segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Passariformes


Godelo
um pássaro
de tamanho médio
De tão pretas
suas penas
brilham
azul marinho
Elas chegam
espantam os menores
comem suas refeiçoes
e
botam seus ovos
nos ninhos do Tico-tico
A mãe tica-tica
aquece
e cria os filhotes
como se seus fossem.
Não sabem os
Godelos
que só as fêmeas
dão crias
e
sabem do amor.

26/10/2016

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Desculpe-me por favor!


   -Desculpe-me por favor!

   Estas foram as únicas palavras possíveis de serem ditas naquele momento. Extremamente constrangida a colega desconversou e nem procurou o abraço tão esperado daquele dia. Enxurradas de lembranças ruins acometeram-na durante todo o resto da festa e adentraram pela noite. Entretanto sendo uma ocasião especial, Tereza precisava se recompor rápido daquele incidente pois queria aproveitar cada minuto ali junto dos colegas dos tempos de faculdade.

   Foi assim que fatos remotos vieram se misturar àqueles de agora. Não se lembrava como começara aquela história de quiromancia. Mas tinha certeza de que havia estudado muito aquela arte cigana durante um tempo de sua juventude. Chegara até a fazer cursos para tal exercício. E fora dessa forma que começou a ler as mãos das amigas, das colegas e de quem lhe pedisse. Nada de comercializar as verdades trazidas nas linhas das mãos. Fazia aquilo por puro deleite.

   Não usava uma bola de cristal, nem um cenário de luzes e cores para dizer do que reservava a vida para cada qual. Pegava a mão contrária àquela usada para a escrita e observava as linhas com seus trajetos, seus formatos, contornos, inclinações, os montes por onde elas caminhavam e seus significados. Para ela tudo aquilo fazia parte de seu imaginário espetacular mas nada dentro de sua realidade.

   Novamente lhe vinha à memória aquilo que o colega havia lhe dito naquela tarde comemorativa dos trinta e cinco anos da formatura em direito. Ela acabrunhada, tentava estar bem. E fizera longas viagens em seu interior. Aquilo lhe deixara sufocada. Quanta besteira não havia dito a tantas pessoas naquela sua mania de falar mais do que a boca lhe permitia.

   Tereza avalia hoje que a quiromancia fora mais uma invenção que possibilitou sua inserção no social. Deste modo ela conhecia e brincava com todos. E mantinha sua vida protegida. Era assim que deveria ter acontecido. Assim, ainda hoje, se livra dos fantasmas que insistem em rondar seus pensamentos. Com  certeza que ela nada sabia de cada um. Só sabia daquilo que as linhas estavam lhe dizendo. Obviamente que acertava em várias situações. Quem nunca sofrera de amor? Quem nunca pensou em ser rico? Quem nunca fora trocado por outro? Quem nunca desejou uma bela carreira? Entretanto ninguém jamais haveria de desejar morrer jovem, ou perder a amada...

   Aquele seu colega era para ela uma incógnita. Considerava-o fora do páreo de suas preferências estéticas. Entretanto jamais ousou duvidar de sua coragem e de seu talento. Desdenhava o colega por baixo daqueles cabelos encaracolados e daquela voz estridente. Era só mais um colega. Tereza sempre estivera mais voltada para si do que para tudo que ocorria no mundo fora dela. E já tinha olhares para outro colega.

   Pois bem, de uns dias para cá vinha recolhendo tudo que se referia ao tal colega. Percebeu que fora muito preconceituosa. Ficou surpresa com tanta informação elogiosa para com ele. Logo passou a desejar conhecer esse colega desconhecido. E deparou-se com um grande cidadão. Com ideologias sócio-políticas parecidas com as suas. Com a mesma dedicação profissional que a sua e por aí afora. E um promotor atuante no interior de Minas. Poderiam ter sido grandes amigos.

   Então viajou para aquele encontro com o desejo enorme de abraçá-lo. Nada precisaria ser dito. Estava no não dito. Implícito. Já haviam trocado algumas poucas palavras no grupo virtual instituído para tal fim. E fora neste implacável recurso tecnológico que ele fizera tal revelação. Lembrou que Tereza havia lido sua mão e dissera que ele viveria até os trinta e cinco anos. “Era por isto. Você não gostava de mim.” Dissera ele na referida mensagem.

   A partir daquelas palavras ela perdera o chão. De vergonha. Desnorteada rumou para a festa. Mas perdeu o abraço. Porém se encantara com a lucidez do colega.

   E Tereza pensou que poderia tentar enganá-lo e reafirmar sua leitura da linha da vida. Diria que teriam sido necessários trinta e cinco anos para que ela tivesse um olhar vivo para ele.



19/10/2016

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Terceira Gaveta


então
há que se arrumar
tudo misturado
panos de prato
com desenhos de vaca e pato
toalhas de mesa
lá vem a sobremesa
belas passarelas
de crochê
“Um presentinho pra você”
minhas irmãs
na geladeira imãs
volto para minhas gavetas
na primeira talheres miúdos
na segunda talheres graúdos
na terceira meus panos de prato
limpos, perfumados
devo dobrá-los
todos do mesmo jeitim
pontas pra lá
dobras pra cá
enquanto faço assim
esqueço de mim



05/11/2016