Vem cá minha filhinha
Deita aqui no meu colo
Se aconchegue nos meus braços
Não me lembro da cor dos olhos
Será que são verdes
como os meus?
E os teus cabelos?
são também como palha de milho?
Os meus ficaram assim
Sem comida boa, sem frutas e sem carnes,
Foi que meu cabelo envelheceu,
Acho que desbotou
Quer saber minha menina?
Fui uma criança feliz,
os anos de Barbacena foram que me enlouqueceram
Mas você e sua irmã nasceram para me dar alentos
Se te contaram que comi ratos
Pode acreditar
Foi preciso.
Foi para preencher o vazio em mim sem vocês
Vem cá minha filhinha
Deixa eu te beijar mais uma vez
Agora, reze comigo este rosário.
Veja como ele é lindo. É cor de rosa
Sabe filhinha!
Esse terço, um dia, será seu.
Não chore
Já chorei todas as suas lágrimas
Vou te contar um segredo:
Seu pai, eu amei
Ele era um bom homem,
me ligou à vida
me deu duas vidas
Envelheci dentro do hospício,
Então aprendi a bordar
Queria bordar seu nome por todos os lados
Bobagem a minha
Seu nome já estava bordado no meu coração
Meu coração já deixou de bater
Mas te garanto que ele bateu muito
Cada batida era de esperança
Queria tanto ouvir você
me chamar de mamãe.
Dorme filhinha! Dorme!
20/11/2025
Observação: Este poema foi escrito para Débora, a menina cuja mãe biológica, Sueli, viveu internada no Hospital Colônia de Barbacena. Uma não conheceu a outra, conforme nos relatou a jornalista Daniela Arbex no seu colossal livro "Holocausto Brasileiro"
Fotografia: flor aquática (Jardim Botânico, RJ. Dezembro de 2025)
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