eles. Luiz Paulo nasceu dia 2, mora em Lafaiete, onde estou sempre indo. Zé Eugênio nasceu dia 7, mora em Itapetininga e, atleticano feito ele só, aproveita suas rareadas vindas por Minas Gerais para ir à Arena MRV cuja construção acompanhou passo a passo. Passando por aqui fica sempre comigo por um ou dois dias. E eu amo recebe-los em minha casa.

Voltemos à nossa viagem. Nós, as três Marias, optamos pela viagem de “Cometa” porque gostamos das estradas sobre a terra. Nada de sairmos voando pelos ares. Com pequenos intervalos de sono e um frio gelado nas minhas orelhas, chegamos no horário marcado, sem antes os cafezinhos com leite nas paradas.

Zé Eugênio já estava lá, de pé, a nos esperar. As três meninas Marias. E a festa começou ali. Sorrisos e abraços e conversas até a sua cidade.

Por lá ficamos cinco dias, com muitos encontros, com muitas caminhadas em grandes regiões planas e conhecendo os novos membros da família, seus dois netinhos e sua duas netinhas gêmeas. Quatro crianças simpáticas e lindas. Não faltou o jogo de cartas. Jogamos buraco por todo este ano e pelo próximo também.

Os “Parabéns pra você” para meu irmão foi um encontro familiar feito com muito tempero e muito bom gosto pela minha cunhada, uma exímia farmacêutica cozinheira.

Promessa cumprida, hora de voltar.

É aqui que teria começado a tal da “jet leg”. Minhas pernas não encontravam posições confortáveis. Nenhum sono. Voltei trêbada (três vezes bêbada). Chegando próximo a Itaguara a BR Fernão Dias, sentido BH, estava fechada. Foram cinquenta minutos aguardando ser liberada. Eu ali, trançando minhas pernas de um lado para outro e de baixo para cima.

Minha filha me esperava em Betim. Chegamos em casa às sete horas da manhã. Um banho, um café forte com pão e queijo (jamais pode faltar) e “cama que te quero bem”. Acordei completamente destemperada. Onde estou? Quem sou eu? Pra onde vou? Só hoje meus juízos estão retornando, se é que ainda sobraram alguns. Acho que ficaram todos pelos caminhos.

Então “jet leg” é esta descompensação horária ou esta fadiga de viagem. A sensação é que nosso corpo se desencontrou da nossa alma. Um fica vagando sem a outra.

Só enquanto escrevo é que, parece-me, meu corpo e minha alma estão se reencontrando.

Que assim seja.

E um girassol despontou ao acaso no meu jardim.

Funil, 14/11/2025

(Hoje meu neto faz dez anos do outro lado do planeta, em Nova Zelândia, e eu aqui de novo trêbada de saudades)


sábado, 1 de novembro de 2025

Massacre na Penha

                                                



Eu não estava lá

Nem conheço o Rio de Janeiro

Mas vi corpos estendidos no chão

Vi mães chorando sobre seus filhos

Vi homens do poder exaltando a "operação"

Mas eu não estava lá


Vi corpo sem cabeça e

Cabeça sem corpo

Vi tantos outros cadáveres amputados

Vi cobertores e colchas

enrolando filhos, sobrinhos, amigos

Mas eu não estava lá


Vi desesperos,

Vi mulheres enfrentando soldados

Quanta inveja dessas guerreiras!

Vi a angústia da menina médica procurando por sobreviventes

Vi tanta coisa

“O fogo quebrou a Penha” está na bíblia


Eu nem estava lá

Mas eu chorei


31/10/2025

domingo, 26 de outubro de 2025

Poesia - com-paixão

                                                           


Com-paixão

De onde veio o olhar

a me procurar?

Que olhar aquele

a me encontrar?

Veio de longe

Veio suave

Veio só


Me desnudou

Me acolheu


De longe me carregou no colo

Me afagou os cabelos

Me beijou a boca

Me deixou no chão




(Funil, 26/10/2025)

Quadro: Moça na janela - Salvador Dali. 1925

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Poema: Sentimentos encantados.

 


Sentimentos  Encantados

 

Lá estavam eles

Foi no primeiro dia de maio

Muitos abraços

Sorrisos demais

À tarde dançamos com o vento

Que soprou segredos de então


No segundo dia vadiei pela cidade

Foi preciso um tempo só meu

Estava deveras atordoada por tantos


No terceiro dia fui  la belle notre dame de Paris

No depois voltei pra mim


Hoje: meu Deus! 

É  ele.

Um vulcão despertou

em mim

Trazendo saudades dos olhares dantes,

sonhos que ali ficaram retidos

 

Que venha!

Sou menina outra vez

 

Para Márcia Soares (Nossa Cigana Esmeralda - Médica Antroposófica - RJ)

22/10/2025


                                                   Flores de cerejeira e mirra


Fotografias: enviadas pela cigana Esmeralda do seu canto em Itaipava (RJ) com por do sol de sua janela da sala de jantar.


quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Crônica: Antes da chuva

                                                        


Era um domingo como tantos outros em que as famílias se reúnem para o almoço feito com carinho e muito sabor. Como tantas vezes acontece, alguém colocou fogo para aplacar a “sujeira” de folhas e galhos secos. O calor intenso do final de semana e os inclementes raios solares foram os combustíveis perfeitos para que o pequeno e improvável fogo se espalhasse pela mata próxima.

À noite já podíamos sentir os olhos ressecados e o ar com cheiro de fumaça. Vizinhos alertando para o fogo esparramando e já solicitando presença do corpo de bombeiros que, com a alta demanda por toda a região metropolitana, não respondeu aos vários pedidos de socorro.

Na segunda-feira o fogo pulava como criança, ia de um lugar a outro com a mesma agilidade e esperteza infantis. Vizinhos alarmados davam notícias, pediam ajuda para impedir a chegada do fogo até as casas. Nesta hora a ajuda de todos foi imprescindível. A união dos moradores foi abençoada.

Os poderes públicos, com a prefeita, com nossa vereadora, com a Defesa civil e o corpo de bombeiros, iam e vinham, literalmente, apagando fogo aqui e acolá. Meus olhos só viam. Mas meu coração, desesperado, emudecia. Lia e ouvia as mensagens do grupo de whatsApp que nunca fora de tanta utilidade. Queria estar junto. Reconheço minha inércia. Paralisei-me. Confesso que senti inveja de todos que lutaram contra o fogo.

E o fogo comia tudo com avidez, ele estava deveras, esfomeado. Pássaros voavam desnorteados. Tucanos vieram beber água na minha bacia. O vento da noite de segunda-feira espalhou ainda mais as línguas flamejantes. Dormir, nem pensar. O canto do fogo, como se tagarelasse, estalava nos nossos ouvidos. Toalhas no chão encharcadas de água para apaziguar a rarefação do ar.

Na terça-feira o fogo comedor chegou à serra que divide nossa Mário Campos com Brumadinho. Então chegaram as ajudas especializadas. Helicópteros e um avião amarelo faziam seus trabalhos. Mapeavam, apagavam, voavam para lá e pra cá. O fogo implacável teimava em resistir.

Num determinado momento uma moradora nos falava aflita que uma árvore bem próxima à sua casa, havia pegado fogo sem mais nem menos, "como se estivesse caindo fogo do céu".

Não tenho dúvidas do tanto que aprendemos com esta tragédia. Fogo mata. Folhas e galhos secos viram estercos se misturados a terra. Lembro, mais uma vez, do nosso filósofo e ambientalista, Airton Krenak, quando diz que fazemos parte da natureza, somos da natureza como a flora, pois somos do reino animal. Se matarmos a natureza, estamos fadados a exterminar com nossa espécie. Ou seja, deixaremos de existir.

Finalizando, proponho à prefeita municipal, Andresa Rodrigues, à câmara municipal, aqui representada pela vereadora Sammantta Bleme, e aos vários líderes da nossa região, a implantação de um grande projeto de reflorestamento em parceria com institutos e universidades federais, com as escolas do município e com a comunidade em geral.

Que tal transformamos a trágica experiência do fogo num belo projeto? Que tal o pequeno município de Mário Campos tornar-se exemplo para Minas e para o Brasil no reflorestamento de áreas desvastadas pelo fogo?

E a chuva chegou na quarta-feira.
“Abensonhada” chuva (*).



(manhã de quinta-feira, dia 09/10/2025

Observação: crônica publicada originalmente na Página "Salve o Funil" no meu perfil do facebook.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Poesia: Menininha de Brás Pires

                                             

Nasceu Roszarinha

Em Brás Pires, no meio da serra

Casa feita de barro, com cheiro de mato

Um lugar cheio de esperança e afeto


Cresceu numa cidadezinha

vendo sua mãe na cozinha

ouvindo o sino da igreja tocar

e seu padre Zizinho a cantarolar


Menina curiosa, autônoma, preciosa

entre a dor, o cheiro e a flor

Aprende que a vida se faz com amor



Biografia:

Maria do Rosário Nogueira Rivelli nasceu em Brás Pires em julho de 1957, na cidade de Brás Pires, M.G. Aos seis anos mudou com a família para a cidade de Comselheiro Lafaiete, de onde guarda muitas lembranças de sua infância. Formou-se em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora -UFJF em 1981 e fez residênsia em psiquiatria no Instituto Raul Soares -FHEMIG, na capital, Belo Horizonte. Transferiu-se para Betim em 1987 onde criou seus tres filhos e, desde então, tem se dedicado à saúde mental pública e ao seu consultório. Depois de trinta anos morando em Betim retornou-se para Conselheiro Lafaiete em busca de ares familiares. Atualmente vem se dedicando ao seu blog Contos de Rivelli e às Oficinas de Escrita em Belo Horizonte, ao incessante estudo da psicanálise e a receber seu neto, Dudu, para os almoços de domingo.

Autora: Maria Eduarda ( 15 anos)

Observação: Maria Eduarda escreveu a poesia como trabalho escolar. Havia ido, com sua avó, minha prima, no lançamento do meu último livro "Em nome da mãe" - inadequado para sua idade. Na ocasião lhe presenteei com meu primeiro livro "Rosa nos tempos". A avó me relatou que ela leu o livro para um trabalho da escola, escreveu a poesia e minha biografia. 
Muito obrigada Maria Eduarda. Adorei. Sucessos sempre.


                                            Floração dos nossos ipês



                                                                         Cicas
         


                                                         Flores do limoeiro

Fotografias: gentilmente cedidas por Eliane Cândido, fotos do seu jardim defronte  sua casa.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Um relato - Pelas ruas de Mário Campos, M.G.

                                    

Ontem comentei em uma postagem de um amigo gaúcho sobre a importância da educação na formação da consciência crítica do nosso povo.

Hoje, com uma lista de afazeres domésticos e pessoais, parei numa esquina para abraçar uma amiga. Eu tinha acabado de deixar uma sacola com sapatos, um tênis infantil e algumas peças de roupas para o varal solidário. Deixei a sacola sobre uma mesa improvisada.

Percebi quando um casal, que estava conversando por ali, caminhou em direção ao varal.
Reviraram o conteúdo.

Ele encontrou uma colcha colorida e saiu com ela debaixo do braço.

Ela encontrou um livro que eu havia esquecido lá dentro. Pegou o livro, sentou-se na beirada do meio fio e começou a ler ali mesmo.

Ganhei meu dia. Da próxima vez deixarei sacolas com livros.

25/09/2025


domingo, 21 de setembro de 2025

Crônica - Desabafo 2 - PEC da Bandidagem - Sem anistia

                           



Nada justifica minha não ida à belíssima Praça Raul Soares, em Belo Horizonte, senão um constante boicote meu. Desde as aprovações, nas surdinas noturnas, da Câmara Federal da PEC das Blindagens/ bandidagem e da Anistia, tenho estado à flor da pele. Inimaginável o que os representantes do povo brasileiro fizeram para continuar legislando em causa própria. Defendendo o indefensável.

Numa noite nossos representantes, deputados federais, “o pior congresso federal de todos os tempos” aprovaram projetos de emendas constitucionais (PEC) que os eximem de quaisquer crimes e, noutra noite, aprovaram projetos de anistia.

Nos Estados Unidos, um destes “nossos representantes federais”, nosso Silvério dos Reis atual, trabalha diuturnamente contra o Brasil, trazendo enormes problemas nas relações diplomáticas e econômicas. Ele mente, cria “fake news”, faz terríveis ameaças e chora ao vivo, lágrimas de crocodilo.

Ontem chegou meu presente, uma camisa do Braspirense , time de futebol da minha querida terrinha natal, Brás Pires. Nas cores do Brasil, com a letra B bordada em negrito e, nas costas, meu sobrenome, RIVELLI com o número 13 abaixo. Seria com esta camisa que estaria entre os vários amigos, na contagiante alegria compartilhada, com chapéu de palha, bebendo muita água sobre o escaldante sol da capital mineira e cheia de emoções.

Pulei cedo da cama. Ainda muito indecisa à mesa do meu café da manhã. Nada justificaria eu não estar lá. Mesmo a distância que percorreria, sozinha no meu carro, até lá. Agora, assistindo a alegria da concentração em Salvador, digo a mim que não me perdoarei.

“Com fascista não se discute”, escuto um dos jornalistas dizer.

Da diretora de Faculdade de Medicina da Bahia, escuto “o basta formar médicos, é preciso muito mais do que só formar médicos” e regozijo-me com a certeza de ter sido uma profissional médica “muito mais do que só isto”.

“Eles destruíram a sede dos três poderes, vamos anistiar? Vejamos o que Trump está fazendo nos Estados Unidos cerceando os trabalhos jornalísticos", escuto do excelente cidadão José Dirceu.

Sob o pretexto da distância até a capital, sob o pretexto de ter que cuidar do meu quintal com novas mudas de embaúbas, pau-mulato e mais uma tamareira, além do meu jardim que a seca tem deixado abalado, não fui lá. Agora, fico aqui à frente da tela de meu notebook, assistindo às entrevistas de várias pessoas por todo país.

“Nós estamos vivendo momento de virada...” afirma de forma feliz a nossa grande Hidelgard Angel.

Nem a minha lesão grave lesão de pele seria um impedimento para eu estar no meio da multidão, bastaria muito filtro solar, blusas especiais e o meu novo e elegante chapéu de palha. Mas não fui lá. 

Uma amiga envia fotos dela com a familia na manisfestação e com filha grávida, no lindo barrigão de fora se lê "Palestina livre". Outra amiga avisa que está a caminho de lá com os amigos visitantes paraenses. 

Agora haja arrependimento. Em função do meu arrependimento, da minha “boa inveja” do povo na praça, decidi que não farei almoço. Estou demais emocionada para estar com a barriga ora grudada na pia, ora grudada no fogão, vou comer só pão.  Só quero curtir este dia histórico. Dia da árvore. Hoje estamos plantando árvores por todo o Brasil, árvores, fantásticas árvores que nos darão deliciosos frutos.

Manhã do dia 21 de setembro de 2025


 
Fotografias: feitas ainda agorinha por minhas filhas.


Observação: favor colocarem o nome no final do comentário caso queriam fazê-lo. Obrigada