quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Amor de Menina



                                                    (*)



Ele era o moço mais bonito que já havia visto. Tinha os cabelos loiros. Os olhos verdes, o andar livre e o olhar cativante.

E ela, que nada sabia de amor, caiu feito uma patinha nas garras sedutoras do moço bonito e mais velho que ela. Nem percebeu na armadilha em que se enfiara naqueles tempos de colégio estadual. Acreditou nas  fantasias de menina apaixonada. Levou aquele amor para dentro de si. 

Assim que o via no bar, após suas aulas, sentia o coração palpitar, as pernas estremecerem e o rosto afoguentar. 

Procurou saber quem era ele e logo soube do nome completo. Nome e sobrenome com a mesma inicial. RRR. Até isto fora mais um fator para aumentar seu amor por aquele moço tão bonito.

E já não sabia mais de si. Sabia tão só daquele jovem no bar que lhe sorria no final das aulas.

De volta para casa nem percebia os olhares de um outro jovem. Bem mais perto dela. Um jovem feio, magrelo e mulato. No seu coração só havia um lugar. E este já estava ocupado.

Entendeu que estava deveras apaixonada. Uma menina que descobria o verbo amar traduzido em efeitos no seu corpo. 

Entretanto o moço loiro noivou com uma colega. A menina nem sabia que eles estavam namorando. Sentiu-se a menina mais feia do colégio. Rejeitada e traída, pensou que cresceria nas coisas do amor.

Viveu todo o luto daquele amor perdido. E, um dia, pela janela, viu o moço feio, magrelo e mulato que, do meio da rua lhe abria um sorriso. Sorriu de volta. Aceitou conversar com ele numa outra ocasião. Ele falava de matemática, de filosofia, de literatura e tinha a palavra como sua companheira. Ficou encantada. Tornaram-se grandes amigos. Passeavam juntos pelos caminhos do bairro.  
Até que, obediente aos pais que não achava aconselhável aquela amizade, inventou uma desculpa e afastou-se do moço. 

Era hora de novos rumos nos estudos. A menina, já moça, foi embora para outra cidade. Buscava seus sonhos de uma universitária.

Logo começaria a receber cartas do amigo. Ele estava estudando em outro estado. Só poderia voltar após concluir seu curso de três anos. Ela respondia  todas as cartas já esperando, avidamente, pelas próximas. 

Apaixonou novamente. Agora pelo moço feio, magrelo e mulato. E os pais não iriam afasta-la dele. Estava decidida arriscar pela nova paixão. 

No final daquele ano se encontrariam. Ele já formado e, ela, ainda na faculdade. E, no meio, muitas cartas de amor.

A jovem costurou roupas novas. Esperou. Ele chegou e a procurou. Os pais nada falaram. Ninguém iria impedir aquele amor.

Ela linda, dos cabelos claros, dos olhos esverdeados, no corpo de vinte anos. Ele feio, magrelo, mulato, dos cabelos de pixaim. 

Ela era puro encantamento. Ele era pura sedução. Jamais ficaram juntos. No meio deles uma outra mulher. Sempre.

E a menina-moça-mulher jamais soube o que é o amor.


03/09/2017


(*) Jovem Menina Penteando seu Cabelo- 1890. Pierre Auguste Renoir.








segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Fogo na Serra de Ouro Branco









E foi bem ali que o fogo começou. 
Olhei várias vezes aquele espetáculo entre a terra e o céu
De repente já eram duas gigantescas línguas lambendo a serra
E elas se multiplicaram velozmente
Eu ali, ainda incrédula, diante das chamas.
Ora as linhas vermelhas deitavam no meio da serra
ora ficavam dependuradas como se caíssem em pingos de fogo




A noite só começava
Era quinta de feira na avenida
Muitas pessoas foram degustar as delícias da região
Eu também.
Mas as línguas de fogo eram mais gulosas
Devoravam tudo
Vegetações e animais
O cerrado morria e virava cinzas
O cheiro de fumaça invadia a cidade

Eu ainda ali. Inerte. Impotente.
Meu olhar cambiava entre o fogo e a festa
Sobrevivi aos destroços de mim.

Quando a noite já ia alta
Dei jeito e rumo de casa.
Eu e a devastação da serra
dentro de mim

Eis que ao ir embora o vejo 
Tentava atravessar a avenida
Meu carro e eu passávamos
no exato momento.
Quantos anos se passaram
desde nosso último encontro?
Não sei...
Continuei meu caminho de volta

Dois dias depois ouço o roncar de aviões,
pareciam desesperados. 
Sobrevoavam a serra.
Bombeiros, brigadistas, biólogos,
ecologistas, gente do povo,
veterinários, donas de casa
juntaram esforços para debelar os vários focos incendiários
A serra se foi
O cerrado morreu
Secaram vários veios d'água.

E perder meu amor mais uma vez
Fez-me secar também.


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11/09/2017




quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Conto infantil: A Baleia Encantada









Juju era o apelido dela. Um filhote da família de baleias onde todas as filhas tem o mesmo nome ou seja: Jubarte. E os filhos também são chamados de Jubartes. Mas Juju foi carinhosamente chamada assim porque era uma baleinha muito esperta. Ela nasceu no oceano Atlântico, no litoral do Brasil, bem pertinho da praia e num belo lugar onde todos iriam vê-la e protegê-la.




Ela estava crescendo muito depressa mas vivia sempre ao lado de toda sua família. Adorava brincar dando saltos fora das águas, no mar. Parecia que iria voar quando suas nadadeiras levantavam como se fossem duas asas a leva-la nas alturas do céu.






Juju já estava danada de esperta. Havia alguns dias em que ela separava da sua família e chegava bem pertinho das areias alaranjadas daquela praia tão formosa. Então ela fazia várias estripulias. Pulava. Gritava. Esguichava água por suas costas. Parecia que queria brinca com as crianças na praias. Nessas horas a mamãe Jubartona ficava toda orgulhosa e comentava com seu marido Jubartoni: " Veja como ela é tão linda e alegre!"



E toda a família Jubarte gostava muito da pequena Juju e a protegia das redes dos pescadores e dos cascos dos navios. Sempre falavam que ela não deveria chegar próximo dos locais perigosos como aqueles.




Em alguns meses do ano, de acordo com as fases da lua, mudavam-se as marés e então todas as baleias apareciam bem perto da praia. Era quando a criançada e seus pais ficavam admirando a festa das baleias. Elas não cansavam de se exibirem em seus magníficos saltos fora d'água e faziam um grande barulho, esguichando água e brincando umas com as outras.



Fora numa festa dessas que Juju afastou de sua família e conseguiu chegar bem perto da praia. E foi, ao pular por cima das ondas, dar seu grito e esguichar água para todo lado, que seus olhinhos não tão pequenos de baleia, encontraram com dois olhinhos pequeninos de verdade. Era Edgar. Um menino que também havia se desgarrado de seus pais e que havia parado para ver as travessuras de Juju tão perto dele. A partir daquela troca de olhares, Juju ficou encantada com Edgar e Edgar ficou encantado com Juju.





Durante todo os dias seguintes das suas férias Edgar passou a levantar cedo e correr para a praia. Sentava uma rocha vulcânica e esperava pela chegada da baleinha esperta. Dai a pouco ela chegava pulando, brincando e fazendo suas piruetas no ar e no mar. Era seu jeito de mostrar felicidade ao ver seu amigo. E parecia que eles se entendiam nas conversas.

Entretanto, como nem tudo que é bom dura muito tempo, chegou o final das ferias e Edgar voltou para sua casa em outro estado; muito longe dali. Mas ele fez seu pai prometer que voltariam àquela praia em todos os meses de março, quando o outono chegasse. E seu pai aceitou o pedido. 




Porém no terceiro ano depois daquele aconteceu um inesperado. Juju que nada sabia do combinado de Edgar com seu pai, continuava a vir todas as manhãs naquele mesmo local bem perto da praia. E brincava. E pulava. E gritava, Ficava por muitas horas esperando por seu amigo. Por fim foi se entristecendo e perdendo seu encanto. 




A mãe de Juju, dona Jubartona, chamava sua atenção quanto aos perigos de nadar tão perto das areias da praia. Em águas rasas as baleias podem se encalhar. Dizia a mãe: " Você está crescendo minha filha e já não deve ficar nadando em águas tão rasas. Você pode garrar nas areias e ficar encalhada."




E o que as mães falam quase sempre são verdades, foi o que aconteceu. Juju já estava muito crescida, muito pesada e acabou ficando presa nas areias alaranjadas daquela praia tão dela.



Na manhã seguinte os pescadores da região acordaram bem mais cedo pois os gritos de dor de toda a família jubarte chegava bem distante. Correram até a praia e viram Juju chorando com seu corpo quase todo fora das águas do mar. Foi um Deus nos acuda. A notícia correu logo e, a cada minuto, chegavam mais pescadores e seus familiares para juntar força e empurrar Juju de volta para as profundezas do oceano. Enquanto os homens faziam forças de Hércules as mulheres e as crianças jogavam água por todo seu corpo que já estava ficando ressecado e desidratado.



Vieram soldados da marinha com muitas cordas e até uma lancha para tentar resgatá-la.
Nunca aqueles moradores viram coisa tão dolorosa. Choraram por todo tempo.

Juju não resistiu.

Logo depois, juntaram-se novamente, pescadores, moradores, visitantes, marinheiros, estudantes e uniram forças para enterrar Juju ali bem perto da praia. Os biólogos registraram e fotografaram tudo. A seguir comunicaram a todos que, depois de alguns anos, iriam retirar seu esqueleto e colocá-lo no Museu da Biologia Marinha Brasileira para que os visitantes conhecessem a história da Juju.




Do outro lado do país nossa história não acabou. Edgar e seus pais se preparavam para mais uma viagem de férias naquele paraíso das areias alaranjadas.

Edgar correu na manhã seguinte de sua chegada para esperar por sua tão alegre amiguinha grande. Ficou esperando por muitas horas. Ninguém queria contar ao menino o que acontecera com Juju. Falaram primeiro ao pai dele.
Após saber do ocorrido, Edgar continuou sentado na mesma pedra preta de sempre. Chorou muito. Voltou para a pousada e fez um pedido a seu pai. Um pedido muito estranho.

E hoje todos que forem visitar a Praia Formosa, das areias alaranjadas, verão um menino gigante esculpido em concreto, com boné, camisa e shorts coloridos, bem no alto de um mirante. 

E lá do alto, dia e noite, o menino olha para o mar esperando a volta de Juju.






Abril/2017

Agradecimentos especiais:
. Douglas S. Soares( ilustrador/14 anos)
. Tiago Paschoalin (assessoria)
. Francisco( assessoria)