quarta-feira, 7 de maio de 2025

Andradas - UFJF - 81

                                     


“Se todo animal inspira ternura, o que houve então com os homens?” (JGR)

Nosso encontro estava chegando. Um roteiro já havia sido feito. Feito com cuidado, com carinho e, certamente, com muitas preocupações. 

Anfitriões, não se preocupem; agradar a todos não é possível. Sessentões, a caminho ligeiro para os setenta, não deveríamos mais queixar das escolhas, dos sabores, dos trajetos e das acolhidas. Agora é hora dos abraços, das palavras, das lágrimas, dos causos, das histórias e, quem sabe, até dos amores. Afirmo que aqui não há lugar para a desalmada Inteligência Artificial. Seremos tão só colegas de um tempo em que não houvera tempo para encontros assim.

Para nosso encontro, não queria parecer a velha em que me tornei. Queria estar linda. Recorri a vendedoras de Avon e Natura, Mary Key nem pensar, não me apetece; depois contarei o porquê.

Gostaria de esticar a pele do meu rosto, redefinir a linha que separa a pele dos meus lábios, colocar meus cabelos do jeito que tanto gosto. Quem sabe um baton milagroso resolveria esta situação?

Mas o meu valor está estampado sobre meus lábios, esse inexorável código de barras que só podia ser invenção de um estadunidense desalmado. E, por incrível que pareça, esta invenção se deu ainda antes de eu nascer. Sou deveras preconceituosa com aqueles estados nada unidos, inda mais agora com o cruel tarifaço do Donald “Laranjeira”.

Mas confesso que comprei roupas novas. Uns vestidos. Enfrentei fila, sol de mormaço e sede numa feira de bota-fora duma famosa marca de jeans na terrível e maltratada Ibirité. E, por falar em Ibirité, sempre me perdi tentando cortar caminho para minha casa, saindo do anel rodoviário, passando pelas periferias de Tirol, Barreiro, via do Minério de não sei aonde e chegando a Ibirité.

- “Dona, a senhora está perdida. Vai por aí não! É uma favela; não tem como voltar”.

Mas queria mesmo é estar bonita comigo. Vou me arranjando do jeito que deus quer. Minha filha prometeu fazer os “looks”, ela, que entende de moda fashion, até me ensinou um truque para as viajantes, a tal regra 4 – 3 – 2 - -1.

Eu, lá na minha casa, agora ando entendendo só de galinhas. Galinhas carijós, galinhas Isa brown, galinhas Embrapa, galinhas botadeiras e de galinhas caipiras que nem eu. Quando minha nora, uma poderosa arquiteta e designer, me orientou pra deixar meu terreno bem rústico, do feitio próprio dele, sem muita modernidade, tracei uma linha divisória construindo uma estradinha de pedras. Acho que acabei ficando do lado das galinhas. Só batendo asas.

Pois bem, termino essa confissão afirmando que minha “boniteza” tem 67 anos e se apresenta por belos traçados na minha face e no meu corpo.

Amo vocês.

Muito obrigada.


     




domingo, 27 de abril de 2025

Crônica: Elas e eu.

                                     



Elas nunca me chamaram atenção. Talvez porque não tivesse tempo para percebê-las ou, quem sabe,  vivia num mundo paralelo onde elas não existiam. Entretanto em minhas muitas lembranças elas povoam de forma abundante.

Não sei quando comecei a ter um olhar diferenciado para elas. Ou será que foram elas a me dar atenção assim como  roupas e calçados? Não sou eu a escolher o que comprar. São elas, as roupas, ou eles, os calçados, a me comprarem.

Agora isso tem mudado. 

Ou mudei eu?

Um dia, convidada por uma vizinha amiga, fomos a uma flora. Enquanto ela escolhia suas orquídeas, caminhei entre os canteiros das variadas qualidades de flores. De repente fui atraída por um perfume jamais sentido.

- Moço, de onde vem esse perfume por aqui? Perguntei

Voltei para casa com um enorme vaso de pequeninas flores em tons rosa e lilás. Camará. Agora, quando abro minha janela pela manhã, meus olhos são convocados a olharem as florezinhas espalhadas no canteiro bem perto de mim.

Depois vieram as “da moda”. As melindrosas  que não gostam de vento, não gostam de mudar de lugar, não gostam de sol, mas que florescem magnificamente. As orquídeas.

Hoje dei uma topada com brincos-de-princesa no jardim da casa daquela minha vizinha. Lembrei que me presenteei com um vaso delas para dependurar na minha casa quando fiz quarenta anos. Penso que depois disso adormeci para as cores e os perfumes delas. Foi um tempo para eu hibernar e acordar nova de novo.

Hoje observei algumas borboletas voando no meu quintal. Observei também que os beija-flores sumiram daqui desde que foi preciso fazer a poda dos hibiscos ao longo da cerca. Para substituí-los fui orientada a plantar camarões que também atraem beija-flores. Mas eles não voltaram. Por onde andarão?

Há cerca de dois meses recebi as visitas de meu filho, meu neto e minha nora, uma elegante e sofisticada mulher. Resolvi florir minha casa, recém-construída com todo seu apoio nos detalhes finais, trazendo beleza, praticidade e rusticidade, tudo do jeito que eu queria. Então fui até a flora onde um vaso, logo na entrada, convocou meu olhar.

-Moço, que flor é essa? Perguntei

O vaso de pequeninas flores lilases foi, também, colocado na entrada da minha casa me fazendo lembrar da Dani a todo instante. Amestista é o nome delas.

Vivo numa região cujos moradores originários amam as flores. Nas minhas caminhadas morro acima e morro abaixo me distraio fotografando os inúmeros coloridos das flores espalhadas pelas cercas, pelos jardins, pelos caminhos afora.

Acho que, agora, me dei olhos para contemplá-las.

Funil, Mário Campos, 27/04/2025





camarás






                     


camarões


               
                             Rosa do deserto