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Aventuras no fim do mundo
Agora o trem que voa esta derrapando numa curva fechada. Tombou pra direita e logo se ajeitou. “Segura peão”. Teria advertido ao meu neto quando de nossas viagens pela estrada de Ouro Branco a Ouro Preto.
- Virgemaria!!! Agora ele está apontando para o céu. Será que ele vai pra lua, ou quem sabe prá Júpiter?
Decididamente, viajar de ônibus é muito mais divertido. A gente fica só escutando as conversas uns com os outros. De vez em quando as empresas vendem um mesmo lugar para dois passageiros e então, o furdunço fica arranjado. “Essa poltrona é minha. Dá licença, por favor!” Até vir o motorista que ajeita tudo e, dai a pouco, se vê um oferecendo um pedaço de sua matula para o outro e as pazes são feitas nos sabores.
Mas esse pássaro de lata nem sabe os gostos da gente. Ficam oferecendo biscoitinhos e água. Nenhum cafezinho. Ficamos todos espremidos como se nossos corpos fossem feitos para dobrar em ângulos retos... Com os narizes empinados. Eu bem que ia querer que esse avião parasse num restaurante de beira de estrada. Nós mulheres sairíamos correndo para os banheiros e ficaríamos equilibrando bolsas nos ombros para o trabalho de descer as calças. Depois lavaríamos as mãos e, como madames, olharíamos nos espelhos, passaríamos um baton, e ainda nos sobraria tempo para um café arretado, coado, mais um salgado ou um pão de queijo. A seguir voltaríamos correndo para a garupa desse cavalo alado e teríamos sonhos de amores.
Eu resolvi dar um pulinho logo ali para ver meu filho, minha nora e meu netinho. Queria ir de ônibus, é claro, mas não consegui nenhuma empresa que se aventurasse a atravessar o mundão de água do oceano Pacífico. Só mesmo pegando a rabeira de algum avião. E lá fomos nós, minha filha e eu, até São Paulo. “Vou te colocar dentro do seu vôo e voltarei para cá.”
E assim foi. Quando o motorista falou que ia descer em Garulhos, o danado do possante imbicou para cima e baixou o rabo. Parecia um galo safado.
Nunca vi tanta gente perdida esperando aviões. “Acho que vou bater em retirada. Não quero mais viajar por esse mundão de meu Deus”. Era eu e meus pensamentos. Mas a saudade do meu neto foi maior que meu desespero e lá fui eu para dentro da barriga de um Boeing assustador. “Prá onde vai tanta gente?”
Muitas perguntas dentro de mim e, a que mais me encafifou, foi sobre os tais fusos horários. Pois preste atenção se não é para endoidecer a gente: ficarei viajando por vinte e quatro horas e chegarei dois dias depois. Ah, não! Muito esquisito. Quero saber onde estarei no dia do meio! Será que cairei dentro de algum buraco negro? Já falei para o meu neto que se eu ficar perdida no espaço é para ele pegar uma de suas naves espaciais e me procurar. Acho que poderei estar orbitando em torno da constelação de Câncer e em prantos como uma autêntica canceriana.
Está na hora de deixar a prosa e caminhar de novo para outro trem voador. Então até depois de amanhã, caso não tenha engarrafamento nas estradas do céu. Agora é só eu comigo.
E, finalmente, cheguei ao fim do mundo. Última cidade ao sul da ilha sul da terra nova do Zé. Das janelinhas do avião vejo a cadeia de montanhas esbranquiçadas de neve e os belíssimos rios formados pelas águas do degelo delas.
KIA ORA é a primeira palavra que vejo escrita num charmoso aeroporto todo cunhado com arte maori.
“Esta palavra maori significa ‘Olá, ei e serve para designar alegria, estar bem saudável, satisfação, agradecimento, ect.” Disse minha nora. Então KIA ORA para todos vocês.
Enfim cheguei nas águas geladas da “Encantadora de Baleias”.
Invercargill, N.Z.
27/28 de agosto de 2023
(Logo alí
uma placa com uma seta indicando a Antártica)
(Observação:
Depois de tresnoitada, depois de 19 horas de esperas em cinco aeroportos diferentes,
de 24 horas em 5 voos diferentes, cheguei no fim do mundo onde mora meu neto.
Faria tudo outro vez para vê-lo tão feliz.)
Agradeço as fotografias cedidas gentilmente por minha nora.
Cogumelos na cidade de Te Anau
Matariki (anō novo Māori) no Queen's park
Milfords sounds
Te Anau
Montanhas geladas/ nevadas