Ela estava lá. Sozinha entre as demais. Com a bandeira da candidata, ora enrolada ora aberta ao vento daquela manhã. Era uma praça desfeita de flores, desfeita de árvores, desfeita de quaisquer outras belezas. Eu fui. Fui com meu compromisso de uma cidade humanizada. Não queria ir. Queria ficar comigo naquela manhã de domingo. A candidata me enviou o convite. Uma caminhada pelo bairro. Concentração naquela praça desfeita. Havia, tão só, bancos de concreto. Sentei num deles. Uma pequena árvore, sobrevivente do descaso, prometia sombra se o sol aparecesse. O tempo estava nublado. Ótimo. Esqueci-me do protetor solar nos braços.
Dei bom dia para ela. A reposta veio com um sorriso terno. Dai em diante a conversa fluiu como as águas em um córrego protegido por plantas ribeirinhas. Me contou do filho de dezessete anos. Ele foi pai aos quinze anos. Agora tem que mandar PIX todo mês. Mostrou, com orgulho a foto, no celular, do rosto de um belo jovem. Falou do mais velho: Ele bebe muito. Uma pet de um litro por dia. Depois de amanhã ele faz vinte e três anos. Não havia nenhuma tristeza nas suas palavras. Resignada? Tenho uma menina também. Ela tem treze anos.
Eu já havia reparado na simplicidade de suas roupas. Nos cabelos desalinhados, presos na nuca. Desvestida de belezas assim como aquela praça. Nela eu vi todas as mulheres pobres de um país de terceiro mundo.
Às vezes ela levantava e balançava sua bandeira. Dava umas voltas por ali. Sozinha. Às vezes eu também levantava e conversava com outras pessoas. Sempre acabávamos juntas. Descompromissadamente. Eu tomo nove remédios todo dia. Meu marido batia muito ni mim. Eu fugi com o veio que eu moro com ele hoje. Eu tinha vinte e seis anos. A anamnese já estaria feita nas primeiras conversas caso eu estivesse atendendo aquela mulher. Quadro psiquiátrico grave requerendo atendimentos e acolhimentos frequentes e próximos. Foi por isso, talvez, que nos demos tão bem. A loucura, seus encantos, seus desencantos estavam bem juntas comigo. Ao meu lado. Nos encontramos naquela manhã de domingo numa caminhada buscando votos para nossa candidata.
Antes de iniciada a caminhada, dei-lhe um dinheiro para que ela, se quisesse, pudesse comprar água ou picolés. Na praça nenhuma água ou picolés. Chamei-a para ir comigo mais a frente, numa rua desembocada na praça nua. Ela me acompanhou. Paguei-lhe a água. Vou comprar um franguinho para meu almoço. Muito obrigada, viu? Sua voz era doce e tranquila.
Sentada no banco de concreto, respondeu minhas perguntas sobre seu tratamento. Antes eu tomava haldol que me deixava na cama. Fiquei na cama sete meses com meu filho cuidando de mim. Eles trocaram o haldol. Agora tomo uma injeção todo mês.
Caminha iniciada. Ela andando no compasso dado. Eu, olhando para ela. Uma mulher tão só. Desprotegida. A bandeira de sua candidata e a loucura como suas únicas aliadas. Eu, talvez, em alguns momentos também fosse sua aliada.
Caminhada longa. Terminada. Vamos lá em casa almoçar comigo? Vou comprar um quiabinho pra comer com o frango.
O nome dela? O mesmo da minha mãe.
(Voltei pra casa estarrecida com a miséria do meu país tão rico)
Às vezes ela levantava e balançava sua bandeira. Dava umas voltas por ali. Sozinha. Às vezes eu também levantava e conversava com outras pessoas. Sempre acabávamos juntas. Descompromissadamente. Eu tomo nove remédios todo dia. Meu marido batia muito ni mim. Eu fugi com o veio que eu moro com ele hoje. Eu tinha vinte e seis anos. A anamnese já estaria feita nas primeiras conversas caso eu estivesse atendendo aquela mulher. Quadro psiquiátrico grave requerendo atendimentos e acolhimentos frequentes e próximos. Foi por isso, talvez, que nos demos tão bem. A loucura, seus encantos, seus desencantos estavam bem juntas comigo. Ao meu lado. Nos encontramos naquela manhã de domingo numa caminhada buscando votos para nossa candidata.
Antes de iniciada a caminhada, dei-lhe um dinheiro para que ela, se quisesse, pudesse comprar água ou picolés. Na praça nenhuma água ou picolés. Chamei-a para ir comigo mais a frente, numa rua desembocada na praça nua. Ela me acompanhou. Paguei-lhe a água. Vou comprar um franguinho para meu almoço. Muito obrigada, viu? Sua voz era doce e tranquila.
Sentada no banco de concreto, respondeu minhas perguntas sobre seu tratamento. Antes eu tomava haldol que me deixava na cama. Fiquei na cama sete meses com meu filho cuidando de mim. Eles trocaram o haldol. Agora tomo uma injeção todo mês.
Caminha iniciada. Ela andando no compasso dado. Eu, olhando para ela. Uma mulher tão só. Desprotegida. A bandeira de sua candidata e a loucura como suas únicas aliadas. Eu, talvez, em alguns momentos também fosse sua aliada.
Caminhada longa. Terminada. Vamos lá em casa almoçar comigo? Vou comprar um quiabinho pra comer com o frango.
O nome dela? O mesmo da minha mãe.
(Voltei pra casa estarrecida com a miséria do meu país tão rico)
04/10/2024