domingo, 14 de janeiro de 2024

Crônica: Mineração aqui não!

 


O que será do Funil?


Hoje, durante meu café da manhã, um tucano veio me visitar. Ele chegou bem próximo a mim. Certamente queria compartilhar meu pão com café. Fiquei pensando na riqueza de nossa flora e de nossa fauna.

Lembrei que nos últimos dias fomos surpreendidos com moças batendo de porta em porta fazendo perguntas sobre nossa região.

Nossos grupos de whatsap logo acenderam as luzes e várias perguntas foram feitas dentro de nós.“Onde há fumaça, há fogo” pensei cá comigo. Cheguei a ser indelicada com as entrevistadoras recusando responder às perguntas. Elas que nada tem a ver com a serventia daquilo. Estavam apenas trabalhando. Peço desculpas.

Nascemos aqui ou escolhemos estas ricas terras para morarmos.

Nossas Minas Gerais vem sendo assoladas, por garimpeiros e mineradores desde sempre, em busca dos metais preciosos, ouro, ferro, manganês e, mais recentemente, o nióbio, além das nossas maravilhosas pedras preciosas incluindo nossos diamantes. Todas essas riquezas extraídas das nossas terras são exportadas para Europa, Ásia e para o império estadunidense onde brilham nas joalherias e nos museus ou onde nossos minérios são beneficiados retornando para nós a preços exorbitantes. 

Quem de nós exibe relógios dos nossos ouros ou outras joias das nossas pedras preciosas? (Ainda bem que nosso sotaque “mineirês” foi, atualmente, reconhecido como um dos mais belos do mundo).

Nós, os mineiros, ficamos com os buracos nas nossas serras, com nossos rios secos e contaminados, com as erosões em nossas terras, ficamos também com vários tipos de doenças incluindo as graves doenças da pele ou aquelas que matam lentamente como as doenças pulmonares. Ficamos com os trabalhos insalubres e com a pobreza de nossa gente.

Nesta semana ouvimos burburinhos de reuniões dos herdeiros das terras desejadas pelas mineradoras. Obviamente que surgiram “pulgas atrás das orelhas”. Eu, particularmente, me entristeci. Considero que nossas maiores riquezas não advêm daquilo que conseguimos adquirir com o “vil metal”. Sempre me lembro de um grande parlamentar mineiro lançar questionamentos sobre as mineradoras predatórias que destroem nossas terras, ficam com o lucro e deixam feridas abertas por onde passam. Diz ele que é necessário rever nossas políticas ambientais senão das nossas Minas Gerais sobrará apenas seu nome. Lembro também de uma bióloga dizer que existem trabalhos científicos mostrando que não haveria mais necessidade de minerar nosso planeta uma vez que todo o minério já extraído, caso fosse reciclado, resolveria esse sério problema com a Terra. Lembro também do nosso querido líder indígena, Airton KrenaK, ambientalista, sociólogo, filósofo e escritor ao dizer que
“Governos burros acham que a economia não pode parar. Mas a economia é uma atividade que os humanos inventaram e que depende de nós. Se os humanos estão em risco, qualquer atividade humana deixa de ser importância. Dizer que a economia é mais importante é dizer que o navio importa mais que a tripulação.”

Devemos sempre ter em mente que “recursos naturais” não são renováveis, um dia eles acabarão.

Que pensemos sempre sobre nossas vidas que devem estar acima de quaisquer bens financeiros.

Mas eu só queria falar das minhas caminhadas por nosso Funil quando deparo com belezas tantas que meus olhos ficam extasiados e meu coração feliz. Nestes tempos de mangas por todo o Funil, há o aroma das muitas espécies por todo trajeto. Neste tempo há flores colorindo nossos caminhos. No Funil existem muitas mercadorias que não se compram e nem se vendem como a tranquilidade, o silêncio, a segurança, nossas minas d´água, nosso Córrego do Vinho com suas histórias, nossas lendas e tradições, nosso subsolo e toda gente que nasceu e cresceu aqui.

É importante que nos perguntemos que lugar queremos deixar para nossos filhos e netos.

Também é importante lembrarmos que a cidade de Mário Campos é a segunda menor cidade, em extensão territorial, do estado de Minas Gerais e que, apenas uma mineradora, ocupará a quinta parte deste território.

Então uma pergunta se impõe: “O Funil sobreviverá aos impactos ambientais de uma ou duas mineradora?”

As soluções quando sonhadas e compartilhadas são soluções enriquecedoras.


Sábado, 13/01/2024

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Crônica: Um encontro impensável


Meu interesse por Nova Zelândia vem se dando ao longo dos anos, ora através de conversas escutadas  como o fato de uma conhecida jovem, ainda nos anos noventa, ir ajudar a filha com seu primeiro bebê, uma vez que a mesma havia escolhido aquele país para viver. Ficava me perguntando como uma adolescente fora sozinha para um país tão distante e de tão difícil acesso? Ora meu interesse por aquele país também se dava através de postagens das mais belas paisagens reconhecidas por autoridades fotográficas de todo o mundo.

Nestes mesmos anos noventa, assisti ao premiadíssimo filme “O Piano”. Ver aquela ilha com suas montanhas geladas costeiras, com seus povos Maōri foi uma fantástica descoberta. Eu queria saber mais sobre aquele país insular. Comecei a procurar filmes ambientados na Nova Zelândia mesmo com meu parco tempo para ser cinéfila com filhos pequenos e muito trabalho. Mas meu lazer eram os filmes e, preferencialmente, de países e povos distantes.

No início dos anos dois mil me encantei com outro filme também belíssimo, também ganhador de vários prêmios, inclusive de atriz revelação, e também filmado nas praias da Nova Zelândia. "Encantadora de Baleias" era o nome do filme cuja presença dos povos Maōri aumentou minha curiosidade. Aqueles povos com suas tatuagens e seus costumes me chamaram a atenção . O que eu jamais poderia imaginar é que viria a conhecê-los tão de perto.

Aotearoa é o nome que os Maōri -  povos polinésios das ilhas Cook - deram ao arquipélago tão logo avistaram as montanhas geladas com nuvens brancas cobrindo toda a região. “Terra da longa nuvem branca” é o significado de Aotearoa e hoje é um dos nomes oficiais da ilha juntamente com Nova Zelândia. Não se sabe ao certo em que época esses povos aportaram na ilha. Eram grandes guerreiros lutando por territórios menos inóspitos para suas sobrevivências. Dos preparativos para as suas lutas surgiu a dança Haka, como forma de paixão e intimidação dos guerreiros para com outros guerreiros, atualmente, apresentada com orgulho em eventos culturais pelo mundo afora.

Dani, minha nora, já tem bastante conhecimento dos povos Maōri e foi ela quem me contou muito sobre eles e suas tradições.

Aramã, amigo do meu filho, sabendo do meu interesse em conhecer mais de perto a cultura daqueles povos e, atualmente, trabalhando num Marae (“espaço” na língua dos povos Maōri) conseguiu que eu “fosse aceita” numa “cerimônia de boas vindas” restrita aos seus povos e que se dá na pequenina casa de oração. Conversávamos bastante sobre diversos assuntos. Aramã é um grande intelectual e muito estudioso. Um destes assuntos girava em torno do seu trabalho junto aos Maōri. Foi ele quem me explicou  sobre a mistura das religiões, dizendo que, devido ao fato deles terem também suas divindades e guardiões,  semelhantes às religiões cristãs, com seus mártires e santos, houve uma junção destas últimas pelos povos quando da chegada do colonizadores ingleses no século XIX. Atualmente essas "religiões” vivem harmoniosamente.

Voltando à minha visita devo dizer que, assim que entrei no Marae, me chamou atenção a beleza e a grandiosidade do local. Mais tarde Aramã me falaria da arquitetura daqueles imensos espaços projetados como o corpo de uma baleia e cada espaço sendo pensado como um órgão dela. "A casa de orações é o coração da baleia" disse-me ele. 

Logo que cheguei fui apresentada a uma trabalhadora que me ofereceu um café. Daí fui sendo abraçada por várias outras  trabalhadoras do local. 

Naquele dia estavam sendo esperados cinco prisioneiros para que fosse apresentada a eles uma proposta de “reinserção social” cujo resultado do projeto já vinha sendo observado pelo departamento de correções com outros sujeitos infratores. Ali também estavam trabalhadores de empresas terceirizadas junto ao estado para  acompanharem a proposta. Foi então que, entre essas pessoas, estava Lu, uma gaúcha que eu já havia conhecido e, de quem, já havia gostado.

Chegou a hora da cerimônia de boas vindas, a que chamam de Pōwhiri – no idioma deles não há a letra F que é substituída por “wh” com seu mesmo som. Todos calados caminhamos em direção à “igrejinha” sob um forte sol branco e frio. De um lado os kaumātua”, pessoas mais velhas e de grande sabedoria que conduzem a cerimônia. Atrás destes estavam os trabalhadores do Marae. Do outro lado ficaram os poucos convidados, os cinco presidiários, alguns trabalhadores do presídio, assistentes sociais e eu.

O coordenador, a quem fui apresentada, iniciou as orações em Te reo - idioma Maōri – e, logo depois, repetidas em inglês. O silêncio era total. Pareceu-me que ele falava com o coração. Eu olhava com curiosidade para aquelas pessoas com suas inúmeras tatuagens pelo rosto e pelo corpo. Já havia notado a bela tatuagem no rosto do coordenador a quem havia sido apresentada. Havia uma inexplicável serenidade ao redor. Neste momento muitas vozes dentro de mim evocavam minha vida ali. Debulhei em lágrimas. Saudades das filhas que ficaram no Brasil. Saudades antecipadas do meu neto que ficaria naquele país. Saudades de mim. Uma enxurrada de lágrimas lavou meu rosto, banhou meu coração e me refez em calmaria.

Chegada a hora das saudações. A fileira dos "kaumātua” esperava que cada convidado fosse até eles e, então, encostava seus narizes nos nossos narizes e suas testas nas nossas testas. Parecia que eu estava dentro de uma cena de filme. Depois também fui abraçada por alguns deles como nas saudações ocidentais.

Aprendi que suas tatuagens têm registros de suas vidas, de seus ancestrais e de suas posições hierárquicas na tribo. Os homens têm suas tatuagens no rosto, nádegas e coxas. As tatuagens no rosto indicam superioridade uma vez que a cabeça é considerada a parte mais sagrada do corpo.

A seguir caminhamos de volta ao centro da baleia onde um delicioso breakfast nos esperava junto à cozinha. O coordenador expos o projeto para os homens apenados, me apresentou ao grupo e agradeceu minha visita. Sentei numa mesa onde havia apenas um homem bastante envelhecido, com cabelos e barba crescidos e pude perceber que se tratava de um dos prisioneiros em busca de ressocialização. Cumprimentei-o com um leve sorriso como se o pedisse licença para sentar ali. A seguir uma colega de trabalho do Aramã, a quem já havia sido apresentada, aproximou com um belo sorriso e sentou-se ao nosso lado. 

Terminadas as falas, fui até ao coordenador, agradeci a ele ter aceitado minha participação na cerimônia de boas vindas e o pedi para fazer algumas fotos daquele espaço e do nosso encontro e assim o fiz após sua autorização.

Voltei para casa inebriada pelo Pōwhiri e ainda mais desejosa de saber sobre aqueles guerreiros enormes,  tatuados por todo o corpo, que dançam como se estivessem debochando dos adversários ao mostrar-lhes as línguas com olhos arregalados e com gestos intimidatórios.

Decidi que ainda hei de voltar em Aotearoa, brincar muito com meu neto, passear com ele pelos parques, conhecer outras cidades e, quem sabe, ser submetida a um Tohunga (tatuador)  e um fazer uma Tā moko (tatuagem Maōri).

Assim  quero e espero.

20/12/2023

Observações:
Deem um zoom na primeira foto e vejam a tatuagem na face do coordenador.

Caso façam algum comentário não esqueçam de colocar de se identificarem. 


Agradecimentos: 

À Dani por tudo que me ensinou sobre os povos Maōri e sobre a Nova Zelândia.

Ao Aramã, pai da belíssima menina Amora, pela disponibilidade e gentileza em me levar a tão sagrada cerimônia e me ensinar tanto sonbre tantas coisas.


           Capela de oração no Anderson Park - Invercargill



Guardião da casa de oração do Marae



       Lu e eu 


Porta de entrada da Casa de oração




Uma das coordenadoras e eu