sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Os valentões da minha rua

   Minha rua naquela cidade do interior tinha vários aspectos como todas as outras ruas de todas as cidades do interior de Minas Gerais. Mas aquela rua tinha também tinha suas particularidades. E ela era a minha rua. Minha casa tinha o número 156, escrito numa placa azul que não sei quando nem onde meu pai comprara, mas sei que ela sempre estivera lá. Ali ficava a metade da rua e a partir dali era só ladeira abaixo. Lá no final da minha rua tinha muitos moradores e eu gostava de vê-los passar defronte a minha casa em direção ao centro a cidade. E havia um imenso buraco feito pelas enxurradas logo após estas casas. Era o fim da rua. Depois da reforma minha casa passou a ser uma das únicas casas de laje de toda a rua. E era linda nas cores azul e branca. Embora meu pai fosse atleticano de nascença.


     Na minha rua haviam muitas crianças que certamente nasceram junto com ela. Cada casa contribuía com pelo menos meia duzia de nós. Eu tinha seis irmãos. Defronte a minha casa moravam o Sr. Pedro com Dona Efigeninha e eles também tinham sete filhos. Logo acima da casa deles vivia Dona Orlanda com seus sete filhos homens e duas filhas mulheres. Ela vivia adoentada e o marido nunca aparecia. eu ficava pensando como se arranjavam todos naquela casa. Acima da minha casa e quase encostados em nós viviam Dona Maria  e o Sr. João com suas suas sete filhas mulheres e apenas um filho homem. Éramos meninas e meninos que enchiam a rua no final da tarde com nossas inúmeras brincadeiras.

   E como nem tudo era perfeito haviam as mães e pais e estes não mediam esforços para a nossa educação. Cada pai ou mãe no seu estilo de criação. E havia uma mais estilosa ou mais esquisita que todas as outras. Era a Dona Neuza 
com seus oito filhos iguais a todos os outros filhos, entretanto para ela, seus filhos eram os melhores da rua. Em tudo. Eram os mais inteligentes. Eram os mais bonitos. Eram os mais obedientes e eram os mais demais. Ai de outra criança que ameaçasse a primazia daqueles filhos. Lá vinha dona Neuza a defendê-los como uma leoa. Era um bate-boca só dela com ela mesma já que nenhuma mãe aventurava enfrentá-la. Mais tarde eu iria gostar de um de seus filhos e, portanto, tivera que me aproximar dela para chegar perto do tal rapazinho. Então deparei-me com uma mulher de grande inteligência, de muita sabedoria da vida, de muita dureza no dela com ela. Não consegui chegar perto do filho mas valeu ter conhecido a minha ex-futura sogra e mandona senhora. 
   
    Minha mãe ficava quieta dentro de casa e sempre dizia "briga de menino é lá com eles. Daí a pouco eles voltam a brincar juntos. Deixa pra lá."

    Mas deu-se um caso que ficou na história daquela rua.

    Meu irmão mais velho, Domingos, estava jogando as tais peladas na rua com vários vizinhos e amigos. Esqueci de dizer que raramente passava um carro por minha rua. Então fica esclarecido acerca do campo de futebol. E eis que numa tarde de grandes jogos, surge uma desavença numa tal jogada. Meu irmão dizia que o outro menino havia feito aquilo por querer. Dera-lhe um chute sem bola. Lá foi Domingos tomar satisfação com o dito cujo que tinha o nome de flor conforme nos conta a lenda quando um jovem ficara mirando sua beleza num lago e morrera ali onde depois nasceria uma linda flor. Mas o menino não tinha quaisquer atributos belos daquele personagem lendário. Era desengonçado, magrelo e andava com as pernas abertas como se estivesse sem equilíbrio. Eu achava tão estranho seu nome quanto os contrários dele.

   Voltemos ao fato de fato. A confusão foi aumentando com os meninos tomando partindo para um ou outro jogador. E de repente meu irmão deu um soco sem piedade no adversário que caiu deitado de costas na terra vermelha. O tal caído estatelou os olhos, ficou esbaforido e bufou suas narinas que nem touro louco cutucado. Levantou desajeitadamente, correu até meu irmão e, ameaçando-o, esbravejou: "vou lá dentro da minha casa e você vai ver o que vai te acontecer. Vou te matar".  

  Um silêncio absoluto invadiu aquele campo de peladas. Seria agora um campo de batalhas? Domingos não se acovardou. Ficou esperando. Alguns meninos deram no pé e correram para longe da disputa. Outros queriam assistir o reboliço que daria aquilo. Meu irmão mais novo, Nelsinho, não arredara dali. Ficou ao lado do seu companheiro e irmão.

   Dai a pouco volta o menino de dentro de sua casa. Estava ainda mais vermelho. Suores escorrendo pelo rosto, braços movimentando ao lado do corpo enjambrado, cabeça erguida e caminhando em direção a meu irmão. Aproximou-se bem perto do meu irmão e disse:

   "Eu estava muito nervoso. Fui tomar um copo d'água com açúcar. Agora vamos continuar o jogo ". E jogaram até novas desavenças.

   Minha mãe estava certa.



15/02/2016

PS. Este caso acontecido me foi contado por meu irmão, Nelson, em nosso último encontro em Cons. Lafaiete em 29/01/2016.
     
E eu dedico esta história ao meu sempre bom vizinho e amigo, Narciso.

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