quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O PRIMEIRO NATAL DEPOIS DELE



Acordei hoje no mesmo horário de todos os dias. Havia decidido dormir mais um pouco. Afinal é dia vinte e quatro de dezembro. Escureci o quarto e continuei na cama. Então um pesadelo me fez acordar de novo. Levantei, preparei meu café e fui lavar roupas. Na máquina. Sempre gostei de cuidar das lavações.

Enquanto a água do meu café fervia, meus pensamentos foram tomados pela lembrança dele.

Todos os anos uma árvore nova. As casinhas do presépio eram reparadas e a manjedoura cuidadosamente colocada lá. Vazia ainda. Aguardaria a meia-noite para a chegada do Menino Jesus. 

Doces feitos na semana anterior. Cartinhas escritas e alegrias nos ares. 

Nos tempos de muita dureza ele sempre dava um jeito para essa ou aquela boneca. As primeiras bonecas eram de papelão e nos decepcionavam quando, ao lhes dar banho, elas desfiguravam e morriam.

Um ano aventurei e pedi um livro. Um clássico. Ao acordar lá estavam Jean Valjean, Cosete e Fantini. Fiquei o resto do ano e as semanas seguintes debruçada sobre Victor Hugo. Era o ano de 1968.

As madrinhas e uma Tia linda nunca nos deixavam sem um presentinho. Um ano ganhei Silvinha e Andréa e brinquei com elas durante vários anos seguidos. Acho que foram aquelas minhas únicas bonecas de plástico. Minhas duas adoradas filhas.

Outro ano foram pulseiras. Um tecido para um vestido. Estava virando mocinha.

Quando meu irmão, ainda muito jovem, fora trabalhar na sapataria de um turco, ganhamos sapatos.

Mas a festa era menos dos presentes do que o entusiasmo dele com sua família. Eram muitas palavras sábias ditas com lágrimas nos olhos. Ele sabia o que dizer, como dizer e que horas dizer. E isto fazia toda a diferença. Jamais depreciou um filho, um vizinho, um amigo, um chefe. Talvez sofresse calado pelas desilusões ao longo da vida.

Num dado ano morreu-lhe o filho aos quarenta e dois anos. Era inicio de fevereiro. Um enfarto agudo do miocárdio matou-lhe sem o merecido recurso médico. Na cidade que ele tanto amava. Metade dele morrera também. Acolheu os três netos como se filhos seus fossem. Em novembro daquele mesmo ano morrera-lha a esposa. Vitimada por um câncer. Então ele faria setenta e nove anos na véspera do próximo natal. Reuniu todas as suas forças e convocou-nos para a grande festa do natal. Choramos a alegria do irmão ausente e a mãe que tanto sofrera naqueles últimos meses.

No ano seguinte àquele ele passava seus dias sentado no passeio a esperar pelo filho morto que poderia virar a esquina e vir lhe tomar a benção. Isto era feitio daquele. Em todas as suas viagens jamais deixara de passar por ali para a benção do pai. E, obviamente, grandes gargalhadas.

Naquele próximo ano ele faria seus oitenta anos. Exigiu uma grande festa com direito a banda de música, aluguel de espaço adequado e convites. Seu neto mais novo nasceria naquele dia no interior de São Paulo. 

Chamou-me a parte. Falou de suas várias pretendentes a um novo casamento. Pediu reserva de convites e apoio para seu intento. Disse-me que naquela festa escolheria sua nova esposa. Foram doze as suas convidadas especiais e onze delas compareceram a tão grandiosa festa. Casou com aquela que não fora. Ela então com trinta e nove anos.

Mais festas de noivado e casamento nas vésperas do natal do ano seguinte. E ele ajudou sua jovem esposa a educar e cuidar dos dois filhos adolescentes do seu primeiro casamento.

E a família continuava  crescendo. Agora a chegada dos bisnetos deixava-o cada dia mais feliz e a contar e anotar datas de aniversários e nomes. Jamais deixara de telefonar ou de presentear um de seus vinte e dois netos. Sabia das diferenças e dos gostos de um cada um deles.

Atleticano desde sempre, contava histórias dos tempos do onça e ria. Seu riso era sua marca patenteada. 

Vaidoso fora a vida toda e tinha motivos estéticos para tal. Estatura acima da média, cabelos louros, olhos azuis e nome inglês.

Nem mesmo a paralisia facial traumática lhe tirou o apreço pela música. Inventou um bucal para adaptar ao seu bombardino e mandou confeccioná-lo em aço inoxidável. E continuou tocando na banda, no coral da igreja, na bandinha carnavalesca "Centrofônica" e no grupo de seresteiros. E, certamente, fora o assoprar que lhe manteve vivo com o vicio imoderado do tabaco.

Neste ano, seu pulmão tomado pelas tramas da nicotina e suas artérias obstruídas, agravaram seu quadro clínico. No telefone dizia "Eu não tenho nada minha filha. Estou ótimo". E eu cá com minha medicina e meus filhos dizia "só mesmo a música e a família para lhe manter vivo". Jamais queixou dores físicas. Suas dores eram bem outras. Saudades. Saudades dos filhos distantes, dos netos, do filho querido que se fora tão jovem e da esposa, amada companheira por cinquenta e dois anos.

Entretanto numa recente madrugada de segunda feira chorou de dor. Fora logo internado. Na mesa do meu almoço daquele dia decido fazer a viagem para estar com ele. O médico, amigo dos últimos anos, conversa comigo e fala da gravidade do quadro. Aneurisma de aorta abdominal trombosada. Morfina para a dor. Era o fim. Os filhos vão chegando de longe. Os netos enviam fotos com aquele vô lindo dos olhos azuis. Ele pede uma cerveja ainda dentro do hospital. Um irmão satisfaz seu desejo após autorização do médico. Todos acatam a sugestão . Ele deveria ir para a casa dele. Não havia mais o que fazer.

É tempo de seus noventa e seis anos. A festança já fora encomendada. O natal está chegando. Outra festa. 

Mas ele vai-se dormindo, sem as festas que tanto gostava. E sem conhecer meu neto, Eduardo, que nasceria duas semanas após.

No velório ganho vários abraços. Dois deles com palavras reveladoras: 

-"Seu pai nunca deixou meu filho sem presente no natal. Ele e sua mãe compravam presentes para as crianças pobres da rua". 

Ao lado daquela mãe estava seu filho, hoje portador de doença mental, a me abraçar com seu sorriso infantilizado. 

Outro abraço se dera pela madrugada quando sou chamada por um antigo vizinho que brilhara no futebol em sua juventude. No passeio do outro lado da rua. Estava alcoolizado. Então, chorando, me abraçou e disse: "O único presente de natal que ganhei em toda minha vida foi seu pai que me deu".

"Mas éramos tão pobres", pensei calada. Eu nunca soubera disso.

Neste primeiro Natal sem ele toda a família tem feito um enorme esforço para continuar com nossas festas. E em meio aos preparativos nasceu mais um bisneto, Artur. João, seu vigésimo bisneto, chegará em maio de 2016.

E você, meu pai, continuará no meu natal em todos os anos do resto da minha vida.

Betim, 24/12/2015


Observação: por favor, assinem os comentários para eu saber quem são vocês. Obrigada



Fotografia: Papai com filhos e netos em 2013, final da Copa Libertadores da América com nosso Clube Atlético Mineiro sagrando campeão.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

NATAL NA RUA DE CIMA




Em março ou abril de 1962 mudamos para Conselheiro Lafaiete. Meus pais, seus seis filhos e mais um na barriga da minha mãe. Eu faria seis anos em julho.

Assim que nos instalamos fui matriculada no pré-primário do Grupo Escolar "Inconfidência" mas a escola quando percebeu que eu já sabia ler, não me aceitou naquela turma. Tive que esperar fevereiro do ano seguinte. 

Chegamos inicialmente numa linda casa alugada até que a nossa casa de verdade tivesse sido reformada para nos receber. Caprichos do meu pai. Era uma casa à direita, descendo numa grande ladeira. Ela ficava acima do nível da rua e tinha escadas na lateral para entrar nela. Eu nunca tinha visto casas pintadas de alaranjado misturado com vermelho. (*)

Desta casa eu me lembro das descidas até o final do morro para fazer compras no armazém do Sr. Antônio Dutra. Na caderneta. Subíamos aquela rua parando várias vezes para descansar e tomar fôlego. Eu e minha irmã. Cada uma segurando uma alça da sacola com os víveres para toda a família. Onde estariam meus irmãos mais velhos? Quem sabe na escola ou procurando serviços! Nessa época minha mãe tinha adoecido e quase não saia do quarto. Acho que sentiu muito ter deixado os seus para viver perto dos parentes do meu pai.

Logo mudamos para a nossa casa. Ela também era linda e cheirava a tinta nova. Tinha um quarto dentro do outro quarto onde foram alojados todos os seis filhos. Eu também. E outro quarto para meus pais. Uma sala pequenina, uma copa e uma cozinha com um lindo fogão a lenha que ocupava quase todo seu espaço. A porta saia para uma escada até um tanque de cimento sem cobertura para tampar o sol ou a chuva. Um banheiro grande e esquisito. Era tudo  feito de acordo com o querer do meu pai e ele sabia o tudo de uma casa. 

Mas a rua é que fora a grande novidade. Era uma rua novinha. Sem água, sem luz e sem calçamento. Entretanto era uma rua acolhedora e cheia de meninos e meninas das nossas idades. Ela nascia de uma outra rua e esta era cheia das casas grandes, de gente rica e bonita. Eu voltava da escola passeando meus olhos por toda aquela beleza. Chegava em casa com tanta fome que logo esquecia da pequenez da nossa ruazinha. À tarde, após os tantos dos deveres para casa da escola, saíamos para o meio da rua onde era sempre uma festa as brincadeiras. E eu fui me apegando àqueles moradores desconhecidos que logo fariam parte de nossas vidas.

Abaixo da minha casa morava e ainda mora Dona Hilda com suas três filhas e seu filho mais velho que eu quase não via. A mais velha tinha um nome muito diferente daqueles da minha cidade que tudo tinha de ter nome de santas e mártires. Luciana, era esse seu nome. Eu achei aquele nome digno de uma princesa. E ela vivia muito para dentro de si. Uma princesa dentro do seu castelo. Já trabalhava mesmo ainda mocinha. Depois tinha a Aída com os cabelos tão compridos e bem cuidados que eu ficava admirando tanta valença nos cuidados. Mas era a mais nova a mais bela. Parecia a Ceci de José de Alencar com seus cabelos negros e longos e sua pele morena. Sempre fora a menina mais bonita da rua. Causadora de muitos ciúmes. Uma rainha. Depois nascera a quarta filha. Uma boneca dos olhos verdes. O pai delas morrera cedo e todas tiveram que trabalhar ainda muito jovens. 

Logo abaixo de Dona Hilda vinha a casa da Agda. A irmã mais velha andava pela rua sem olhar para ninguém. Dona da rua. A mãe dela a vestia como se fosse uma boneca de louça. Tudo combinando. Sapatos, meias, vestidos engomados, arquinhos na cabeça. Eu nunca havia visto tanta brancura ou tanta cor de rosa, ou tanto vermelho. Agda cresceu rápido. Depois casou. Teve um casal de filhos. E me convidou para amadrinhar a menina e se tornou minha comadre.

Um dia continuarei descendo a minha rua e falarei de outros tantos.

Do outro lado morava Sr. Antônio com seus sete filhos. Todos pareando suas idades com as nossas.

Eram tantos os nossos vizinhos que logo a rua virou uma só família. Viver ali certamente fora uma encomenda dos deuses para mim. Assim eu penso hoje.

E foi chegando nosso primeiro natal naquele novo mundo. A única irmã do meu pai era professora. Tinha um marido rico e moravam na rua  de cima. Aquela mesma rua de onde nascia a minha rua. Ela amava meu pai que lhe havia batizado e por quem tinha muito respeito e adoração. A mãe do meu pai morava com ela. Muito magrinha mas muito dona de suas vontades. 

Deu então deles convidarem nossa família para passar o natal com eles. Minha mãe ficaria responsável por alguns doces e carnes. Será que ela fez a sopa dourada? Era o doce de pão aquele que eu mais gostava. Ou a preferência de meu pai? Aquele doce de aletria que eu não gostava. Não faltariam os doces de figo e dos pêssegos colhidos no quintal da nossa vizinha.

Logo cedo após a noite do nascimento do Menino Jesus acordamos e subimos a nossa rua até sua nascença na rua dos ricos. 

A casa  da minha tia era a casa mais chique e bem arrumada de todas daquela rua. Tudo era novidade. As poltronas cobertas de tecido com estampa de grandes flores vermelhas e verdes sobre um fundo preto. Se hoje fecho os olhos ainda posso ver as flores bem vivas.

Meus tios não nos deixaram sem presentes. E seria sempre assim todos os anos naquela rua. Nesse nosso primeiro Natal na cidade dos meus tios já éramos sete filhos. O mais novo nascera em novembro. Meu tio dividiu com meu pai os presentes que ganhou em seu trabalho. Ele quase não falava e nem era preciso. Seus gestos falavam por ele.

E foi então que eu conheci aquelas bebidas doces, engarrafadas, com sabores estranhos e cores variadas. E que borbulhavam ao sacudirmos o líquido lá dentro. Ganhei uma só para mim. Alaranjada. Era uma garrafinha para cada criança. Aquele sabor ficava na minha boca enquanto exalava um cheiro gasoso. Cada gota era absorvida com o medo de que aquilo acabasse. E não deixei que acabasse. 

Terminado o almoço voltamos para nossa casa na rua nova debaixo daquela. E, logo ao sair da casa da minha Tia, passando defronte o açougue do Sô Adão, eu e minha garrafinha alaranjada como se fosse um troféu, vem lá de dentro uma voz  a dizer:

-"Parece que nunca tomou CRUSH na vida"

Era o feioso do empregado do açougue a debochar daquele meu apego por tão precioso líquido e em tão linda garrafa.

Desde então o sabor de tal bebida permanece na minha boca, o cheiro permanece na minha pele e as lembranças permanecerão a vida toda dentro do meu coração.


(*) Rua Francisco Lobo


OBSERVAÇÃO: esta história é dedicada a todos os moradores do Bairro Museu daqueles tempos. Em especial aos moradores da Rua Dom Silvério e Rua Mário Zebral, em Conselheiro Lafaiete (MG)

21/12/2015





domingo, 13 de dezembro de 2015

AOS MEUS LEITORES(A) DE TODOS OS LUGARES DA TERRA



   É com muita alegria que venho até vocês agradecer os 12 mil acessos deste blog. 

   Gostaria muito de conhecer cada um de vocês. Entretanto considero que os conheço um pouco uma vez que leem o que escrevo e, certamente, há uma identificação com minhas histórias.

  Tenho ainda dois sonhos: 

  - encontrar um canal mais eficaz de comunicação com vocês, o que até então tem sido feito via Facebook. Quem quiser me encontrar lá: MARIA DO ROSÁRIO RIVELLI. E

  - publicar um livro.

   Já plantei e ainda planto árvores, já tive filhos e há um mês me tornei avó e, agora, falta um livro.

   Trabalharei neste próximo ano para sua realização. Aceito sugestões.

   Um grande abraço a tod@s vocês. Obrigada pela companhia em 2015.

   Feliz Natal com muitos familiares por perto e uma bela festa na chegada do ano novo.

  Estarei sempre junto de cada um de vocês.

                   Carinhosamente

                 Maria do Rosário Nogueira Rivelli

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

RIO DOCE MEU DOCE RIO XOPOTÓ



   O tempo ainda era do encanto. Vivíamos no meu castelo das cores branca amarelada pelo tempo e do azul mais lindo que eu via pelos arredores. A rua de terra vermelha ajudava a colorir minha casa e minha infância. Mais parecia uma casinha que saia dos presépios para ser plantada ali, onde acabava a rua e começava a estrada. Ou quem quiser que seja o inverso.

   Pelas histórias dos meus pais eu conclui que chegara ali por volta dos meus dois anos.Tenho lembranças visuais prazerosas da casa lá em cima do morro onde eu nasci e vivi até a mudança para o meu castelo.

  Nele havia três pequeninhos quartos. Eu e minha irmã mais velha do que eu apenas um ano, dormíamos num deles. E meus dois irmãos mais velhos que nós dormiam noutro quarto. Ainda nem me dava conta da existência de uma outra irmã mais velha que morava com uma tia na cidade grande. Eu tinha então entre dois e cinco anos. Meu quarto tinha uma janela que não dava para a rua. Ela abria para os fundos. E, para mim, este fora o detalhe mais importante daquela meu mundo. Eu viajava através daquela espaço aéreo que me trazia o sol nascente, a geada dos tempos do frio, o perfume das flores das laranjeiras no outono, o doce das mangas no verão e o verde das bananeiras espalhadas por todo o grande terreiro em torno do meu castelo.

  Entretanto o que eu mais gostava e por onde eu realizava minhas grandes viagens era no Rio Xopotó que deslizava manso e majestoso traçando o limite daquele meu terreiro cheio de tesouros. Mas lá não tínhamos autorização para irmos sozinhas. Além do risco de encontrarmos as temíveis cascavéis pelos caminhos, havia o perigo de escorregarmos na beira e morrermos afogadas. E eu respeitava aquelas águas como se fossem sagradas. E elas eram santas.

  Algumas tardes meu pai nos levava até  às margens para pescar lambaris, piabinhas, quem sabe uma grande traíra ou bagres em tempos de chuva. Enquanto esperávamos os peixes beliscarem as minhocas, minha mãe providenciava o angu daquele fubá de moinho d'água. Então nosso jantar se transformava em verdadeiros banquetes reais.

   Às vezes eu perdia o sono a noite e ficava imaginando os desbravadores taubateanos daquela região subindo o rio em grandes embarcações, com belas mulheres a bordo e suas roupas imperiais. Alguns iam ficando pelos caminhos a demarcarem os territórios encontrados e conquistados.

    Meu pai dizia que o Rio Xopotó e o Rio Piranga nasciam juntos na Serra da Mantiqueira como dois irmãos e que eram separados apenas por pequenos obstáculos da natureza.

  Hoje eu sei que o Rio Xopotó cujo nome significa rio do cipó amarelo, nasce na cidade de Desterro do Melo, a 1.200 metros de altitude e o Rio Piranga nasce na cidade de Ressaquinha, às margens da BR 040, também a 1220 m de altitude. Portanto nascem bem próximos. Andam paralelos como dizia meu pai, que aproveitava para trazer conceitos de matemática, mas logo lá embaixo eles se encontravam de novo. 

   Eu sempre quis conhecer a tal cidade de Calambau, bem perto da minha cidade, onde os rios se juntam e formam um só rio. E eu ficava imaginando dois irmãos separados a vida inteira e se reencontrando após cada qual percorrer sua vida. Até chorava por aqueles  rios - irmãos. Mas me orgulhava porque eles se abraçavam para, mais abaixo, formar o grande Rio Doce que iria atravessar todo o leste de Minas e beijar o mar lá na cidade de Linhares, no estado do Espírito Santo. 

   "Um dia vou levar todos vocês lá para verem esse encontro", dizia orgulhoso meu pai. E eu cresci sonhando ver esse beijo de águas doces com as águas salgadas do mar.

   Nas nossas longas viagens de Lafaiete a Brás Pires, minha linda terrinha natal, ou dela para lá, escutava com muita atenção as histórias do meu pai sobre aqueles rios e outros tantos que ele conhecia, como o Rio Pará, o Rio Paraopeba - " o maior afluente do Rio São Francisco da margem direita"- o Rio Grande lá pras bandas de Lavras. Falava também do Ribeirão do Carmo, também afluente do Rio Doce, que cortava toda a cidade de Mariana onde ele nos levava para ver nosso terrível tio Felício Rivelli.
  
  Mas eu gostava mesmo era de ver as curvas do rio Piranga, irmão do meu Rio Xopotó que margeava a estrada por longos quilômetros. Ficávamos discutindo qual era o mais comprido, o mais volumoso, o mais largo, qual tinha as cores mais bonitas e as margens mais ricas. Obviamente que todos nós escolhíamos o nosso Xopotó. Então nosso pai tentava ser imparcial e dizia que um era mais que o outro naquele ou nesse quesito. Entretanto sabíamos que ele fazia aquilo para nos ensinar a diferença entre a razão e o coração. Porque ele também amava o nosso rio.  

   Um dia nosso Tio Padre, a quem todos nós chamávamos de Padrinho, pois ele não só era o padre a dar o sagrado sacramento do batismo como era também o padrinho de grande número dos sobrinhos e conterrâneos, nos levou lá na Fazenda da minha querida Tia Pitita. Como sempre, ele colocou muitos sobrinhos e sobrinhas dentro de seu Jeep 1957, novinho, e foi Deus quem nos guiou porque ele só sabia beliscar um e culpar o outro e, no final, todos choravam como ele queria e ria de alegria. Mas meu tio conhecia e sabia de tudo e ele nos levou por caminhos dentro da mata até um descampado aonde eu avistei uma das paisagens mais belas da minha infância.
   
   Meus olhos ainda enchem de emoção quando me vem a lembrança daquele rio largo, de águas cristalinas e pequenas pedras no fundo. Podíamos atravessá-lo até a margem do outro lado. Mas éramos pequenos demais para tamanha ousadia. Brincamos na beirada dele jogando água naqueles que estivessem mais próximos. E nos fartamos do Rio Xopotó ali bem mais próximo de sua nascente. Logo após ele atravessar a cidade de Cipotânea, em plena Serra da Mantiqueira.

   Mas os tempos das águas cristalinas se foram. Foram-se também os tempos da infância na roça e do viver entrelaçado com a natureza.     

   Hoje, após muitas centenas de quilômetros de andanças com curvas, remansos e histórias, mataram de uma só vez, os meus dois irmãos rios. E Bento Rodrigues, Mariana, Minas e o Brasil choraram comigo esta tragédia. O mundo político pediu severas punições aos assassinos daquelas águas sagradas e doces.

  Agora já não há mais lágrimas para chorar a morte do nosso Rio Doce. A lama do capitalismo borrou meus olhos que já vinham ofuscados pelas poeiras das montanhas sendo destruídas e levadas embora em vagões feitos do seu próprio aço. Filhos ingratos. 

   O beijo doce de suas águas com o sal do mar jamais será de amor.

   E nossas Minas Gerais, morrem a cada dia por causa de seu "coração de ouro num peito de ferro".

  Todavia rezo a nossa Mãe Terra para que dê muita vida e força ao meu Rio Xopotó para que ele reencontre seu irmão, o Rio Piranga e juntos ressuscitem o nosso Rio Doce. E que o beijo senão de amor seja de compaixão.

   

01/12/2015-  Uma homenagem a todos aqueles, que assim como eu, ainda choram pela tragédia de Mariana.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

OS LOUCOS E SUAS CIDADES




   Emerson. Era esse seu nome. E ele, como quem chega numa pousada nas montanhas de Minas, ficou ali muito a vontade. Tomou seu banho, vestiu aquelas roupas de brim, amarelas, padronizadas, confeccionas por costureiras da unidade e aparentou uma invejável tranquilidade nos arredores dos trabalhadores daquela urgência.


   Eram as derradeiras horas do último plantão da minha longa carreira de médica psiquiatra em serviço público de saúde do estado.

   Meus pensamentos vagavam através dos treze anos que estive ali atendendo em caráter de urgência às pessoas portadoras de graves doenças mentais, em crises, encaminhadas das várias regiões deste estado de montanhas, serras e rios.

   E nesta sexta-feira, treze de novembro, eu vivia particularmente momentos impensáveis. Meu primeiro neto estava chegando ao mundo e eu saindo naquelas próximas horas. 


   E tal qual um dos inúmeros pacientes atendidos durante este tempo, agora era eu também a andar de um lado para outro, como que desvairada e sem rumo. E eu estava, com toda certeza, sem rumo.

   Naquela sexta feira, como de costume, havia atendido muitas ligações do interior de Minas Gerais solicitando vagas, encaminhamentos, avaliações, reinternações e outras tantas demandas. Como amante da geografia, seja ela física, cartográfica, humana, hidrográfica, populacional, econômica,etc, eu aproveitava todos aqueles contatos para aprender mais sobre os municípios, seus nomes, localidades próximas e por ai afora. E não foram poucos os aprendizados obtidos. Ao atender os pacientes , ouvia sempre com a atenção merecida aquilo que era devido à minha prática naquela função; entretanto nunca faltava o interesse pelo local de origem. E, com certeza, por aqueles vieses, o atendimento ficava muito mais suave e o paciente bem mais tranquilo.

   O hospital conhecia as cidades através de seus mais bizarros cidadãos. Era o Ronnie de Ubaporanga, ou a Zezé de Fronteira dos Vales, ou o Adão de Abaeté, ou a Lucinha de José Gonçalves de Minas, ou a Fernanda de Caraí, ou a Telma de Caeté e um vasto repertório de nomes de pacientes e suas cidades. E eu, sempre fazendo associações com outros fatos envolvendo aquelas cidades e minha longa trajetória. Assim se dera com Verdelândia para onde fora um grande amigo, frei franciscano com quem eu tivera a oportunidade de caminhar por longos seis dias na Marcha Franciscana no ano de 2007. Ou Virgolândia e Divinolândia de onde vieram duas de minhas
primeiras pacientes portadores de hanseníase e de doenças mentais, na Colonia Santa Izabel em Betim, ainda nos anos 80. Ou Divino, ou Divinésia, etc. Eu gostava de saber as diferentes regiões às quais cada cidade estava entranhada. E viajava por todas elas com seus ilustres moradores ali atendidos.

   Eu sempre tivera mapas com os quais eu decorava as paredes das casa por onde morei. Obviamente que uma das brincadeiras mais queridas com meus filhos, foram e ainda são, conhecer países e suas capitais, suas cidades mais importantes, seus limites, sua hidrografia e sua cultura. E nós viajávamos muito pelos mais distantes e extravagantes países do mundo.

  Mas, agora voltando ao Brasil, Minas Gerais, Belo Horizonte, Hospital dos Santos Olhos (*), devo dizer que tive uma enorme preguiça para atender aquele que seria meu último paciente. Mas vamos lá.

  A enfermagem me informou que o havia conduzido ao banho antes do atendimento pois estava muito sujo e mal cheiroso. Não lembro se fora levado pela PM como mais um louco pelas ruas da capital ou se chegara espontaneamente como muitos o fazia. Não interessava. Ali estava Emerson em total harmonia com tudo ao redor.


 Abriu um belo sorriso como resposta à minha apresentação a ele, ao iniciar o acolhimento, o que acabou com quaisquer cansaços, preguiça ou coisa parecida. Seu hálito etílico e seus olhos avermelhados denunciavam uso recente e abusiva de bebida alcoólica. E a espessura de seu prontuário apontava para vários atendimentos anteriores naquela instituição. Disse-me que gostava de andar a pé e que havia vindo de Vespasiano- ou Sabará?- andando em companhia de Jesus, seu amigo. Quanto ao uso imoderado da bebida alcoólica, respondeu:

-" os homens da Rotam pagam bebida pra mim. Eles me deram duas garrafas de 51. Mas agora eu comprei um bar de cachaça lá na serra. Aquela Serra Capivari"

   Perguntei se ele estava sentindo bem dadas a aparência edemaciada da face, os olhos hiperemiados e o abdômen volumoso. Ao que ele me respondeu:

-" Eu estava andando no meu helicóptero e caí dentro de um barril de cachaça".

   E sorriu largamente de suas de suas próprias explicações.

   A técnica de enfermagem pediu licença e entrou para aferir dados vitais uma vez que o horário daquele plantão estava terminando e era preciso tais cuidados. A seguir ofereceu-lhe o jantar e ele, com muita dignidade, recusou a oferta preferindo "o soro que a doutora passou para mim". 

  A suavidade e alegria daquele paciente contagiou todos daquela urgência. Dele eu jamais esquecerei.

  Ainda fico pensando quais seriam as diferenças entre eu e meus filhos nas nossas longas viagens imaginárias pelo mundo e nas longas viagens reais a pé que nosso cidadão Emerson, tem feito pelo seu mundo.

  E meu neto nasceu na manhã seguinte. 

  Benvindo Eduardo. 



(*) Crônicas do Hospital dos Santos Olhos ( Kurt Bacamarte)
Meu mestre Francisco Paes Barreto com quem muito tenho aprendido e a quem dedico esta crônica.





terça-feira, 24 de novembro de 2015

O INSUSTENTÁVEL PESO DO SENTIDO




   Sempre foi assim com os amores de Clara. Ela acabava sofrendo as dolorosas consequências de suas atitudes intempestivas e impensadas.
  
  Desta vez, sentindo que os pés estavam mais firmes no chão, decidira por aquele encontro. Embora nunca houvesse visto aquele rapaz com olhos de desejo, embarcara nas poucas palavras ditas na mansidão desejante daquele.
  
  Mais uma vez ela se encantara com a possibilidade de um novo amor. Avaliou as grandes diferenças, avaliou o que viria após, avaliou o risco de uma negativa. E lá se foi ela convencida das possibilidades e certa das impossibilidades. A balança dos pós e dos contras equilibrou-se. Logo estava decidida a ir em frente.
   
   Wellington era um belo jovem. Corpo atlético, pele morena e um caminhar descontraído. Filho e pai zeloso. Sempre presente às consultas pediátricas do filho e atento às orientações da médica. Preocupado com o enorme calendário de vacinas e, depois, com o acompanhamento escolar. 

   Nesse tempo acabara de sair do casamento com a mais bela mulher que havia visto até então por aquelas regiões. Não entendera a decisão súbita da amada. O casamento findara sem explicações dela, ressentia ele.

   Vangloriava o fato de ser um trabalhador honesto e querido da empresa. Cheio de amigos e de responsabilidades para com o futebol do bairro. Era o goleiro do time dada sua estatura e sua agilidade. 

   Clara foi juntando as frases soltas que ele falava. Como peças de um quebra-cabeças. Sabia que as peças principais jamais seriam encontradas. E fora isto que ela ouvira dele quando, num arroubo de ousadia, o convidara para dividirem uma pizza. A pizza, que acabara por virar um ravioli no apartamento dela, trouxera momentos apaixonantes e atrevidos.
   
   Outros encontros vieram. E trocas de algumas palavras virtuais. Nada mais. Clara, já com uma longa caminhada pela vida, esforçou-se para não perder o rumo do que ainda planejava para si. Tentava a todo custo manter-se dentro dela. Impossível. Já havia sentido o enodamento ao suposto amor do parceiro. Wellington sabia de sua conquista. E sabia de seu encanto. Certamente mais uma mulher no rol de sua contabilidade.
   
  Clara nunca entendeu porque agia daquela forma. Perdia-se de si e vivia no outro. Logo uma dor profunda ia consumindo seu corpo e tomando conta de seus pensamentos. 
  
   Após alguns encontros, mais uma vez, seu príncipe encantado se fora. E, no lugar, apareceu o desencanto do amor fugaz. Ela não o procurou. Nem ele teve a delicadeza de um adeus.
  
   Entretanto desta vez ela não chorou. Levantou a cabeça, sacudiu a poeira e deu volta por cima. Aquele breve encontro trouxera-lhe a juventude que ela julgava deixada para traz e a certeza da chegada de outros amores. 

  Clara se permitiu reconhecer a importância de Wellington em sua vida naquele dado momento. Não decepcionou com o parceiro nem fez julgamentos éticos ou morais. Então veio-lhe a lembrança de um romance lido quando ainda bem jovem: "A Insustentável Leveza do Ser". Este era o nome do livro cuja história de encontros amorosos se passava na cidade de Praga no ano de 1984. Impossível esquecer o impacto que tal romance produzira nela.

  E entendeu a partir daquela lembrança, que sempre haverá um contrapeso para sustentar a caricatura de cada um. E Clara tinha a face da solidão. Por isto a escolha daqueles que, sabidamente, iriam desaparecer.  Não sem muito sofrimento para ela.

  Wellington também tinha sua caricatura. E esta, certamente, era o avesso daquela de Clara. A cortesia.
  
  E por isto se deram tão bem naqueles breves e excitantes  encontros. Apenas para logo se afastarem.

  Entretanto o amor vivido, pensara Clara, este permanecerá para sempre neles como marcas no corpo.


 HGV, meia-noite de 12/11/2015



sexta-feira, 6 de novembro de 2015

MARIANA



                   Mariana
             
                   Mar de Ana

                   Mariama

                   Ama o mar

                   Mar de lama



Noite,  06/11/2015

                 

                 

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

SÔ BENJAMIN, O MATADOR DE ESTRELAS




   Na rua onde vivi menina e me tornei jovem tinha um homem diferente. Morava sozinho numa casa bem próxima à nossa. Às vezes eu sentia medo dele, outras vezes ele me parecia inofensivo. Era alto, não era tão jovem e vivia fazendo caretas. Andava de um lado para outro sem ter para quê nem porquê. Entrava e saia de sua casa com passos apressados. Era mesmo muito esquisito aquele  meu vizinho.
  
   Levantava muito cedo. Parecia que nem dormia e logo ligava seu rádio no mais alto volume. Ouvia músicas que eu desconhecia. Pareciam bandas militares executando marchas ou hinos. Dava-me  impressão de que sempre havia um pelotão de soldados dentro de sua casa e ele marchava de dentro para fora e de fora para dentro.

   Até que um dia nosso homem resolveu comprar um Jeep velho, com carroceria de lata. Era alaranjado e branco. Parecia uma fruta quadrada amadurecida. Então começou a construção da garagem que mal cabia aquele trem nas laterais. Enquanto isto  ele ficava tomando conta do seu patrimônio dia e noite. 
   
   E aquele carro realmente dava-lhe muitos desassossegos. Para tirar ou colocar o tal Jeep naquele pequeno espaço havia que se fazer muitas manobras. E ele não era dado às referidas manobras. O acelerador pisado até o fim provocava um som ensurdecedor. Tal qual um avião levantando voo. 

  Assim que as mães escutavam aquele conhecido som, corriam para tirar os filhos da rua. Então nossa rua era só dele e do seu automotor. Descia e freava e o danado do carro morria. Então o jeito era fazê-lo pegar no tranco. 

  "Minha Nossa Senhora! Esse homem ainda vai matar alguém!"

   E o Jeep alaranjado não pegava nem ladeira abaixo. 
   
  Entretanto outras vezes o bicho fruta alaranjado pegava e ele saia todo orgulhoso e bufando. Dava umas voltas por ali e já vinha ele de volta.

   Algumas vezes ele o arrastava no braço com ajuda e arruaça da meninada. Seu esforço era tal que fazia sugerir caricaturas de heróis de revistas em quadrinhos. As caretas aumentavam à medida de seus esforços. Não tinha dia nem noite. Era tudo igual. 

   Entrava semana, acabava semana e aquela peleja continuava. Acho que aquele pobre veículo sofrera muito nas mãos do Sô Benjamin.

   Nosso personagem não tinha familiares e nunca o vi com namoradas. Era mesmo muito solitário. Os vizinhos gostavam dele e não se importavam com sua estranheza. 

   Ouvia dizer que ele tinha muito dinheiro guardado e eu ficava pensando o que ele iria fazer com a tal dinheirama. Alguns falavam que ele guardava seu tesouro debaixo do colchão. Acho que devia ser verdade.

  Outras vezes cismava com as estrelas. Pegava sua arma de cano comprido e ficava mirando nelas. Escolhia uma ou outra e fingia que estava atirando. Deveria sentir-se vitorioso quando elas piscavam pois poderia ser sinal de morte com seus tiros nada certeiros. Ele falava que eram aviões inimigos. Coitadas das estrelas. 

  Sô Benjamin ria um riso escancarado, sem motivo e sem graça. Certamente era um riso que só dizia respeito a ele. Lembranças, talvez. Gostava de se apresentar como um homem corajoso, forte e destemido. Não era um homem bonito nem feio. Era só um homem. 

   Andava sempre com calças de um jeans grosso, maiores que seu corpo já não tão pequeno, seguras ou amarradas com cintos grosseiros. Usava quase sempre camisa e paletós de brim verde oliva com distintivos e fitas dependuradas no peito. Fizesse frio ou calor era assim que nosso vizinho vestia.

   Sua fala era desamarrada. Solta. Nada ligava com nada. Acho que ele não conseguia colocar verbos em suas frases. As ações ficavam por conta de seu corpo. 

   Eu não gostava nem desgostava dele. Ele apenas fazia parte da minha rua assim como seu Jeep alaranjado. Um era o outro. Como se fossem um só. Patrimônio Brasileiro da Segunda Guerra Mundial e personagem da história daquela rua cheia de meninos.


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

MADRUGADA DESESPERADA



        Nesta noite cheguei tranquila ao hospital. Afinal seriam vinte e quatro horas e eu não iria adoecer de novo.
        
        Quase uma hora da madrugada fui chamada na ala feminina com alguma urgência. Desci as escadas e lá cheguei com minha calma.

       Uma paciente encontrava-se desesperada e andava correndo de um lado para outro até ir se esconder debaixo de uma cama. Várias outras pacientes acordaram e tentaram ajudar aquela.

     Convidei-a então para conversar comigo e, com muito custo, a moça sentou-se ao meu lado. Perguntou meu nome embora eu já havia lhe dito ao tentar alcança-la em suas andanças.

    Ela falou da saudade da mãe e dos filhos. Dizia que queria ir embora. 

    Após mais alguns minutos ela me pediu um papel e pediu emprestada minha única caneta.

   Enquanto faço anotações em seu prontuário eletrônico ela chega até mim com o tal pedaço de papel.

   Gentilmente me entrega aquele e devolve minha caneta.

   Então ao sair dali leio:



       "Eu quero Deus ilumine seu passo e Família seja feliz.

                          Rivelem Deus te ama de coração.

                                     Você vai brilhar para sempre."



        Fez o desenho de uma estrela ao lado de um coração.

                     Eu e ela unidas naquele momento.

    E é assim que Deus me aparece, acreditando nele ou não.


21/10/2015

   

terça-feira, 13 de outubro de 2015

FARINGITE ALÉRGICA



                ...e minha voz  foi embora.


   Deveria cumprir um plantão de vinte e quatro horas na noite de um sábado. Eu que já vinha perdendo minha voz desde o dia anterior após uma chuva forte que caiu sobre Betim, a perdi de vez. É sempre assim. Quando as águas caem sobre a terra seca. A poeira e seu cheiro forte  sobem após os primeiros pingos d'água e entram nas minhas narinas. Então começa a alergia... Quando não obstrui meu nariz, me traz irritações na garganta.

  Ontem havia conseguido dar o meu plantão semanal, também de vinte e quatro horas. Hoje não sei...

  Tento manter a calma, afinal terei que atender até amanhã a noite numa troca de plantões feita com um colega paulista.

  Já no primeiro atendimento, meu companheiro de trabalho médico, gentilmente me diz: "Pode deixar que eu atendo". E lá se foi ele.

  O telefone toca e não consigo me fazer ouvida. O supervisor de enfermagem me pede então que atenda dois pacientes na ala tal pois estavam nervosos e insones. E agora lá vou eu sem minha voz. Com a ajuda dos técnicos ainda me fora possível avaliar aqueles dois jovens.

  Logo chega outro paciente externo para atendimento em urgência. E meu colega mais uma vez se dispõe a atendê-lo

  "Isto não está certo. Não é justo meu colega fazer o trabalho dele e o meu", pensava eu.

   Então peço ajuda, via o terrível WhatsApp, e uma colega se propõe a vir fazer o plantão das doze horas do dia seguinte. Não consegui dormir esta noite. A tosse seca, o mal estar e a vergonha por não conseguir dividir o trabalho com meu colega tiraram meu sono.

  No domingo cedo vou embora para casa e minha filha telefona para meu mais novo e querido médico, Dr D'Ávila, meu sobrinho que estava de plantão numa UPA de BH. E ele que se dispôs a me atender. Afirma que, provavelmente, eu não teria condições de trabalhar e que teria direito a cinco dias de afastamento. 

   Decido ir até ele. No caminho a esposa telefona e diz que ele iniciara com uma violenta cólica renal e que já estava levando-o para outro hospital. 

  Eu não iria voltar para casa daquele jeito!!!

  A quem pediria ajuda? Tenho várias colegas médicas que jamais recusariam me atender naquela metade de manhã de um domingo de sol ardente e eu doente.

  "Vou tomar café com meu filho e sua esposa", decido eu. 
   
   Minha filha, agora motorista, faz contato com o irmão que se alegra com tal visita inesperada. Eles haviam ido buscar os filhos do primo médico para cuidar eles. Passamos no supermercado e compramos frutas e pães. Adoro pães e padaria.

   E não saía nenhum som com minhas palavras.

  "Repouse sua voz e beba muita água", foi a orientação do meu sobrinho já hospitalizado.

  Então começa um dia ainda mais inusitado. Havia esquecido meus óculos, meu aparelho de audição e não conseguia falar. Eu estava deveras perdida.

    Só havia uma saída: brincar com Tiago e Alice, de dois e sete anos respectivamente. Tiago não entendia porque eu falava sem som e, ao conversar comigo, também o fazia falando baixinho. 

   A mesa do café da manhã foi posta e nos fartamos de deliciosos pães, biscoitos, sucos, leite e queijo que nunca pode faltar nas nossas refeições da manhã e da tarde e do almoço e do jantar.

  A seguir brincamos construindo carrinho e aviões com as peças de Lego. Fizemos aviões de papel e fizemos várias viagens pelos espaços daquela sala. Rolamos sobre o colchão no chão. Outras vezes ficávamos observando Dori, Nina e Spock, os gatos da minha nora, com seus pulos e olhares felinos.

  Numa determinada hora me fingi de ninja e, com Tiago, ousamos dar golpes no ar e gritos mudos em japonês e mandarim. Lutamos contra os guerreiros samurais do "mal" que, nesta hora, estavam representados por minha filha. E ela, fingindo desespero, tentava amparar tais golpes desengonçados de dois ninjas super poderosos.

   Alice brincava e sempre estava ao lado da futura mãe de meu neto já a caminho. Meu filho cuidava do almoço e, a todo instante, era requisitado pelo afilhado ninja e apaixonado por carros. Minha filha, curinga, ajudava a todos.

   Então chega a informação de que o pai do ninja e da princesa Alice seria operado e o pedido para que  os dois pudessem continuar ali até o dia seguinte.

   A TV não fora ligada em nenhum momento e nem as crianças pediram para ver algum programa. Fiquei orgulhosa da educação que deveriam receber em casa.

   Após o almoço a ninja mais velha e sem voz apagou por algum tempo. Efeito do cansaço, das lutas e dos chás ingleses que meu filho me dera durante todo o tempo que estivera com eles até então.

   Ao anoitecer deixei-os e voltei para minha casa. Tomei um medicamento indicado. Tomei um banho e deitei. Mais uma vez o sono não chegou. Os pensamentos não paravam, iam e vinham. Faziam arruaças na minha cabeça. Queria entender aquelas últimas vinte e quatro horas. 

   Meu filho e minha nora enviaram mensagens de agradecimento pela ajuda com as crianças.
Mas quais eram as crianças a quais eles se referiam?

  Sem conseguir ler uma frase, sem escutar bem o que me era falado e sem conseguir botar som nas minhas palavras, só me restara fazer mímicas e brincar. E eu brinquei muito mais que Tiago e Alice.

 Certifiquei-me que estava pronta para a chegada do meu neto. 

  Portanto, chegue logo Eduardo pois sua avó já se permitiu ser criança de novo.


06/10/2015

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

AS PEDRAS DA MINHA RUA




                               
   As casas da minha rua sempre me fizeram lembrar aquelas que meu pai confeccionava. As dele eram de papelão, geralmente caixas de sapato, cobertas com papéis manilha coloridos e com janelinhas abertas. Todo ano ele tinha que refazê-las pois o tal papel desbotava. E meu pai era muito engenhoso na arte de fazer as tais casinhas para os presépios. 

   Era o natal chegando. Desde a escolha pela nova árvore, pelos novos enfeites e por mais casinhas, ele e minha mãe davam sempre um jeito, a cada ano, para inovar tudo. Num ano era um galho de jabuticabeira, outro ano era de goiabeira, outro de pinheiro, outro de arame e por aí afora. Mas todas elas eram feitas com muito capricho. Escolhiam qual seria o canto da sala naquele ano para abrigar as ruas, os animais na mata, a casinha com a manjedoura onde nascera o Menino Jesus e muitas invenções. Nosso presépio ficava maravilhoso em qualquer local onde fosse feito. 

   Dora, minha irmã mais velha, muito prendada em arrumações e novidades para a decoração, dava suas opiniões e fazia velas e coroas coloridas em papéis laminado vermelhos, azuis, verdes, amarelos. Ainda me lembro de muitos detalhes de nossos dias e noites de natal naquela rua.

   Mas não foi para falar do natal que comecei esta história. Quero mesmo é falar de um período nesta minha rua que me deixou bastante intrigada e pensativa. 

   Nesta minha rua moravam pessoas de classe baixa. Éramos  quase todos provenientes de cidades ainda menores que aquela, ou eram pessoas que vieram de zonas rurais do entorno. Todas as famílias tinham muitos filhos que pareciam regular nas idades. E tudo era uma festa naquela rua de crianças e de trabalhadores braçais. As casas eram simples, pequenas e suas paredes frontais davam diretamente para o pó que cobria a rua.

  Veio o calçamento, o meio-fio, os passeios, e nossa rua começava a ganhar jeito de cidade grande. As pedras eram muito escuras, pontiagudas e dificultavam o uso de sapatos e sandálias de salto alto. Não importava. Havia os passeios em quase todas as casas. 

   Hoje solicitei a um amigo professor e engenheiro de minas que viveu naquela rua quando criança, que me ajudasse na descrição e nomeação de tais pedras. E esse tal de celular logo me trouxe a resposta. Pois bem, trata-se de "granito andorinha, também chamadas de pedras de calçamento. Tem nas regiões de Jeceaba, Lagoa Dourada, etc", respondeu-me ele. 

   Logo entendi porque aquelas pedras foram parar na minha rua. Elas estavam por ali, pertinho daquela cidade da minha infância. 

   Minha rua que tinha o pisar macio da terra vermelha ganhou dureza e tonalidade escura. Nunca gostei daquela mudança. Na verdade, ela indicava também que eu crescia junto com o desenvolvimento urbano.

   Nesse tempo outras verdadeiras mudanças aconteceram nas casas, motivo desta minha história.


   Não sei de onde tiraram aquela ideia de cobrirem a metade inferior das paredes que davam para frente da rua com pedras. Eram outras pedras. Embora essas, ao contrário daquelas do calçamento, tinham as cores mais claras, também estavam tão pertinho de nós quanto as escuras. Meu amigo professor, mais uma vez, me enviou o nome dessas: tratavam-se de "quartzito, também chamadas de pedras Ouro Preto ou São Tomé". Estas bem mais famosas e conhecidas. 

   Havia uma peculiaridade nessas transformações. Alguns moradores resolveram dar novas formas às pedras uma vez que as mesmas tinham seus tamanhos e formatos semelhantes. E foram talhadas e transformadas em diferentes objetos do nosso cotidiano. E aquilo chamava atenção não apenas de nós, os moradores, mas de todos que por ali passavam. 

  Voltei lá recentemente para fotografá-las. A rua estava deserta naquele final de tarde de sábado. Revivi um tempo do sem futuro. Foram várias fotos. Uma amiga apareceu na hora mas se escondeu ao me ver fotografando as casas. Percebi que algumas delas ainda guardavam intactas aquelas pedras nas paredes. A casa do meu amigo professor era uma delas.


  Tem violão, coração, estrelas, lua cheia, lua crescente, lua minguante, peixes, um animal não identificado (cachorro? paca? burro?), pé, pássaro, galinhas e até um porco. Há que se ter olhos para ver toda essa riqueza  entre aquelas pedras. 


  Minhas  fotos mostraram também que algumas casas foram pintadas recentemente mas mantidas tais pedras com novos rejuntes da cor daquela época, qual seja a cor preta contrastando com as cores palha e dourado das ditas pedras Ouro Preto. 
  
   Para minha tristeza e das gramíneas que nasciam entre o tal "granito andorinha" mas para o bem mal nome do progresso, minha rua fora asfaltada numa época em que estive longe dali.

  Bem, alguns dias depois das tais fotos, ainda continuava viajando pela minha rua agora tão distante de mim. E uma dor nostálgica tomou conta das minhas lembranças e das minhas saudades.

    Então tive a certeza, mais uma vez, que meu celular ou quaisquer outras máquinas fotográficas de última geração jamais  poderão fotografar o que aquelas pedras e suas bizarrices deixaram marcadas dentro de mim. 

   Cá dentro de mim essas pedras tem a maciez do colo e da pele de uma mãe, a dureza de uma realidade pobre, a alegria da criançada no corre corre, a ética daqueles pais, a invenção dos teatros defronte aquelas casas, o brilho de alguns adolescentes vislumbrando um futuro melhor e os amores da juventude nascidos ali.

  Tudo permanece em minh'alma como todas as pedras que ainda decoram minha rua.


29/09/2015

terça-feira, 29 de setembro de 2015

VIAGENS POR SÃO PAULO - FINAL



                         
                       FINAL DO TERCEIRO DIA




   Ao sairmos daquele espaço que ocupava mais de um quarteirão, perguntamos ao porteiro onde poderíamos pegar um táxi ou um ônibus que nos levasse até o Museu do Catavento, outro local que gostaria de conhecer por sugestão da minha cunhada metade mineira - metade paulista, moradora na bicentenária cidade de Itapetininga (SP).

   -" é só virar a primeira a direita e seguir reto até o final. Lá tem um ponto de ônibus e é só perguntar se eles passam na antiga prefeitura."

   E ele nos explicou que o tal museu funcionava na antigo prédio da prefeitura de São Paulo. E lá vamos nós para nossa próxima visita. Seguimos reto, sem sair do passeio e viramos à direita. Eis que neste mesmo passeio, rodeando o Museu da Imigração, deparamos com vários homens deitados de barriga para cima e com os braços estendidos ao lado ou sobre a barriga,as pernas esticadas e cruzadas. Parecia que aguardavam por algo. Estavam limpos, com bolsas ao lado, alguns jovens, outros mais velhos, mas todos na mesma posição. Não havia uma só mulher. 

   Mais à frente havia uma rua à esquerda onde, na esquina, três homens negros conversavam entre si e com  uma jovem, também negra. Pareciam irmãos. Só então entendi tratar-se de imigrantes, moradores de rua , doentes mentais e os quatro da esquina seriam haitianos ou africanos. Naquele lado da gigantesca construção ainda funcionava um espaço para acolher pessoas em condições de vida sociais vulneráveis.  

   No ônibus ainda fiquei com meus olhos diante daqueles homens e quis saber quantos havia ali. Fazendo uma regra de 3 simples, calculei que: para cada dois metros encontravam-se cinco homens deitados. Eles ocupavam cerca de 50 m dos 200 m que havia nas laterais do quarteirão. Logo, deviam haver em torno de 125 homens deitados e nos vendo caminhar numa direção desconhecida.

   Chegamos numa praça que mais parecia uma cidade abandonada. Mas logo vimos os jardins externos ao belíssimo prédio do Museu do Catavento. Lá dentro viajamos pelo tempo e pelos espaços cósmicos. Vimos os planetas, as galaxias, as formações estelares e centenas de outras coisas. Tratá-se de um museu interativo, cultural e educacional, dividido em quatro espaços: universo, vida, engenho e sociedade, com 250 instalações.

   Na verdade o prédio em estilo italiano, eclético, fora construído de 1911 a 1924 para abrigar o Palácio das Industrias que, depois de desativado, deu abrigo à prefeitura municipal de São Paulo até 2004.

  Bêbada de cultura. Alegre por ver o Catavento lotado de crianças com seus pais. E perplexa com a frase na parede:

   "Há mais estrelas no espaço do que a soma dos grãos de areia de todos os desertos e praias da terra, algo em torno de 70.000.000.000.000.000.000.........."

   Saí dali com a certeza de que, sendo assim como dizem os físicos e astrônomos, eu devo ter uma estrela no céu. Somente minha.

   Nesse momento, sentadas nos bancos externos ao museu e tiritando de frio, tentávamos ver por onde ficava o Mercado Municipal. Logo chegou meu irmão e minha referida cunhada, que viajaram para me darem a honra de tê-los ao meu lado por algumas horas. Estávamos nos comunicando desde cedo. Dissemos a eles que queríamos ir ao Mercado e ele com seu jeito mineiro: 

- "olha ele ali`"

  Olhamos em direção ao local indicado e lá estava ele. Do outro lado daquele Parque Dom Pedro, onde se localiza o Catavento.

  Comprei queijo árabe e pães sírios. Aguardamos a fila do famoso pão com salame e os tais pasteis gigantes.

  Seguimos para Tatuapé, em casa de amigos. Assisti o jogo do Corinthians, entre corintianos e, obviamente, torcendo contra. Afinal sou atleticana.

   E meu querido irmão nos levou de volta ao distante Brooklin. Dormi em berço esplêndido.

   Amanhã será o encerramento deste nosso Encontro.



                               QUARTO DIA



   Naquela manhã aconteceriam os trabalhos e conferências mais importantes, sem intervalos para lanches ou almoço. E para lá fomos nós duas. Chuva e frio.

    Não quero deixar de falar da conferência, Imagens Sonoras, proferida por um jovem diretor de orquestras de São Paulo que nos brindou com os sons e a frase "O Espelho deveria refletir melhor antes de devolver nossas imagens".

  Saímos às quatro horas com os estômagos na boca e por ali mesmo resolvemos almoçar. Esqueci que ali era o World Trade Center. Pedi uma massa verde com molho de tomates; afinal era um restaurante italiano. Um vinho tinto para acompanhar, com buschettas e alguns pedacinhos de queijo. O adiantado das horas impossibilitou a ida ao teatro Renaissance, com a peça " Loucas por Eles", indicada por outro amigo de BH.

   Assim que cheguei ao hotel arrumei minha mala e fui para a cama. Não sei se foram os tomates com seu molho ácido ou se fora a acidez da conta daquele almoço. Não consegui sair da cama.O estômago dava voltas e revoltas. Nosso vôo de volta seria muito cedo no próximo dia.


                                          
                     QUINTO E ÚLTIMO DIA

  
   Dentro do táxi ia me despedindo de São Paulo, lamentei não ter conseguido ir a nenhum dos quase 50 restaurantes especializados em comida mineira dos "meninos de Senador Firmino", pequena cidade que faz limite com minha querida Brás Pires, na Zona da Mata Mineira. Havia levado na minha carteira os endereços de oito deles. Prometo aos meus vizinhos mineiros que jantarei em algum deles da próxima vezE prometo também que irei ver meu primo e amigo de infãncia, Waguinho, profundo conhecedor na arte de supervisionar garçons em hotéis daquela megalópole.
   
   E da janelinha do avião eu ia vendo e rindo dos quero-quero disputando a pista de decolagem com aquelas desengonçadas e barulhentas aves de metais. Os pássaros faziam lindas coreografias com suas asas e seus vôos rasantes. 

   - "esse trem avoador é muito danoso", pensava eu.

   Cheguei na rodoviária de Belo Horizonte, onde minha filha, demorara para me apanhar porque era 7 de Setembro e o trânsito estava cheio de desvios.

   Bem, em casa estava eu novamente. 

   No próximo ano, 2016, haverá o X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise na cidade do Rio de Janeiro com o tema "O Corpo Falante - Sobre o Inconsciente no Século XXI"

  16/09/2015