quinta-feira, 26 de junho de 2014

NOSTALGIAS




              ESSE AMOR


  Esse amor ainda não findou,

  Tão vivo está que ainda faz doer.

  A dor daquilo que não vivi desse amor.

  Não enlacei nas suas as minhas pernas,

  Nem rocei no seu corpo o meu corpo.

  Não senti o cheiro da sua pele,

  Nem ri dos seus cabelos de pixaim.

  Não ri de sua voz estridente,

  Nem senti o calor de seus abraços.

  E não discuti por suas risadas debochadas,

  Nem briguei dos ciúmes desse amor.

  Mas chorei no tempo que não te soube.

  Vivi todos esses anos nesse amor.

  Um amor que só assim foi possível

  Da certeza de saber ser amada pelo outro.

  E tão só assim ...


21/06/2014



terça-feira, 24 de junho de 2014

SINAIS E SINTOMAS DE DESPEDIDA II


                  ULISSES, O RETORNO

Não pensem vocês que a história do Ulisses acabou por ali onde terminei minha última crônica.

Numa manhã de muitos meses depois e de mais um plantão estava eu observando todo o desenrolar daquele início de trabalho. Naquele tempo as portas de algumas unidades ainda ficavam abertas assim como aquela do principal acesso à urgência do hospital.
  
Os pacientes circulavam livremente por ali num ir e vir deles e dos funcionários que se misturavam em rodas de viola, em peladas, em brincadeiras e, obviamente, em tentativas de fugas. Afinal ficar confinado num hospital psiquiátrico não é nada agradável. 

Defronte ao prédio existe uma linda área arborizada com decanos flamboaiãs e belíssimas paineiras. E era à sombra destas árvores que todos transitavam e viviam um pedaço de vida.

Às vezes eu ficava por ali. Papeava com um. Escutava outro e assim aproveitava para fazer minhas observações clínicas.

Voltemos então na citada manhã quando um minguado rapaz se aproximou de mim e perguntou pelo meu nome. À minha resposta ele riu e perguntou:

- "Foi a senhora quem me internou daquela outra vez, não foi?"

Então me lembrei dele. Era Ulisses. Não o homérico, mas nosso mineiro personagem também de mil ardis.

Perguntei o que lhe acontecera desta feita pois me parecia muito bem.

Disse-me que tinha melhorado daquela vez e que voltara para casa. Mas de uns tempos para cá voltara a ficar muito nervoso e o pessoal do CAPS pediu que ele viesse passar uns dias internado. Abriu um belo sorriso e saiu dali.

Dai a pouco volta Ulisses com um copo descartável nas mãos e pequeninas flores dentro. Chega até mim e diz:

-"É para a senhora."
   
E continuou;

-"Sabe aquele dia da minha internação que eu falei que as vozes me mandavam jogar a senhora fora? Eu tava era brincando. Era só para ver a sua cara..."




                      ME DÁ UM CIGARRO...


E, num outro plantão, eu estava por ali junto da equipe de enfermagem na rotineira tarde com o café e rodeada por alguns pacientes em muitas prosas.
  
Entre eles havia um jovem rapaz encostado no balcão que separava o posto de enfermagem do grande corredor em torno. 

Devo esclarecer que o referido balcão tem a pretensa finalidade de separar pacientes e trabalhadores mas, às vezes, esses limites geográfico e humano tornam-se  impossíveis.

Pois bem, o tal rapaz tinha estatura mediana, pele clara e tragava seu cigarro com muito prazer. Naquele tempo também ainda era permitido aos pacientes fumar dentro e fora do hospital. 

Nosso rapaz puxava um trago e levantava a cabeça expelindo a fumaça para cima e acompanhando-a com seu olhar não tão perdido. Estava em pura paz. 

Junto a ele e encostando-se a seu corpo havia uma mulher com seus quarenta anos, mais baixa e também de pele clara. Ela acompanhava todo o ritual do fumante. Até que tomou coragem e pediu-lhe um cigarro. 

Ela não se declinou com a negativa imperiosa do rapaz. Continuou ali, parada e encostada nele. Arriscou pedir novamente e ele, novamente, negou-lhe o tão desejado cigarro. Ela não saiu de perto, parecia se deliciar de estar ali, bem junto dele, calmamente.

Lá pela tantas investidas de pedidos e recusas, o jovem parou, dignou-se a olhar para ela e perguntou:

-"Você é minha mãe?"

O sim veio de imediato.

Ele então retirou vários cigarros do maço no bolso de sua camisa, dirigiu-se a ela e disse-lhe:

-"Então toma mamãe."

E eu continuei meu plantão.



21/06/2014

segunda-feira, 16 de junho de 2014

SINAIS E SINTOMAS DE DESPEDIDA



    PALAS  ATENA  E  ULISSES

  
Provavelmente era o ano de 1978 e eu queria estagiar num Hospital Psiquiátrico. A escolha por tal especialidade já havia sido feita desde sempre.

Busquei informações; corri atrás e consegui o tal estágio numa clinica com boas referências. Tratava-se de uma gigantesca construção em branco, localizada às margens da rodovia e para a qual que eu olhava durante todas as vezes que passava por ali nas idas e vindas da minha cidade para a faculdade. 

A vegetação em torno, o caminho de terra e suas casinhas na lateral davam um aspecto de fazenda mineira. Mais um motivo para eu escolher aquele lugar.

Então, consegui o tão sonhado trabalho. Eu ficaria nos finais de semana, 48 h, duas vezes por mês, observando o trabalho de um psiquiatra do corpo clínico e faria as anamneses dos recém-internados. Perfeito.
  
O tempo foi passando e eu aprendendo. Dormia no quarto da secretária que, nos finais de semana, raramente aparecia por lá. Era uma imensa suíte, com pés direitos muito altos, com duas portas, uma saia para um corredor interno dando acesso à cozinha e às alas femininas  e outra, lacrada, dando acesso ao pátio interno dos pacientes crônicos mais graves. Às vezes, pelas frestas desta segunda porta, eu via dezenas de homens alucinados andando de um lado para outro como sei lá o quê. 

Eram seres humanos e suas loucuras "abandonados à própria sorte". Assim era a assistência psiquiátrica do estado brasileiro.

Comecei, depois de algumas semanas, a fazer atendimentos noturnos supervisionados pelos plantonistas oficiais, caso eu precisasse de ajuda. E eu precisei e aprendi muito com eles. 

E fora numa destas noites que o sucedido caso aconteceu. 

Fui chamada naquela madrugada para atender uma paciente com dor de dente. Lá fui eu com meu casaco de cobertor São Vicente, feito por mim, naquela noite gelada de Barbacena. Nessa época eu tinha mania de acompanhar as temperaturas durante todos os dias e noites. Fazia 4 graus. 

Atravessei portas e corredores e fiz a prescrição devida para aliviar a dor daquela mulher. 

Só não contava com o inesperado. Um dos corredores era aberto para um pátio interno, por um lado, e com portas pelo outro lado. Ali ficavam algumas enfermarias. Saí da sala de enfermagem e fui para o corredor citado onde, lá no final, ficava a porta de saída daquela ala. Tudo muito lúgubre. 

Bem no fundo, por onde eu tinha que passar, me apareceu Margareth, famosa por sua agressividade contra mulheres louras. Dizia ela que uma loura havia roubado seu marido. Eu tinha meus belos cabelos compridos e quimicamente louros. Ela era muito magra e com a pele esbranquiçada. Caminhava em minha direção vestida apenas com uma camisola fina, transparente e curta. E eu caminhava em direção a ela com meu medo de estagiária loura. Lá vinha ela cada vez mais perto de mim. Tinha os olhos esverdeados e devia estar tomada pela homérica deusa Palas Atena. E lá ia eu ao encontro dela. Então chegou bem perto do meu corpo que, naquela momento, deveria estar tremendo de medo. Olhou diretamente nos meus olhos, abriu um esquálido sorriso e me disse:

-" Você tem uma bala pra me dar?" 

Um outro caso se deu por volta de 2008, ou seja, trinta anos após eu começar meu amor pela loucura além da minha.

Era um final de tarde e eu estava no meu semanal plantão em urgência psiquiátrica num hospital público. A enfermagem comunicou a chegada da Polícia Militar trazendo um paciente muito perigoso, de uma distante cidade da região metropolitana.

Ao chegar para acolhê-lo, encontro um minguado rapaz no chão com algemas nas mãos e pés e estes estavam amarrados uns aos outros. Parecia que seria pendurado num pau de arara. A cena era surreal. Aparência descuidada, roupas sujas e rasgadas. Escoriações e hematomas por todo o corpo.
  
Acocorei-me próximo a ele e me identifiquei. Disse-lhe que queria conversar com ele, mas que não o faria com ele naquelas condições. Ele respondeu de forma tranquila e falou-me seu nome. Pedi que fossem retiradas as algemas e as cordas. A PM resmungou, fez observações como “nós não nos responsabilizamos”, mas acatou meu pedido. Solicitei à enfermagem que ficasse atenta e próxima à minha sala.
  
Convidei a mãe e ele a me acompanharem até o consultório.

Ela, envelhecida pela idade, emagrecida, maltratada pela vida, resignada. Mas muito atenta ao que ele me respondia.

Ele me disse que se chamava Ulisses e que havia jogado o pai dele para fora de casa.

Estava explicada a tal força tão desastrosamente contida. Certamente advinda de outro mortal Ulisses, esse da Odisseia de Homero.

-“conta a história direito Ulisses!” Era a mãe ao lado.

-“eu peguei ele e a cadeira de rodas dele e joguei tudo no terreiro”
  
A mãe me explicou que o marido tivera um derrame e ficara paralítico.

-"E por que você fez isto?"- Era eu e minha calma.

-“ são as vozes que ficam me dando ordens” explicou ele.
  
-"E o que mais elas mandaram você fazer?" Era eu de novo.

-“elas me mandaram jogar minha mãe fora também”

E a mãe me mostrava  escoriações nas pernas e nos braços.
  
-"E as vozes ainda continuam lhe dando ordens?"

-“continuam” - Respondeu ele pacificamente.
  
-"E agora, quais ordens elas estão lhe dando?" Era eu e minha idiotice.


-“pega a doutora e joga ela fora”
  


  15/06/2014



terça-feira, 10 de junho de 2014

EU VOU TORCER PELO BRASIL



              Eu vou torcer pelo Brasil



   A minha copa já está começando.

  Enquanto ouço a nona sinfonia de Beethoven um foguete estronda bem próximo do meu apartamento. Meu coração que já vinha acelerando desde cedo, dispara. É a copa do mundo adentrando no meu peito sem pedir licença e se apropriando de mim.


  
  Até então eu só estava escutando, vendo e lendo tudo que aparecia defronte aos meus olhos e ouvidos.

  Mas agora é minha vez de falar deste evento tão grandioso e polêmico. Já que sou maior de 50 e me permito dizer o que quero.

  E quero falar que vivi toda a época da ditadura brasileira, que fui às ruas pelas diretas já, que votei e votarei sempre em Lula, Dilma e outros que considero merecedores do meu voto.

 Quero falar dos meus filhos e de vários filhos de outras mulheres, que estarão nas ruas protestando durante a copa. Reconheço justos aqueles protestos que, sem badernas e ou atos covardes, mostrarão ao mundo o que o Brasil tem de mais lamentável. A corrupção enquanto a maior ferida aberta deste imenso país. A violação dos direitos humanos com trabalhos escravos, prostituição infantil, tráfico de pessoas e por ai afora. Sei de tudo isto e sabemos muito mais. Tristemente.

  Mas agora quero falar que meu amor venceu a razão.
 Já estou torcendo pelo Brasil. Não tem jeito com esse meu coração vagabundo. Não me importo.

  Considero a combinação verde-amarela tão feia quanto marrom com azul, mas serão estas as cores que presentearão meus olhos durante todos os jogos.

  Ficarei com a alegria do lateral esquerdo Marcelo, com a fortaleza do Hulk, com o brilho do Neymar e todos os jogadores da minha seleção.

  Também torcerei pelo meu avô, Portugal. Ainda hei de ir lá conhecer o Tejo e o rio da Aldeia de Fernando Pessoa. E Cristiano Ronaldo dará seu show de beleza e arrancará suspiros de milhares de jovens brasileiras.

  Também torcerei por Camarões, pelo colorido de seu povo, pela exuberância de sua cultura e por nossa vergonha pelas centenas de escravos que dali vieram e por milhares de outros escravos que por ali passaram em direção às Américas. Mil agradecimentos por nossa cultura tão diversa e mil perdões pela escravidão de seu povo. E é por tudo isto também torcerei pela Argélia, por Gana e pela Nigéria.

  Não deixarei de torcer pela seleção Celeste Olímpica. Nosso vizinho irmão, Uruguai, onde estive recentemente e fora tão bem acolhida. O carisma do presidente José Mujica e a beleza de Diego Forlán são, para mim, marcas registradas.

  Esqueci-me de dizer que não entendo nada de futebol.

  Mesmo assim também torcerei pela Argentina, pelo tango e pela genialidade de Messi. Continuarei respeitando Maradona e Che Guevara nascido em Rosário, solo argentino.
  
 E vou torcer pela Colômbia e por Úrsula, com seus “Cem anos de solidão” em Macondo de Gabriel Garcia Márquez.

  Não será nesta ordem ou nessa desordem, mas também torcerei pela La Verde com seu país de belíssimas cidades. Desde sempre eu gosto muito do povo boliviano. Vá eu entender esse amor.
  
  Ainda torcerei pelo Chile e pelos poemas de Pablo Neruda.  Depois México, Costa Rica e Honduras.

  As seleções europeias e as demais seleções também terão minha torcida.

  Eu não deixarei de torcer pela Itália de Paulo Rossi e de meus antepassados em Casaletto Spartano. Jamais esquecerei Zinedine Zidane da seleção francesa campeã mundial de 1998.

 Bem agora chega de tanta torcida.

 São trinta e duas seleções e eu quero assistir todos os jogos que minha rotina de trabalho permitir.

 Há de ser campeã aquela seleção que apresentará um futebol bonito, elegante, cheio de dribles e outras belas jogadas; e, obviamente, a seleção que fizer mais gols. Vencerá o país merecedor de tal feito desde que este país seja o meu Brasil.

 Entretanto ao lado de toda minha euforia tem o temor pelo que virá das ruas. Então torcerei pelo sucesso dos protestos e seus jovens de um lado. E torcerei pela competência e retidão das forças repressoras do outro lado.

 Meu coração todo dividido há de estar no compasso da alegria, da expectativa, do entusiasmo, do orgulho pelos filhos corajosos e no grito que ficará preso até que tudo se acabe.


sábado, 7 de junho de 2014

NO MEU QUARTO UMA ASSOMBRAÇÃO





     NO MEU QUARTO UMA ASSOMBRAÇÃO


  Naquelas férias de inverno, mais uma vez, meu presente de aniversário foi ficar alguns dias na fazenda dos meus tios. E, mais uma vez, meus pais concordaram com meu pedido.

  Era o ano de 1969 e eu completaria 12 anos. Eram um ano e um mês muito especiais. O homem pisaria na lua pela primeira vez no dia 20 de julho, numa viagem espacial através da missão Apollo II, e eu não perderia aquilo de jeito algum. Haveria de estar bem próximo daquela alunagem.

 A Fazenda ficava localizada numa várzea a perder de vista. Área esta, naquela época, muito cobiçada pelo IBC (Instituto Brasileiro do Café) para o plantio do ouro negro. Ou vermelho? Pois bem, com esta amplitude eu teria uma visão de trezentos e sessenta graus. Quem sabe não veria alguma coisa nas crateras lunares onde vivem São Jorge e o dragão?

  Malas prontas, contatos feitos com meus tios e lá fui eu para aquele destino tão desejado. Eu já havia passado outros aniversários ali, mas ninguém sabia daquela data tão especial para mim. Acho que gostava de ficar comigo nos meus aniversários.

  Meu tio era a paciência em pessoa e ainda tem sido assim pelos tempos de agora. Cuidava do seu pequeno rebanho leiteiro, do plantio de grãos para o gado e outros para subsistência de sua família e a venda ou troca do que sobrava.

  Ele sempre fora muito calado e só abria a boca para a fala mansa e debochada dos mineiros.

  
  Minha tia era diferente. Era uma bela mulher, pele morena, cabelos negros e lisos e olhos esverdeados da cor do ciúme. Mais que bonita, era inteligente, viva e cheia das sabedorias. Ouvia diariamente, no seu radiosinho de pilha, programas de saúde, de psicologia, de culinária que ela nem precisava pois era PhD em comida mineira. Alguns anos mais tarde ficaria sabendo que ela fora secretária do meu pai, enquanto prefeito daquela cidade. Tudo tinha uma razão, a alegria, a sabedoria e o desembaraço da minha Tia. 
  
  Eles já tinham seis filhos e esperavam o sétimo que nasceria em dezembro.

  
 Já estava no meu paraíso para onde meu pai me levara ainda no final de junho. 

  Naquela primeira noite meu pai e meus tios sentaram ao redor do enorme fogão de lenha e colocaram os assuntos em dia. Falaram do acontecimento daquele mês. Um duvidava que os americanos fossem a lua, outro achava que aquilo era contra Deus em sua onisciência.

   Nós, os filhos, escutávamos tudo aquilo com muita atenção. O pior era quando começavam a contar casos de assombrações, de almas no purgatório, de pessoas que haviam morrido naquela imensa casa e outros tantos fatos passados. Todos nós ficávamos acocorados e com os olhos arregalados de medo.


  No dia seguinte, recomendações dadas e lá foi meu pai de volta para a cidade grande, onde morávamos.  A casa da Fazenda tinha dois andares. As paredes eram brancas, mas amareladas pelo tempo. Todas as portas e janelas pintadas de azul claro. Havia seis enormes janelas na frente, no andar de cima e, embaixo, seis enormes portas. O conjunto era lindo de se ver e, ainda bem longe naquela várzea, da estrada, ela aparecia majestosa.

  Eu amava meus tios e primos embora fosse um pouco mais velha que os segundos. Não sei por que, mas naquele ano minha tia me colocou no quarto que eu mais gostava daquela grande casa. Talvez ela soubesse de minhas intenções com a visão noturna do vinte de julho que se aproximava.

   A Família ocupava uma pequena parte daquele andar. 

  No térreo ficavam os espaços remanescentes da época dos escravos. Eram tenebrosos alguns lugares aonde nem o sol chegava.

   No andar de cima havia uma primeira sala, gigantesca para minha infância, com um oratório de São José do Porto, nome daquela Fazenda e outras imagens de Santas e Santos. Acho que uma delas era Santa Rita e uma outra era N. Sra do Rosário. Ali, naquele altar sagrado, vários casamentos foram realizados, inclusive o dos meus pais.

  Era naquela sala que meus tios recebiam as visitas ilustres, através de uma simpática escada de madeira. Ali também ficavam os três melhores e maiores quartos dos sete existentes. Ficavam de frente para toda a várzea. Meus tios e seus filhos ocupavam uma área intermediária onde havia mais três quartos. Todos se acomodavam em dois quartos conjugados uma vez que as crianças ainda eram pequenas e carentes de cuidados maternos. Até então eu também ficava ai, perto deles.

  Os quartos foram recebendo nomes de acordo com seus ocupantes e, naquele ano, fora me dada a honra de dormir no quarto que recebera o nome dos meus pais. Ele ficava na área nobre e tinha três janelas, duas delas voltadas para leste e norte e uma terceira para o todo o oeste e um pedaço do sul. Isto me permitia uma visão de quase todo o espaço celeste. Tinha uma confortável cama de casal, solitária naquele tão grande quarto.

  Vamos caminhando com minhas alegrias e meu aniversário. 

  Faltavam ainda alguns dias para o tão esperado feito dos americanos e eu tinha todo o tempo para continuar meus estudos em astronomia naquela região onde só havia a luz das estrelas e da lua cheia.

  Mas eis que, na noite seguinte à partida do meu pai, mesmo com tanta honraria, eu perdera o sono. Já havia apagado a lamparina conforme recomendação da minha tia. Havia sempre perigo de fogo devido à construção toda em madeiras. 

  Bem, o sono fora embora e meus pensamentos iam e vinham e rodavam e me consumiam. Levantava, ia até as janelas do leste e norte, as mais bonitas.

   Era noite de lua nova e cadê ela que nem aparecia? As estrelas piscavam e se misturavam aos vaga-lumes da várzea. Eu já havia contado mais de vinte objetos atravessando no céu. Dizia eu que eram lixos das espaçonaves deixados pela NASA. Naquela época, eu já gostava dos russos e poupava-os da tal sujeira no meu céu.   E meu sono não chegava. Então veio o medo. Medo de não sei o que... Medo da noite, medo de estar tão longe dos meus tios, medo do medo. 

  Deitei de novo.

  Mais uma vez o sono não apareceu.

  E, não mais que de repente, alguém puxou meus cobertores para o chão. Segurei-os com força. Guardei meu choro... E se fossem meus tios e primos com suas brincadeiras? Abri meus olhos para a escuridão da noite sem lua. Fechei-os de novo.

  E de novo puxaram minhas cobertas...


  Ai meu Deus...

  Me ajuda minha Nossa Senhora do Rosário! E se fossem as assombrações que frequentavam aquela fazenda? 

  Puxou de novo... Jesus-Maria José socorrei-me em sua infinita bondade. Eu não conseguia fechar os olhos. Tanto fazia, pois eu não conseguia ver nada. Puxei meus cobertores e enfiei minha cabeça debaixo deles.

  E de novo puxaram...

  Meu São José do Porto, pai de Jesus, vinde em minha salvação.


  Meu coração disparava. E se fossem almas penadas? 

  Ou será que eram extraterrestres que também queriam aquela região tão cobiçada?

  Que alívio! Depois de algum tempo aquietaram-se os puxões. Eu estava salva.

 E, naquela luta com meu medo, acabei adormecendo de medo, de pavor, de vontade de fazer xixi.

 Acordei com o sol preguiçoso do inverno e suas pernas compridas que já entravam dentro daquele quarto tão familiar.
  
  Por um momento eu esquecera o terrível do acontecido naquela noite. 

  Então, meu olhar é chamado a ver, deitado sobre as minhas cobertas, um dorminhoco gato preto.


  Domingo, 25 de maio de 2014

quarta-feira, 4 de junho de 2014

ADJETIVADA




                   Uma menina
                   Perebenta,
                   Morosa,
                   Arriada.
                   Tão só
                   Uma menina.

                   
                   Uma jovem
                   Pele benta,
                   Formosa,
                   Desgarrada.
                   Ainda  
                   Uma adolescente.

                   
                   Uma mulher
                   Tão benta,
                   Esplendorosa,
                   Encantada.
                   Mais que só
                   Uma mulher.