Um dia sem diferente dos outros, a menina tentou correr mais que tivesse ar nos pulmões para tal façanha sua. As pernas foram enfraquecendo e os passos apressados ficaram pelo desando. A tosse logo tomou lugar e o vermelho apareceu na face da menininha.
As outras, a irmã e as primas, tomaram distância e nem ciência deram da que ficou para trás. A brincadeira não esperava por quem não conseguia correr. Perdeu. Tidinha parou. Estava muito cansada. Faltava-lhe o ar. Olhou em volta e constatou que estava sozinha e por demais longe de casa. Quis chorar mas não se permitiu. Haveria de ter gente de casa procurando por ela. Sentou no nada do barranco. Esperou. Gente alguma apareceu pra desgosto da menina.
O pai decerto estava viajando pras bandas da capital. Trabalho dele motorista daquela linda jardineira. A mãe. Ela nem sabia o que era feito da mãe. Felício e João deviam de estar pegando mangas. Era o tempo delas. Ou estariam aproveitando a ausência do pai e teriam fugido para as margens daquele rio tão próximo. Nadariam até dar rugas nos dedos.
Tidinha queria ser logo encontrada. Pensava que a mãe, sumida que vivia, aparecesse para o caso de encontrá-la. Será que a menina fazia faltar o ar nos seus pulmões para fazer a mãe aparecer? Era o que ela pensava. A mãe iria logo chegar e lhe carregaria no colo. Então ela encostaria a cabeça em seu peito e sentiria o cheiro do seu corpo.
Mas a mãe não apareceu. Só nos seus quereres. A barriga requereu atenção de fome. Onde estariam Zefa e as primas que nem deram falta dela? A cabeça coçou. Deve de ser os piolhos que não morreram nem com aquele pó branco fedorento. O ar reapareceu devagarinho e com ele veio a vontade de chorar. E ela chorou. Estava sozinha no meio do caminho da casa do Sô Mundinho. Lá muito depois da ponte do rio.
Por que a mãe não aparecia? Será que de novo estava trancada dentro do quarto? Via tão pouco a mãe que nem lembrava do seu jeito. Agora as lágrimas embaçaram as lentes dos óculos fundo de garrafa. Fora a tia que viu que a menina não enxergava direito e mandou providenciar a consulta com oculista. O pai levou em dia de trabalho. A menina viajou mais passando mal que tudo. A cabeça lhe doía e os bofes saiam tudo pra fora. Carecia de mais roupas para trocar antes de ver o doutor.
Tidinha lembrava de tudo naquele momento de sozinha ficar. A roupa branca do médico e seu pouco conversar. Esclareceu a dor de cabeça sentida. Era tudo devido os olhos que não viravam direito. Olhava só para frente que nem burro de carga com viseira para não ver as belezas dos capins verdinhos ao lado.
Queria já ser menina grande sem lentidão de correr. E não passava nem uma alma protegida dos céus para lhe dar a mão e levar de volta para casa. Parou de chorar. Escutou os sinos da igreja. Era hora do Angelus, como dizia seu pai. A mãe falava que não gostava daquela hora. Dizia que já não era dia e a noite ainda não tinha chegado e amedrontava falando que era a hora do lobo. Tidinha nem tinha medo de lobos. Mas tinha muito medo das cobras cascáveis e dos urutus. Por ali tinha muitas delas que eles pegavam e mandavam para fazer soro. De repente esqueceu das cobras e levantou os olhos por detrás das lentes verdes. Pareceu que ficara ali toda uma tarde.
Então lhe apareceu a irmã esperta e corredeira. Conduziu Tidinha de volta para casa. A mãe nem tinha dado fé de seu sumiço. E quem lhe daria o banho? Foi até a cozinha. Comeu um pedaço do bolo trazido pela tia. Rumou para seu quarto. Deitou na cama pequena e estreita. Dormiu logo.
E, naquela noite, sonhou que ganhara asas e voou pelas estradas. Agora enxergava tudo. Sem aqueles óculos verdes feios. Certificou que estava deveras só no mundo. Carecia de voar...voar.
Deveria de buscar o ar e não se deixar morrer sufocada por aquilo que lhe faltava.
25/01/2016
Gostei muito, vou ler junto com a minha mãe Lídia, você escreveu no dia do aniversário dela e por coincidência ela tem asma.
ResponderExcluir... então um grande abraço p Lídia. Sem asma.
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