domingo, 26 de maio de 2019

Poema: Café de domingo







Acordei domingo

verdejando folhas

pela janela

tomando café comigo

Já nem sei se sou ipê

ou sou mangueira

Talvez a orquídea

florescendo

na sibipiruna

Quem sabe

sou o azul do céu

Ou verde árvore

sou areia do mar

ou água derramada.







26/05/2019

sexta-feira, 24 de maio de 2019

AMANTES OUTONAIS



                                                          (*)

A manhã estava esplendorosa. Era uma qualquer manhã de outono. 

A água fria da piscina exigia exercícios rápidos. Era preciso esquentar os corpos.

Apenas o coração daquela menina de sessenta e três anos já  se encontrava bem aquecido. Júlia estava ausente da hidroginástica havia mais de um ano. Ninguém dava notícias dela. De repente seu sorriso apareceu naquelas águas geladas antes mesmo do início da aula. 

Assim como o sol nossa colega estava radiante. 

Devagarinho e com muita alegria, vai contando sobre seu novo amor. As colegas damos risadas e escutamos a história daquele romance da terceira idade. Júlia voltou a ser a primeira namorada daquele jovem de setenta anos. E nos outonos das vidas o amor reacendeu dois corações. 

Cantado, decantado, falado, versado, declamado, sonhado, escrito nas estrelas e, por ai afora, está o amor. É preciso ter olhos para ver o olhar do outro. É preciso escutar o outro nas entrelinhas. É preciso se fazer desejada pelo outro. 

Mas eis a questão que se coloca para a grande maioria das pessoas: como se fazer querida ou querido quando não se reconhece portadora ou portador daquilo que poderia causar desejo no outro? O que tem Júlia, aos sessenta e três anos, ou o que tem Zezinho, aos setenta anos, para que, no reencontro, tenham se encantado de novo? 

Porém isto agora  não tem a menor importância para os amantes outonais.  

E que sejam amantes também no inverno, na primavera, no verão e, de novo, no outono. Para sempre ou enquanto durar a chama ardente da paixão. Sabemos bem que amor e paixão não tem idade. Só tem tesão.


(*) Foto feita pela autora da Sala Vermelha do Inhotim há em junho de 2017

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Lançamento do livro "Rosa nos Tempos"




É com enorme alegria que convido os moradores de Mário Campos, de Brumadinho, de Sarzedo e das regiões vizinhas para participarem comigo da noite de lançamento do meu primeiro livro de contos "Rosa nos Tempos". 

O evento acontecerá na noite de 18 de maio, sábado, na Parada do Gigante, do nosso amigo Carlos Alberto, na região do Funil, em Mário Campos.

Um pouco da minha história com a região: há quinze anos me encantei com o povoado do Funil. Logo comprei minha chácara, construí meu chalé e fui conhecendo as pessoas de lá. Descobrir que todos vieram de uma mesma família. Mais tarde viria saber que a cidade de Mário Campos nasceu a partir dali.

Mas o tempo passou, os filhos voaram, minha aposentadoria chegou e, junto, chegou meu desejo de retornar aos familiares que há mais de quarenta anos deixei em Conselheiro Lafaiete. Decidi voltar para aquela cidade e morar na mesma casa onde vivi criança. Obviamente que não me adaptei. As pessoas eram outras, minha rua era e a cidade era outra também.

Então voltei para os morros e as flores que tanto me fascinaram e que tanto embelezam o Funil. E, mais uma vez, as pessoas dali me receberam carinhosamente. Não pretendo sair daqui. Acho que meus pés já fincaram raízes nestas terras vermelhas de minério.

Tô aqui e por aqui quero ficar.

Abraços e obrigada a toda gente do Funil e região.





sexta-feira, 10 de maio de 2019

Conto: A camisola de dormir





                                         (*)


A menina bem que gostava de todo aquele luxo. A casa era a mais chique da rua. Os móveis clássicos davam a impressão de que ali não se deveria sentar. Os vários quartos com suas camas eram propriedades privadas. Nem pensar em olhar para aqueles recintos. Ali moravam sua tia com o marido, os filhos e sua mãe.

A menina brincava o tempo todo esperando a hora do café da tarde. Ou quem sabe não ficaria até o jantar para se deliciar com toda aquela comida gostosa. 

A avó ensinava os pontos básicos do crochê. Primeiro as correntinhas. Depois os buracos como se fossem redes. A seguir pontos abertos e pontos fechados que ela achava muito bonito. O ponto aranha viria por fim. Ela nunca gostou deste ponto mas sabia do seu lugar de destaque nas peças crochetadas por ele.  A irmã aprendia com muito mais facilidade mas não tinha a tal disciplina exigida pela avó que logo arrumava uma desculpa para mandá-la de volta para a casa da mãe.

A menina se fazia de boazinha para ganhar privilégios. Atendia a todos os pedidos e ordens da avó e da tia. Percebia que havia algo de estranho no ar no que se referia a ela mas resistia a tudo pelo prazer dos quitutes. Entretanto na hora dos tais cafés da tarde, enquanto devorava os bolos e os pães caseiros, lembrava dos irmãos em casa. Certamente estariam comendo angu frito que, de propósito, havia sido feito em demasia na hora do almoço. Lembrava da irmã que fora embora a mando da avó ou da tia.

Terezinha era o nome da menina que si fazia de boazinha. Logo ela aprendeu, de forma muito perigosa, a ter mais dias naquela casa. E já aprendera muitos pontos no crochê que a avó não parava de ensinar. A irmã, que aprendera com muito mais desenvoltura, já confeccionava todo tipo de trabalho, até o famoso ponto segredo que Terezinha sempre achava o mais bonito.

Um dia a avó mandou que Gracinha, a irmã, começasse a crochetar uma camisola na linha mais fina, cara e das cores mais bonitas que existia: uma mercê-crochê na cor rosa claro. Gracinha não se intimidou. Começou logo seu trabalho com capricho e encanto. Certamente a avó iria lhe presentear por seu trabalho. A cada dia a tal camisola ia crescendo e ficando mais perfeita.

E a camisola ficara pronta na semana do aniversário de Gracinha que, toda contente, tinha certeza que seria  presenteada com seu trabalho. Pensava que a avó iria lhe fazer uma surpresa. 

Terezinha ficava só admirando o talento da irmã que estava virando uma mocinha muito linda. Ia fazer doze anos. E ela ficaria muito feliz dentro daquela camisola cheia de pontos difíceis.

Chegou o aniversário da irmã. Logo cedo ela foi para a casa da avó. Estava ansiosa para ganhar o presente. Na hora do almoço a tia disse para que ela voltasse para casa porque a mãe poderia estar esperando e ficaria preocupada. Nada de presentes. Talvez a avó tivesse esquecido. 

No outro dia Gracinha fora lá bem cedo e a avó pediu que buscasse uma folha de presente bem bonita. Lá fora a irmã cumprir o pedido. Ou a ordem? A avó então diz para a neta que aquela camisola era um presente para Aninha, a neta filha de um outro filho seu. Aninha era vestida como se fosse uma boneca. E era educada para ser princesa.

A irmã voltou para casa. Era só tristeza e raiva. 

A mãe das duas irmãs vivia muito doente. Então elas suspeitavam que a avó e a tia rica falavam que o filho não deveria ter se casado com ela. Gracinha juntou isto com aquilo e foi à forra. Nunca mais voltou para cumprir pedidos ou ordens.

Mas Terezinha continuava indo pois sua gula falava mais alto que seu orgulho. Não quis mais aprender crochê. Passou a ficar só brincando com a prima e sua bonecas. Uma delas era do tamanho da prima e até falava "mamãe".

E os tempos passaram. Eles são implacáveis. 

Gracinha cresceu "topetuda" como dizia a mãe dela. Casou. Teve quatro filhos. Virou a avó mais doce da família. Hoje ela faz inúmeras peças em crochê e muitas roupas para as netas. Sem quaisquer discriminações.

Terezinha não gosta de crochê. Amarga ainda hoje a desfeita que a avó fizera com sua irmã. E amarga ainda mais a sua gula, a sua falta de solidariedade com a irmã naqueles tempos. Só de uma coisa ela se orgulha: do imenso amor que sente por Gracinha e da saudade da mãe adoentada.

Observação: por favor, assinem os comentários para eu saber quem são vocês. Certo?





(*) Foto feita pela autora no hall de um hotel em Amsterdã - julho de 2018