A desculpa para irmos à minha querida Brás Pires foi a XXIII Festa da Batata no último final de semana deste mês. Com direito a shows, comidas gostosas, artesanatos locais, cafés na padaria pelas madrugadas, encontros políticos etc. Mas minha ida até aquela cidadezinha da Zona da Mata Mineira tinha outros motivos. Ver e conversar com as pessoas que falam a língua da minha infância. Abraçar minhas queridas tias tão velhinhas e cheias de histórias. Viajar pelas estranhas das minhas lembranças. E lá fui eu com toda essa vontade.
Não acreditei quando minha cunhada paulista chegou na casa de minha outra cunhada me intimando para a caminhada combinada na noite anterior. O percurso já havia sido definido, uma légua, que meu irmão insistiu que seriam apenas cinco quilômetros. Eu não havia me preparado para tal, mesmo assim aceitei de pronto o convite e fui do jeito que me fora possível. Meu coração, desde o primeiro momento já descompassara no peito. Eu haveria de fazer aquele trajeto tantas vezes feitos na minha infância e adolescência. E lá fomos nós três pelas estradas empoeiradas margeando nosso saudoso Rio Xopotó.
Logo nos primeiros passos nos cumprimentou uma mulher, provavelmente moradora da região, que dirigiu-se a mim perguntando qual das Marias era eu, referindo-se às três filhas de meus pais, tão conhecidos por lá. Reconhecimentos feitos, sorrisos largos e continuamos nosso rumo. Alguns carros passavam por nós em velocidade baixa para evitar o levantar das poeiras. Outros esqueciam desse respeito. Entretanto a poeira da estrada fazia parte de tudo.
Chegamos no trecho do belíssimo e enorme Pau D'alho. Logo ali onde, na margem esquerda, o barranco minava muita água que descia procurando encontrar o rio. e era naquela bica improvisada que diariamente nosso personagem mais ilustre, Chico Adriano, colhia sua água, engarrafava e a benzia. Voltava para a cidade com seu precioso líquido a rezar e benzer quem assim o desejasse.
E o Rio continuava calmo e nos beijando na margem direita, descendo em sua mansidão da época das secas.
Mais um pouco e chegamos na entrada da casa do grande amigo de nosso pai, Sr João Monteiro, falecido recentemente. Soubemos que Donana estava ali, havia voltado para seu lugar. Ali, certamente teria a eterna companhia de seu marido.
Lembramos que naquele trecho havia muita água descendo pelos barrancos e formando maravilhosos riachos no meio do caminho. Acho que apesar de só termos andado um quilometro de chão, já havíamos passado por dezenas de lembranças.
Logo mais a frente ficava a gigantesca Fazenda dos Vilela, que embora já demolida, mantinha-se intacta dentro de nós. Nos fundos dela tinham várias jabuticabeiras a escurecer todo um lado do terreno. Hoje casas novas em seu lugar. Sempre pensava nos escravos que viveram naquela região e sua histórias de amores.
Meu joelho direito começou a doer. Esquecei dele e continuei as andanças.
Alda Lúcia, minha bela e companheira cunhada, estava a caráter com suas roupas e mochila. Meu irmão, bonitão e também com dores articulares, era só risos de saudades.
Chegamos á casa do ex-prefeito e também amigo de meu pai, Sr Raimundo Vidal, pai de várias amigas e de um amor oculto. Ali, para mim era a metade do caminho onde eu sempre parava para o café com quitandas de Dona Jojove. Será que ela estava lá? Tive vergonha e não parei. Criança não tem vergonha. Bobeira minha. Eu seria recebida com o mesmo carinho.
E chegamos na entrada da Mata do Porto. Barrancos na esquerda e despenhadeiros na direita. O Rio lá embaixo a nos acompanhar , em sentido contrário. Ele desce para atravessar a cidade. Contamos histórias de macacos e jaguatiricas que povoavam aquela região. As árvores eram tão altas e a mata tão densa que se encontravam no alto. Deixavam a estrada escura e não permitiam a entrada dos raios solares.
Alda Lúcia nem se medrou com nossas lembranças. Só perguntava se tinha outros morros porque Zé Eugênio jurara que toda a estrada era plana. E ela acreditou no seu marido. Paramos para ver a reconstrução da pinguela mas não tivemos coragem de atravessa-la pois o guarda-corpo era muito baixo e poderíamos perder o controle no balanço da travessia. Apenas fotografamos como se realmente a tivéssemos atravessado.
Mais um morro ensolarado. Aproxima um carro e nos oferece carona. Meu sobrinho e colega de profissão, Ramiro, e sua também bela esposa Graziela. Não aceitamos a carona. Eles desceram e se juntaram a nós para mais fotos e casos pitorescos daquele lugar.
Agora faltava a parte mais difícil: morros que iam deixando meu Rio lá embaixo a me olhar com suas curvas.
Após o último morro veríamos a várzea com a Fazenda São José do Porto lá nos fundos onde a planície se encosta na mata densa de novo. Mata Atlântica, cheia de belezas e mistérios. À noite os bichos faziam a festa e, na madrugada, os pássaros cantavam seus cantos de dor e alegria. E muitos sons eram escutados vindos daquelas bandas.
Então chegamos no nosso destino. Os cachorros fizeram festa com a nossa chegada. Educados e mansos. O carro do meu sobrinho já estava por lá. Tio João nos recebeu com sua costumeira pose de homem do campo e nos garantiu que o ganso não correira atrás de nós. Não acreditei mas enfrentei a ave que partiu em disparada atrás de mim e de minha cunhada. Após o aperto uma água fresca da bica e os risos fartos de corpos maduros e de almas de crianças.
O fogão de lenha estava apagado, a casa vazia, mas as janelas abertas deixavam o sol entrar. A saudade da minha Tia Rita trouxe lágrimas para meus olhos. E meu olhar ficou perdido dentro de mim.
Aceitamos a carona para a volta. E voltamos com a certeza de que continuaremos vivos para outras caminhadas.
29/07/2015