domingo, 7 de dezembro de 2025

Poema: Cantiga para embalar D

                                                  



Vem cá minha filhinha

Deita aqui no meu colo

Se aconchegue nos meus braços



Não me lembro da cor dos olhos

Será que são verdes

como os meus?



E os teus cabelos?

são também como palha de milho?

Os meus ficaram assim

Sem comida boa, sem frutas e sem carnes,

Foi que meu cabelo envelheceu,

Acho que desbotou



Quer saber minha menina?

Fui uma criança feliz,

os anos de Barbacena foram que me enlouqueceram

Mas você e sua irmã nasceram para me dar alentos


Se te contaram que comi ratos

Pode acreditar

Foi preciso.

Foi para preencher o vazio em mim sem vocês



Vem cá minha filhinha

Deixa eu te beijar  mais uma vez



Agora, reze comigo este rosário.

Veja como ele é lindo. É cor de rosa

Sabe filhinha!

Esse terço, um dia, será seu.



Não chore

Já chorei todas as suas lágrimas



Vou te contar um segredo:

Seu pai, eu amei

Ele era um bom homem,

me ligou à vida

me deu duas vidas



Envelheci  dentro do hospício,

Então aprendi a bordar

Queria bordar seu nome por todos os lados

Bobagem a minha

Seu nome já estava bordado no meu coração



Meu coração já deixou de bater

Mas te garanto que ele bateu muito

Cada batida era de esperança

Queria tanto ouvir você

me chamar de mamãe.



Dorme filhinha! Dorme!



20/11/2025

Observação: Este poema foi escrito para Débora, a menina cuja mãe biológica, Sueli, viveu internada no Hospital Colônia de Barbacena. Uma não conheceu a outra, conforme nos relatou a jornalista Daniela Arbex no seu colossal livro "Holocausto Brasileiro"

Fotografia: flor aquática (Jardim Botânico, RJ. Dezembro de 2025)

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