sexta-feira, 24 de maio de 2019

AMANTES OUTONAIS



                                                          (*)

A manhã estava esplendorosa. Era uma qualquer manhã de outono. 

A água fria da piscina exigia exercícios rápidos. Era preciso esquentar os corpos.

Apenas o coração daquela menina de sessenta e três anos já  se encontrava bem aquecido. Júlia estava ausente da hidroginástica havia mais de um ano. Ninguém dava notícias dela. De repente seu sorriso apareceu naquelas águas geladas antes mesmo do início da aula. 

Assim como o sol nossa colega estava radiante. 

Devagarinho e com muita alegria, vai contando sobre seu novo amor. As colegas damos risadas e escutamos a história daquele romance da terceira idade. Júlia voltou a ser a primeira namorada daquele jovem de setenta anos. E nos outonos das vidas o amor reacendeu dois corações. 

Cantado, decantado, falado, versado, declamado, sonhado, escrito nas estrelas e, por ai afora, está o amor. É preciso ter olhos para ver o olhar do outro. É preciso escutar o outro nas entrelinhas. É preciso se fazer desejada pelo outro. 

Mas eis a questão que se coloca para a grande maioria das pessoas: como se fazer querida ou querido quando não se reconhece portadora ou portador daquilo que poderia causar desejo no outro? O que tem Júlia, aos sessenta e três anos, ou o que tem Zezinho, aos setenta anos, para que, no reencontro, tenham se encantado de novo? 

Porém isto agora  não tem a menor importância para os amantes outonais.  

E que sejam amantes também no inverno, na primavera, no verão e, de novo, no outono. Para sempre ou enquanto durar a chama ardente da paixão. Sabemos bem que amor e paixão não tem idade. Só tem tesão.


(*) Foto feita pela autora da Sala Vermelha do Inhotim há em junho de 2017

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