sexta-feira, 26 de agosto de 2022

João e Maria


 João e Maria

 

Texto 1 -

João Vira-Virou tinha ideias e atitudes extravagantes. Tinha overdose literária quando cheirava o pó de livros e bebia suco de fungo. Gostava de fazer amor no banco de trás da Igreja Matriz.

João Vira-Fumou fumaça de cigarro de chuchu e deu uma grande gargalhada olhando para o buraco das formigas por onde elas saíam carregando água e entravam secas.

João Vira-Comeu uma flor de lírio e foi colocar seu smartfone de molho com sabão em pó no tanque da casa da sua avó.

A seguir João Vira-Passou a mão num bife sobre a mesa, colocou-o no bolso e despediu da família. Precisava de dinheiro para voltar para república onde morava com os amigos da faculdade de direito na capital.

Texto 2-

Maria Que-Não-foi-com-as-outras contou que foi gerada entre as capoeiras da mata do sítio do Zé Capeta. A mãe havia lhe segredado que depois da safadeza foi se lavar no "córrego raso de águas cristalinas onde as taiobas nascem brilhantes debaixo dos cedros” – assim havia dito toda cheia das poesias. "Você foi feita com muito amor." O pai nunca ela falou quem foi. Maria-sem-vergonha desconfiava que teria sido um dos filhos do patrão quando era ainda moço sem juízo. "Ele tem os mesmos belos olhos verdes que nem os meus". Mas ficava calada. "Segredo de mãe merece respeito". A patroa da mãe sabia de tudo e, por isso, sempre a tratou com um “chega prá lá” porque não queria atrapalhar o futuro do filho. Mas hoje Maria, sendo moça feita bonita, dançava nas festas e enchia os olhos dos moços de desejo. “Dá eu não dou pra ninguém. Mas divirto à revelia”. Repetia ela.



Texto 3-

João e Maria

Foi logo depois de comer a tal flor de lírio, botar o bife no bolso e sair de casa que João se enveredou pelas ruas da pequena cidade. Já se fazia tarde. Caminhou até o jardim com os olhos que nem duas bolas azuis de gude. Não via nada. E os tais olhos azuis nem serviam para cricar uma na outra já que o nariz as separava. 
João acabou adormecendo encostado num pé de flamboyant cuja sombra se espalhava pela metade do espaço. Acordou com o som do alto falante da igreja que anunciava a hora do Angelus. Precisava de água, de muita água. Então se dirigiu até o bar do turco, Adib, um velho amigo do seu pai.

- Boa noite João. Como estão seus pais? Se aconchegue que vou lhe trazer uma soda limonada para curar esse desvario. E como andam os estudos lá na capital?

-Tão indo Sô Adib. Tão indo.

Era tudo de que João não queria falar. Adorava a roça, os cavalos, as plantações de frutas e as “criações” como a mãe dizia das galinhas, dos porcos e das poucas cabeças de gado. De doutor ele nem queria saber. Queria ser que nem o pai, fazendeiro.

E foi pensando assim que nem viu Maria-toda-prosa entrar no bar. Aqueles olhos verdes na pele morena, o sorriso estampado no rosto e o jeito maroto da jovem logo chamaram a atenção do semiacordado.

- Você vai pra capital e esquece as amigas? Maria-toda-bela foi logo perguntando.

- Não vai me dizer que você é aquela menina que brincava comigo?

Pois eram amigos de infância.

Nesta hora Sô Adib olhou para eles e foi logo dizendo:

-Aqui e em qualquer outro lugar é só conversa! Nada de namoro que os olhos são quase iguais e quem sabe o sangue também!

Foi assim que Mariazinha-a-esperta descobriu com quem sua mãe havia se deitado entre as capoeiras da mata na fazenda.

26/08/2022

Observação: Estes textos foram escritos para a Quarta Oficina de Escrita de agosto de 2022

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

PROSA DE AMOR


                                (beijos)


ELE: vamos sair hoje?

ELA: impossível, não saio com chuva.

ELE: tenho capas, guarda-chuvas e vamos de carro.

ELA: vamos fazer outra coisa?

ELE: jogar baralho?

ELA: detesto baralho e, além do mais, quando vocês começam a jogar vocês esquecem da vida.

ELE: às vezes é bom espairecer um pouco.


ELA: Se quiser poder ir jogar com seus amigos. Eu vou ficar com minhas amigas.

ELE: Então tá. Fui.

ELA: Oh, meu amor. Não é bem isso que eu queria dizer.

ELE: E o que você queria?

ELA: Que queria que você dissesse assim: “Oh meu amor eu vou fazer o que você quiser”

ELE: E o que você quer então?

ELA: Quero ficar com minhas amigas.






OBSERVAÇÃO: exercício da oficina de escrita de agosto de 2022.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Textos "NONSENSES"



                             



TEXTO - 1

A senhora queria atravessar a avenida cheia de carros que não paravam num ir e vir quando um homem tocando bezerros de ouro parou e ficou olhando o vestido - "hijab"- comprido do mulçumano com boné vermelho do MST e anéis de pedra sabão foi então que o trem apitou e o jogador de futebol fez um drible e chutou a bola para dentro do Banco do Brasil de onde a senhora  acabara de sair.


TEXTO -2

Tomate me dá azia. Prefiro a Ásia, lá não me aparecem as dores nos joelhos. Lá aparecem várias barracas com condimentos coloridos nas ruas de Samarqanda em plena rota da seda chinesa mas Marco Polo brigou com Mulan porque queria atravessar o Uzberquistão para conhecer o Zé de Maroca que dizia ter afrontado Hitler às margens do Rio Ipiranga e exigido que o Führer brasileiro não proclamasse a república.  

"Não me mate Zé de Maroca!" gritou o nazista e Dudu deu um grande sorriso.


Observação:  Estes textos foram produzidos durante a oficina de escrita desta semana e revisados em casa.


Fotografia: Moinho de vento (Holanda) arquivo pessoal.

18/08/2022

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Amor de Menina

 





Ele desceu a rua como quem nada conhecia dali. Olhos no horizonte, fixos. Mãos no bolso da calça jeans nada desbotada. Camisa xadrez dos tecidos de algodão de sempre. Andar compassado. Cadernos esquecidos debaixo do braço esquerdo.

Da pequena abertura de cortina, a moça o viu. Quem pensa que a rua dormia na suavidade vespertina de julho não conheceu seus moradores. Por ali moravam querubins, cupidos, elfos, duendes e tantos entes sobrenaturais. A rua vivia dias de mansidão e dias de trovão. Algumas mulheres, sob influências destes seres, saiam de casa a gritar desaforos contra outras mulheres que, supostamente, teriam olhares enviesados para seus maridos ou porque um filho foi ofendido por filhos de outras vizinhas. Até a raiva passar e a normalidade voltar não se falavam nem saiam do lado de fora de suas casas. Ficam moendo e remoendo as palavras ouvidas e ditas. Só não deixavam de ir às novenas e missas das primeiras sextas-feiras de cada mês.

Naquela tarde a rua experimentava um raro dia de paz. As mulheres deveriam estar cuidando das roupas dos filhos, pensando o que fariam para o jantar que seria a marmita do marido na manhã seguinte, ou encostadas num canto da casa com os olhos fechados no descanso. As crianças deveriam estar vendo desenhos na TV colorida que acabara de chegar nas lojas da cidade.

Tereza tinha os olhos ao longe. Sua quietude era apenas um disfarce contra a inquietude dos seus pensamentos.

Naquela tarde havia começado a leitura do livro, “Amor de Perdição” do escritor português Camilo Castelo Branco, e estava envolvida com a história do amor impossível entre os jovens Teresa e Simão.

Parou com a leitura ao sentir o coração apertado dentro do peito. Levantou e, num ímpeto, olhou pela janela. Lá vinha ele. Agora as batidas do seu coração aceleravam à medida que ele se aproximava de sua casa. A moça sentiu sua face afoguear quando viu sendo vista olhando para ele.

Querubins, serafins, elfos, cupidos e tudo quanto havia nas leituras de Tereza, voavam ao seu socorro. Só então se deu conta de que estava sonhando. Abriu os olhos e se viu refletida nos vidros envelhecidos da velha janela de madeira. Estava beirando seus setenta anos. O corpo cansado, as articulações doloridas, a pele ressecada, os cabelos desalinhados, as unhas quebradiças. Então entrou pra dentro dela e se viu a bela menina aos quinze anos sendo amada tal e qual a Teresa do seu livro. Sorriu pra si. Criou asas e voou para dentro do livro.


Fotografia: Arquivo pessoal. Janela em Roma -2019

Maria do Rosário N. Rivelli

Julho/2022