segunda-feira, 27 de junho de 2022

Crônica: “KIGÔ”

 

                                      


Ontem deitei com um propósito: “levantar bem cedo amanhã, regar minhas flores e mudas de frutas, tomar café com uma das filhas que sai para o trabalho e fazer um 'KIGÔ'”. Já vinha pensando numa caminhada inspiradora há alguns dias, mas nunca imaginei que isto que eu queria fazer tinha um nome especial e, menos ainda, que fosse um nome em japonês.

Pois bem, há quinze dias iniciamos, um grupo de colegas da oficina de escrita e eu, um curso básico de haicai, que são poemas de três versos, com um total de dezessete sílabas, que retratam um instante como se fosse uma fotografia em palavras. Seu tema sempre está ligado a natureza no aqui e agora como um clique dos sentidos. Sua origem está no Japão onde é amplamente difundido e onde viveu seu maior mestre – Matsuo Basho que viveu no século XV. O Brasil é o segundo país do mundo onde mais se escrevem Haicais. Ou seja, estou aprendendo a ser uma “Haijin”, aquela que escreve haicais.

Nosso mestre, o poeta haicaista/haijin curitibano – Álvaro Posselt – tem seus haicais espalhados por todos os cantos de Curitiba (abaixo escreverei alguns de seus haicais).


Na aula de ontem ele nos apresentou “KIGÔ” que é a palavra japonesa para designar o termo sazonal, ou palavra de estação.

Então lá fui eu não tão cedo nesta manhã de início de inverno pelos caminhos no entorno da minha casa na bela região do Funil, na cidade de Mário Campos. Com meus óculos escuros e outros para ler, um celular para as fotografias e os pensamentos nos ares. Precisava, pelo menos, pensar como seriam os deveres de casa sugeridos pelo professor.

Entretanto na primeira rua encontro um vizinho e um amigo comum, especialista no plantio de palmeiras e tantas outras folhagens. Pedi licença e fui logo falando do meu propósito com eles, qual seja, falar sobre a possibilidade da instalação de mineradoras na nossa região e os impactos ambientais que sofreremos. A conversa rendeu bons frutos; comprei a muda da tamareira oriental “Phoenix dactyilifera”, cogitamos nomes para a flora, M.C. Palmeiras (Mário Campos) ou Mariano Flora ou M.C. Flora Funil? Mais algumas conversas, algumas fotos e continuei no propósito daquela manhã, procurar KIGÔS, não resistindo ao encanto da floração do manacá-da-serra no quintal da casa da minha jovem e querida vizinha. 

Sozinha pelas ruas deparo com o voo rasante de um tucano que se escondeu num galho ao meu movimento com o celular para fotografá-lo. -Ainda hei de aprender a fazer fotos desses maravilhosos pássaros- Ousei entrar por uma rua sem saída e qual não foi minha surpresa ao ver tantas casas bem cuidadas, com variados estilos e muitas flores. Obviamente que saí fotografando tudo.

Voltando para casa tive a certeza de que é aqui que quero continuar vivendo. As mineradoras que procurem outros lugares para minerar, mas que não destruam nem interfiram nas comunidades originárias. O Funil, com suas riquezas na flora, na fauna, nos recursos hídricos e minerais é nosso. O Funil com suas tradições nas festas de Santo Antônio, de São João, de Nossa Senhora do Rosário e os congadeiros, é nosso.

Nenhuma indenização que, por ventura aconteça, vai possibilitar comprar nossas histórias e nossas lembranças destes lugares. O Funil é parte de nossas vidas.

Funil, 25 de junho de 2022.

Eis alguns haicais de Álvaro Posselt



“A vida é agora

Se alguém chegar atrasado

vai ficar de fora”



“Choveu tanto aqui

que até caiu

outro pingo no i¨¨”



“Noite do espanto

Fui baixar um arquivo

baixou-me um santo”



“Uma dúvida virou poema

O menino perguntou à mãe

se o sol é feito de gema”

Fotografias: desta manhã, feitas pelo celular








(ruas com nomes de pessoas originárias da região)

                                     (manacá-da-serra no terreiro da casa de amiga)

                                            (Uma jaqueira com frutos crescendo)

                                                (Cuide do seu lixo)


                                                       (ipês pelos caminhos)



                                                   (eis aqui o tucano)


                                                         (pedra miúda e pedra graúda)

                                          (mudas de palmeiras -Flora buscando um nome)



                                                    (muro da casa de amigos)


sábado, 18 de junho de 2022

Crônica de uma tarde de outono

 




Da noite de anteontem pra ontem nem consegui dormir. Afinal não é sempre que recebemos em nossa casa um grupo de pessoas amigas tão distintas. Minha casa ficou encantada com tantos poetas, escritores, artistas plásticos, professoras de biodança e ioga (musa inspiradora de poeta paraense), musicista, teve até uma madre superiora com profissão de tradutora juramentada. Foi um encontro pra lá de especial. Trouxeram quitutes, presentes, bebidas, temperos especiais, comidas vegetarianas e tantas outras delícias.

Minhas filhas e a grande amiga e colega de três décadas, juntamente a mim, recebemos este grupo com alegria e um trabalho saboroso.

A organização ficou, como sempre, a cargo do “fazedor de laços” como bem disse a artista dos desenhos e bordados. Nada falhou.

Meu coração que já vinha desandando acabou alinhando-se no compasso dos abraços, dos sorrisos e das conversas. Meus ouvidos que já andam trocando pirralho por cara... queriam escutar e entender tudo o que falavam por ali. Coitados deles. Mas se faltaram escutas, não faltaram entendimentos.

Após a primeira rodada dos diversos comestíveis gentilmente ofertados pelo grupo, a madre superiora iniciou o sarau na tarde de um sol acolhedor. Trouxe-nos uma bela história das conversas acerca da "Melhor Idade" da menina Valentina com seu avô.

O “fazedor de laços” nos apresentou o belíssimo poema “Túmulo de Lorca” da premiada poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. Nesse momento meu coração desandou de novo pois me levou de volta aos trágicos assassinatos recentes dos líderes indigenistas brasileiros. Momento sombrio das desgovernanças pelo Brasil afora.

Mas a declamação da poesia de Adélia Prado pela colega, artista de teatro, acalmou as batidas descompassadas e todo meu corpo viajou na suavidade das palavras de poeta setelagoana.

A musa inspiradora nos trouxe a poesia “No lugar do medo” do poeta paraense, Max Martins, o que foi uma surpresa para mim e, quiça para outros presentes, que não o conhecíamos.

A colega, que vive ora nas praias de Florianópolis ora no nosso Belo Horizonte, trouxe um tal “Purê de banana da terra” que acabou num instante tal o desejo guloso de saborear a peculiar iguaria.

O único pesar foi as ausências notadas, em especial, do nosso mestre das artes de escrever. Por onde anda poeta Claver de Luna? Outras não vieram devido a COVID-19. Lamentamos.

Pois bem, num dado momento, pousou sobre a mesa um louva-a-deus que, de mãos postas, apreciava todo nosso fuzuê. Penso que ele rezava pelo nosso pecado do dia – a gula.

E muitas fotos foram feitas do pequeno inseto. Até a artista que não veio, a irmã da outra artista, fez verso do companheirinho verde.

“Jardim onde nasce amor
  Verso a verso
  Até inseto faz louvor”

Enfim acabou-se o que era doce. Empanturramos das delícias compartilhadas, das palavras lidas e declamadas, dos sorrisos, do sol e do Boy, o “cachorrinho amarelo”, que deitou no meio da roda como um ouvinte especial.

E vamos continuar nos encontrando e nos encantando.

Quando e onde será o próximo encontro?

17/06/2022

















segunda-feira, 13 de junho de 2022

Vodka à la Brazil


                    


Cleide cismou que queria conhecer Portugal porque, segundo ela, seu avô paterno teria vindo de lá. Já havia feito a tatuagem de uma belíssima nogueira em seu antebraço, sobrenome do seu avô. Não foi fácil, naqueles tempos, arrumar um conhecido que pudesse lhe dar informações sobre a viagem e ver sua grande paixão, o Rio Tejo. Sempre ficava imaginando Fernão de Magalhães e o bispo Sardinha saindo com as três caravelas em destino ao novo mundo. Dinheiro economizado e guardado, passagens aéreas compradas e hotel reservado lá se foi ela.

Ainda no aeroporto de Portela, em Lisboa, seus olhos foram levados até uma mesinha solitária numa elegante cafeteria. Sentou-se tranquila. Acomodou suas duas enormes malas ao lado, no chão, e pediu um chá, nada de cafés como lhe haviam ensinado. Daí a pouco aproximou um homem alto, magro, com seus bigodes além do limite da boca, óculos na ponta do nariz. Pediu se poderia sentar-se ao lado dela. Diante do sinal positivo, apoiou sobre a mesa dois livros para onde o olhar de Cleide encaminhou. “Um certo Oriente” do escritor Milton Hatoum e “Crônicas de Sol”, da escritora mineira Solange Ladeira. Aguçou sua curiosidade aqueles livros quando perguntou para o homem sobre os mesmos.

São dois escritores brasileiros que viveram no século XIX e ambos falam sobre a revolução russa quando Mikhail Gorbatchov promoveu a Perestroika. O Czar conseguiu expulsar os neonazistas ucranianos que haviam se juntado ao presidente do Brasil, Carluxo Bolsonaro, para apoiar Maria Antonieta, na França, contra Napoleão Bonaparte.

Não houve brioches nem pasteis de Belém naquela cafeteria. Tudo terminou em café com pão de queijo.

Cleide, muito assustada com toda aquela história, pediu a conta quando foi interrompida pelo homem que trouxera os livros. Ele segurou seu braço e lhe tranquilizou, “a conta já está paga pelo partido. Agora venha comigo, camarada Sofia”. E a camarada Sofia pediu para ir ao toilette e escafedeu-se dali. Dizem que foi encontrada rezando ajoelhada no santuário de Santa Sofia, em Moscou, em plena Praça Vermelha.

Se é verdade toda essa história eu não sei, só sei que foi assim que me contaram.

Funil, 13/06/2022

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Um tal pedreiro

 




Era apenas um menino. Por onde andavam seus sonhos ele bem o sabia. A menina da pele branquinha e dos olhos da cor de mel já havia tomado seu coração. Pensava nela enquanto misturava areia, cimento e água. Carregava o concreto com a mesma delicadeza com que a carregaria um dia. Trabalhava tanto que nem percebeu o tempo passado e a menina virado moça. Ele continuava miúdo, pobre e cheio de sonhos. Virou pedreiro. Parou os estudos. Ganhava dinheiro e guardava o que restava da ajuda em casa. A mãe precisava comprar comida e roupas para os filhos menores. O pai só Deus sabia por onde andava. Aparecia de vez em quando. Fazia mais um filho e desaparecia.

Rapaz agora continuava pensando na menina que já era mulher feita. Sabia onde morava e por onde andava. Formou o irmão abaixo dele. Deu-lhe um terno para a formatura. No convite o agradecimento ao irmão pedreiro. A mãe ainda carecia do dinheiro dele. O pai desaparecera de vez. O primeiro emprego do irmão veio logo e desonerou o mais velho que lhe fez um pedido. Queria voltar a estudar e ser engenheiro. Não lhe faltava inteligência, disciplina e sonhos. Aos trinta anos, no seu convite, agradeceu ao irmão que lhe custeou os estudos.

Seu amor que ainda ocupava os pensamentos aparecera um dia na sua casa. Fora convidada pelo irmão que lhe apresentara como namorada. Logo se casaram e ele fora o padrinho.

O menino pedreiro que se tornara engenheiro entrou para dentro de si. Enlouqueceu. Construiu uma casa sem portas e janelas e se concretou dentro dela.

Fotografia feita por Graciele Silva no fundo de sua casa. (Região do Funil - Mário Campos (M.G.)

10/06/2022

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Poema: Mês de Abril

 



Amo o mês de abril

Abril anuncia as manhãs frescas do outono.

Já no seu primeiro dia há o direito às mentiras

Abril tem ares de liberdade

O solo de abril é multicolorido

Tem o farfalhar das folhas nos ventos

Tem folhas no chão

Às vezes tem a morte dolorosa de Cristo

E, às vezes, tem sua ressurreição

Abril tem o restante da colheita do milho

Tem a terra inchada das sementes

Tem as tardes de sol morno

Não que seja um mês tão especial assim...

Mas abril tem a mim.

Poema: Rosa e o Jardineiro

 

Era abril

O jardineiro plantava uma rosa

Era abril.

Rosa se embelezava diante do espelho.


Rosa desbravava um sertão de veredas 

e era abril

O jardineiro olhava para Rosa 

e ela nem viu

 

De repente 

Estavam se olhando.

Rosa e o Jardineiro desbravaram outros sertões

Era abril

E todo mundo viu