terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Texto surreal: Apontamentos e Fragmentos

 



Ela precisava de alguém para ajudar nas tarefas de casa com três filhos menores um marido que nada ajudava em casa e dois empregos públicos era prá lá de desesperadora sua rotina então veio a mocinha do interior com referência de mais de vinte anos trabalhando numa única família em São Paulo e Joana respirou aliviada no dia vinte de abril data da chegada da prometida o irmão a trouxe para evitar quaisquer transtornos na viagem do interior para a cidade grande a moça muito risonha e caladinha logo aproximou das crianças e por ali ficou como mais uma delas no dia seguinte ela não se encontrava no seu quarto e não atendeu aos chamados as crianças foram encontra-la chorando deitado no chão no terreiro abriu um sorriso lindo e disse que aquele era o dia do seu aniversário fizeram bolo compraram guaraná saíram para lhe comprar um presente e cantaram “Parabéns para você” para ela que continuava num sorriso puro de criança feliz dai para frente todos observaram que ali estava uma moça feito criança corpo de mulher cheio de pureza e sorrisos a dona resolveu investigar como era seu trabalho em São Paulo aproximou com delicadeza da menina-moça estranha e ela disse que fazia de tudo até aparecer um mar de sangue no seu quarto que foi se enchendo até não poder mais ficar dentro dele daí começou a ouvir vozes de pessoas desconhecidas que vinham lhe cochichar nos ouvidos e lhe dar ordens como sair de casa andar pelas ruas e não acreditar na sua patroa que estava roubando seu dinheiro juntado nos últimos vinte anos guardou todo o dinheiro dentro de uma fronha amarrou bem amarrado e enfiou dentro do colchão foi levada num centro espírita e o médium falou que ela estava com demônio no corpo que era preciso muita reza muita luz de vela muito banho de alecrim com capim cheiroso mas de nada adiantou mandaram ela de volta para sua cidade natal no interior das Minas Gerais e a moça voltou feliz para casa de seus pais foi quando recebeu a nova possibilidade de trabalhar na cidade grande a nova patroa preocupada com toda aquela história levou-a no psiquiatra que diagnosticou psicose e deu um monte de remédios os familiares consideraram perigoso ela cuidar de três crianças mas a patroa cuidadosa feito ela só contratou outra empregada com o objetivo de cuidar das quatro crianças agora procurou os direitos da moça-menina-doida procurou o médico que deu relatório para benefício e foram guardar o dinheiro na poupança quando abriram a fronha na frente do moço da caixa pois era assim que a patroa lidava com a menina-moça-risonha para não trazer desconfianças todo o dinheiro guardado já havia perdido seu valor o cruzeiro agora era real


Funil, 21/02/2022


Comentário: "Rivelli, escrever é sempre revelador, documental. Escrever é também registro. A prosa para quem lidar com ela é sempre reveladora. Está história a partir de suas Palavras ganha contornos eternos. Muito bem, muito bom, bjs" (do poeta Ronald Claver)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Carta de Amor - 16

 

                                               





Bom dia meu desamor


Atordoada com as questões políticas atuais do nosso país resolvi dar uma pausa e passar um batom. Maquiar um pouco meus lábios que há tanto tempo não se colorem nem se abrem num sorriso ou entre conversas. Levantei dessa escrivaninha companheira e fui até meu batom esquecido no velho estojo. Agora já posso dizer o que há muito está preso e descolorido dentro de mim.

Pois bem, desde que soube “por onde andas e que dizes fazer” caminhei no sentido oposto àquele que até então desejava. No início achei que estava deveras enlouquecendo. Meu peito apertou. Viajei sem rumos. Enlutei minha alma. Mas ainda não chorei. Vivi os últimos meses como uma folha que despenca da árvore e cai leve de encontro ao solo. Despenquei-me de mim. Despenquei-me de nós. Não há palavras que definam meu luto. Eu me perdi de você.

Como você sabe, lemos muito sobre a Rússia. Ainda bem adolescentes lemos “A Mãe” de Máximo Gorki. Na época me envolvi pela luta dos operários russos e ali começava minha paixão pelo país frio e vermelho. Depois devorei quase toda a obra de Dostoiévski e adentrei nas almas de seus personagens pelas ruas de São Petersburgo. Recentemente li “O Adolescente” e, mais uma vez, lembrei-me de você. Anton Tchékhov e Lev Tolstói vieram por indicações do meu filho. E, desde então, tenho viajado para a Rússia nos meus devaneios, entrando na “Era Dourada da Rússia” com seus escritores, acabei ficando por lá.

Então gostaria de lhe dizer que jamais aceitarei, mesmo que isto contrarie senão a mim, que um cidadão como o presidente do Brasil e toda sua comitiva inculta, pise em solo de um país tão meu. E que você, culto e sabedor de todas essas histórias, caminhe junto a ele pela Praça Vermelha e o acompanhe até o Túmulo do Soldado Desconhecido no Kremlin. Isto já se traduz num atentado à minha dignidade e a do povo russo.

Lembrando da citação de Dostoiévski de que “Tenho de proclamar a minha incredulidade. Para mim não há nada de mais elevado do que a ideia da inexistência de Deus. O homem inventou Deus para poder viver sem se matar”, Bolsonaro e tantos de vocês, em nome de Deus, matam, destroem e gozam sobre os cadáveres.

Não posso mais amar você. Entretanto continuarei amando o menino operário que um dia você foi.

Sem abraços.

Rosário Rivelli, 17/02/2022

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Fábula: A fantástica aventura dos gatos

                                                 


 



Igui, o neto danado de esperto, arrastou a vovó para dentro do carro.

- Vovó, vamos fazer uma viagem!

Assim foi o menino-gato dizendo e já ligando o ícone do GPS. Com destreza foi logo posicionando o destino, a rota mais rápida e o simulador de navegação. Enquanto isto a vovó ficava só olhando o roteiro da viagem.

Sabedor do interesse da vovó pelas viagens, mesmo aquelas imaginárias, buscou no histórico uma cidade desconhecida para ela.

Riu, travessamente, diante do espanto dela ao ler o nome que apareceu na telinha do GPS. FIGUSGU. Isto mesmo. Lá estava o nome da cidade e todo o itinerário. E para lá foram eles. Vovó estava atenta a todo o trajeto. Queria saber onde ficava essa tal cidade de FIGUSGU.

Logo que saíram de sua cidade o GPS indicou a BR 040 em direção a Belo Horizonte.

No meio do caminho havia um acidente. Tudo parado. Um carro conseguiu escapar de um precipício ao ter seu carro ultrapassado por um caminhão baú descontrolado. Kiter estava indo buscar seus quatro filhos e sua esposa para irem para Guarapari. Toda a família adora a praia.

Mas um bando de gatos havia planejado roubar toda a carga de sardinhas frescas que vinham de Figusgun. Colocaram pregos na pista para furar os pneus do caminhão. Enquanto o motorista cuidava dos reparos, todos os gatos que estavam acomodados na moto do Igui pularam para dentro do baú e colocaram uma bomba lá dentro. Na explosão abriu um enorme buraco na carroceria e voou sardinhas para todo canto.

Os gatos fugiram nas motos voltando para Figusgu quando perceberam que o caminhão estava atrás deles. Igui, sendo um excelente motociclista, conhecia toda a região e logo saíram da estrada principal. Entraram por um caminho até um riacho e chegaram num túnel. Vieram outras motos com vários gatos que decidiram parar e  esconderem as sardinhas. O esconderijo ficava bem perto de uma árvore, num precipício no alto da montanha.

Sardinhas bem escondidas. Motos e gatos salvos e felizes. E assim foi possível continuar nossa viagem para FIGUSGU que, para mais um espanto da vovó, ficava bem perto da Contagem das Abóboras.



Observação: esta fábula foi escrita a quatro mãos. Vovó e o netinho de seis anos, no dia 5 de fevereiro de 2022


                                        




Fotografias: Arquivo pessoal (Nina e Princesa Consuelo são as gatinhas do meu neto)



terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Mini conto: Declaração de Amor

                                                  



Aquela foi a declaração de amor mais genuína que recebera em toda sua vida. Teresa, aos setenta e quatro anos, assim considerou o afeto recebido.

Ele, com nome de santo, fervoroso, temente a Deus e devoto de Nossa Senhora.

Ela, com nome de santa, sem fé, nenhum temor a Deus e sem devoção alguma.

Teresa, apesar de ter ficado envaidecida, considerou o silêncio da confissão como sua única resposta ao amor declarado.



Ouro Branco, 05/02 /2022

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Crônica: Cananeia III - Viagem de volta

 



Ali estava um pedaço de mar, um desbarrancado de areia e algumas pedras grandes recebendo os batidos das ondas do mar. Ali estava a ponta mais ao sul da Ilha Comprida; voltada para o mar aberto. Um espetáculo de acelerar o coração e provocar um não sei o quê na alma. Tirei as fotos que quis. Gosto de fotos que tocam na gente. Ali estava a chamada Praia Da Trincheira, também conhecida como Praia dos Golfinhos. Onde eles se acasalam e tem seus filhotes. Vimos alguns deles brincando bem perto de nós.

(O parágrafo acima estaria na metade desta crônica cujo início foi apagado quando cliquei não sei em quais teclas deste medonho aparelho. Vou tentar partir daqui e fazer a viagem ao inverso.)


Depois de caminharmos uns trezentos metros, conforme me informou outra aventureira, chegamos ao destino que eu tanto esperava. Toda a trilha era um grande corredor de centenas de bromélias, muitas dela em florações. Este foi um espetáculo à parte. Valeu a insistência e a paciência do meu irmão na direção do carro diante dos muitos pedidos para que voltássemos uma vez que a estrada parecia abandonada. Seriam cinco quilômetros até a chegada de um bar. Um bar no meio da mata e do mato. Mas, bem em frente, uma visão deslumbrante do mar dos golfinhos saltitantes. Ainda na beira do canal entre a ilha Comprida e a ilha de Cananeia. Portanto teríamos que margear a trilha se quiséssemos ver a ponta da ilha e o mar aberto. E queríamos. Valeram todos os riscos e o cansaço.

Na volta passamos pela moça e suas duas irmãs. Fora ela quem me ensinou o caminho e alertou para os perigos daquela praia. “Ela afunda bem na praia e o mar puxa para dentro dele.” Estavam a pé pela estrada de cinco quilômetros. Pegariam a balsa até a ilha de Cananeia e, de lá, iriam para a cidade de Registro, onde moravam. Lamentamos não ter espaço para as caronas.

Antes meu irmão queria conhecer a estrada para a cidade de Pedrinhas margeando a praia ao norte. Andamos por mais de quatro quilômetros sobre a areia molhada, bem junto ao mar, em praias totalmente desertas. Tivemos que voltar porque as águas do mar estavam subindo rapidamente represando as águas dos riachos doces. Minha irmã ficou apavorada temendo que o carro agarrasse nas areias.

- “Na areia é o contrário da terra. O carro agarra em areia seca, mas anda bem na areia molhada. Na terra molhada o carro agarra no barro, mas anda bem na poeira.” Assim explicou meu irmão. E vi exatamente que assim era.

(Chegando em casa fui ver toda a orla da Ilha Comprida. Fiz outra viagem. Desta vez uma viagem virtual.)

Na noite anterior foi comemorado o aniversário do Samuel. Uma vela de oito anos improvisada. Muitas pizzas deliciosas e um bolo de biscoito de chocolate. Tudo como quis o menino. A alegria estava estampada no seu rostinho de anjo. Os pais realizaram o pedido dele: queria uma viagem de presente de aniversário, junto de sua família. Aqui gostaria de fazer um elogio e um palpite pessoal. As massas de São Paulo são bem melhores que as nossas massas mineiras. E não poderia esquecer das “girellas” de massa folhada recheadas com ricota e brócolis ou com quatro queijos que foram assadas para nosso lanche na noite anterior ao início da jornada pelas ilhas do sul de São Paulo. Não conhecia tal guloseima. Estavam deliciosas.

Todos prontos para nossa viagem de volta. Quatro carros em comboio. O quinto havia voltado um dia antes. Os sobrinhos e suas companheiras precisavam retornar aos trabalhos. Desta vez a Casa do Bolinho de Frango da Rose estava aberta. Paramos para degustar o famoso quitute. Um bar bem simples no quilômetro 139 da rodovia Neguinho Fogaça, em plena Serra da Macaca, no município de São Miguel Arcanjo. Dentro do bar havia uma pequenina loja de artesanatos locais. Muita criatividade. Muitas cores. E o famoso suco de uvas “San Raphael” produzido na região cujos vinhedos se espalham pelos arredores. Tudo estava perfeito para mim. Café coado forte e quente. A decoração bem a caráter do interior paulista. O atendimento tranquilo apesar do grande número de nós, turistas mineiros. Com gentileza e rigor nos serviços. Enquanto terminávamos nosso repasto nos pareceu que o céu estava desabando. Uma tempestade nos prendeu ali. Só comendo mais bolinhos de frango com café ou suco de uva e comprar mais lembrancinhas. (https://restaurantguru.com.br/Casa-Do-Bolinho-De-Frango-Sao-Miguel-Arcanjo)

E chegou a notícia da queda de uma árvore que interrompeu o tráfego nos dois sentidos quando já estávamos na estrada.  Então mais uma cena chamou atenção dos meus olhos. Vários rapazes e moças de botas, calças jeans, chapéus, caminhando ou correndo pelas margens do asfalto para desobstruírem a rodovia. Pareciam cenas de filmes estadunidenses quando todos eles estavam de divertindo como se dançassem na chuva com seus pares, machados e foices. Tal espetáculo ficou gravado no meu mole coração

Uma caminhonete seguia à frente levando as terríveis motosserras. Meu irmão me lembrou do trabalho temporário do corte da cana e da colheita de laranjas que agrega jovens de toda aquela região. 

Estrada desobstruída e lá continuamos nós até a histórica Itapetininga. 

E finalmente conheci o tão falado Vale do Ribeira.

Uma viagem que deixou muitas histórias e encontros de três gerações.

Acabou-se o que era doce. Congratulo-me com todos os viajantes jovens que alegraram a comitiva. Em especial ao meu irmão, minha cunhada, a minha irmã, colega de quarto, assim como minha “menor filha” também pelos cuidados comigo em todos os momentos. Amo todos vocês.

                                               Bromélias



                            Trilha das Bromélias

 


                  Praia da Trincheira ou dos Golfinhos e eu.


                                            Praia da Trincheira


                    Praia da Trincheira - meu irmão e minha cunhada






Banheiro do Restaurante do bolinho de Frango Casa da Rose


Meu quarto na pousada  Costa Azul            



Flor no jardim da pousada


                                                        Girella de brócolis