sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Os valentões da minha rua

   Minha rua naquela cidade do interior tinha vários aspectos como todas as outras ruas de todas as cidades do interior de Minas Gerais. Mas aquela rua tinha também tinha suas particularidades. E ela era a minha rua. Minha casa tinha o número 156, escrito numa placa azul que não sei quando nem onde meu pai comprara, mas sei que ela sempre estivera lá. Ali ficava a metade da rua e a partir dali era só ladeira abaixo. Lá no final da minha rua tinha muitos moradores e eu gostava de vê-los passar defronte a minha casa em direção ao centro a cidade. E havia um imenso buraco feito pelas enxurradas logo após estas casas. Era o fim da rua. Depois da reforma minha casa passou a ser uma das únicas casas de laje de toda a rua. E era linda nas cores azul e branca. Embora meu pai fosse atleticano de nascença.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

OUTRA VEZ



                       OUTRA VEZ


    
    Andei por ai sem voz,

    Vaguei no anonimato das letras,

    E não decifrei as palavras.

    Hoje minha voz se faz ouvida,

    As letras me dão um lugar 

    E o sentido das palavras me chega.

    Mais uma vez o amor me aparece.

    Desvestido das roupas do mundo,

    Simples ser.

    Forte por natureza

    E doce na decisão.




14/10/2015




 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

AS MULHERES DA CASA



   Era uma casa diferente. Suntuosa para aquela praça tão humilde. Era de dois andares. Na frente e embaixo tinha várias portas que saiam para a rua num grande e largo passeio. Uma delas, a primeira ao lado do portão, era a entrada. Em cima as janelas foram projetadas sobre cada porta. Eram portas e janelas pintadas de uma cor que eu jamais saberia descrevê-la. Marrom avermelhado? Ou vermelho amarronzado? Só sei que a tal cor brilhava e colava nos dedos.Tinta óleo. Eu saberia futuramente. As paredes eram pintadas de um amarelo quase branco. O conjunto das cores fazia daquela casa a mais bonita da praça. Era uma casa majestosa.

   Ali morava minha avó. Eu era muito pequena. Tinha pouca idade. Mas sabia da doçura que vinha dela. Vivia com vestidos escuros e, em dias de festas, usava seu vestido de uniforme azul marinho do Apostolado da Oração, devota que era do Sagrado Coração de Jesus. Ouvia pouco sua voz. Mas lembro do seu caminhar lento e suave. Às vezes arrastava seu chinelo de couro ou de cordas com brim escuro. Tudo nela me transmitia paz e bondade.

   Morava também sua quarta filha. Minha tia. Esta não se casara. Era linda. Alegre. Dona de si e da casa. Sabia de tudo. Diziam que ela havia recusado bons partidos para cuidar das sobrinhas que ficaram órfãs. E da mãe. Era minha madrinha e eu a amava demais. Mas tinha receio de suas atitudes. Fazia dez coisas ao mesmo tempo. E tudo bem feito. Cortava nossos cabelos. Costurava vestidos lindos. Fazia deliciosas quitandas e falava como ninguém. E sabia o que dizia. Mas era de poucas palavras.

   Ali viviam também as duas meninas cuidadas por minha avó e por esta minha tia. Afinal a mãe, outra tia, morrera no parto. Falecera um ano antes de eu nascer. As meninas eram minhas  companheiras de brincadeiras. E eu tinha muitos ciumes do desvelo de minha tia para com elas. Eram mais velhas que eu apenas dois e três anos. A mais nova tinha o mesmo nome meu.

   Tinha também uma cozinheira. Fia. Era muito preta e eu ficava espantada com tanta brancura nos seus dentes. Ela gostava muito de todas nós e eu acho que ela sempre fora minha protetora naquela casa de mulheres. Eu ficava bem perto dela. Ficava vendo seu trabalhar e adorava vê-la atiçando o fogo. Fia tinha o sorriso mais bonito daquela casa. E ele vinha acompanhado de sua subserviência. Às vezes o fogo estralava e soltava fagulhas para o alto. Outras vezes a madeira escorria água e ela dizia que era lenha verde que chorava quando estava queimando.

    O fogão era muito grande e ocupava quase a metade da metade da cozinha. E tinha muitas bocas. Dentro dele corriam canos que faziam curvas e esquentavam a água daquela casa. Tinha um forno onde Fia assava as variadas quitandas. Ela tinha irmãs e tias que vinham tomar café depois da missa nos domingos. Dizia que sua casa ficava bem pra cima da Fazenda São José do Porto. Onde minha avó morava antes de mudar pra rua. Muito distante da cidade. Pra lá de légua e meia.

   Acho que a Fia revesava a hora de ir a missa com minha Tia pois eram Filhas de Maria e não poderiam deixar de cumprir suas obrigações religiosas.

   E naquela casa ainda havia a Mariquinha. Esta era de nada falar e eu nem chegava perto dela. Tinha medo de seu silêncio e de seus modos. Muito braba e queixosa. Vivia cuidando das roupas para passar. Fazia o serviço sentada e só levantava para trocar as brasas do ferro de passar. Ela fazia um movimento amplo de vai e vem para não deixar a brasa apagar o fogo e virar carvão. Era mais velha. Baixa. E tinha sempre panos enrolando uma das pernas, bem próximo do calcanhar. Devia de ser úlcera varicosa explicava um tio farmacêutico. Mariquinha não era de agradar ninguém. Era só de passar suas roupas. Nunca soube que tivesse família. Acho que só tinha ela e sua brabeza.

   A casa era dividia em três partes e os moradores a ocupavam de acordo com sua importância e serventia. A escada que dava acesso ao andar superior chegava num espaço de nada. Do lado direito ficava a sala de visitas com seus três quartos para as visitas ilustres. Lindos. Arejados e voltados para a praça principal da cidade. De fronte a tal escada ficava o quarto que fora ocupado por Mariquinhas quando já não conseguia descer e subir as escadas do fundo para os quartos debaixo da casa. Era um quarto grande mas muito sombrio. Ou sua ocupante o tornara assim... Será que a Fia também viera dormir ali? Não sei.

   Havia a parte do meio da casa com uma charmosa copa e um belíssimo espaço para a água fresca e uma pia para lavar as mãos. Com ladrilhos hidráulicos nas cores vermelha e branca. Sempre tinha os mais cheirosos sabonetes que vinham de Ubá. E as toalhas sempre limpas. Aqui havia mais dois quartos. Minha avó, minha Tia e minhas primas ocupavam o quarto maior. E eu nunca olhava para aquele outro quarto cuja janela se escondia por detrás da casa.

   Então chegava na grandiosa cozinha com suas enormes janelas para lados diferentes do quintal. E era numa destas janelas que eu ficava olhando para meu mundo além daquele. E eu via coisas que meus olhos marejavam por tanta beleza. A outra escada descia para a parte inferior com uma exagerada sala de banho e um banheiro ao contrário do tamanho. 

   Minha tia dava banho em todas nós de uma só vez. Acho que era para economizar tempo, água quente da serpentina, toalhas e pernas para subir e descer as escadarias. Nossos banhos eram uma festa, ou muitas brigas.

   Portanto eram seis mulheres que moravam naquela casa. Eu e minha irmã, às vezes, ficávamos ali sob os cuidados das mais velhas. E todas as mulheres  usavam vestidos ou saias. O comprimento, modelos e cores eram nos acordos com as idades.

   Entretanto havia um sétimo morador. Um homem que também usava longa saia preta e a quem todas as mulheres referenciavam e tomavam a benção. Eu achava muito esquisito ver minha avó pedindo a benção também. Afinal ela era a mãe dele. Mas ela dizia que ele era o representante do Papa e de Deus aqui na Terra. 

   Era meu Tio, Padre Zizinho, com suas batinas impecáveis. E era ele o ocupante daquele quarto misterioso e que vivia fechado. Minha avó sempre pedia silencio e dizia que ele ficava trancado lá dentro estudando a bíblia e lendo o "breviário". E eu tinha muito respeito por ele mas também tinha muita curiosidade por suas leituras. Jamais ousava olhar para o lado de lá quando passava  pela copa.

   Todavia acho que naquele tempo eu gostava muito das mulheres daquela casa paroquial. 


24/01/2016