sábado, 31 de dezembro de 2022

Ano novo / 2023

Nasci em câncer
sou filha da água
As runas e os astros
me disseram que o ano novo
virá com os movimentos dos astros
trazendo-me menos conflitos
e menos erros de comunicação
Estou quase pronta
para falar do meu querer.
Mergulhar dentro de mim
e me encontrar nova de novo.

31/12/2022

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Desenredo

 



Coloquei meu espírito em descanso. Há alguns dias ele vinha cheio de amarras. Como aqueles nós dos marinheiros, como os nós das crocheteiras e das tricoteiras, como nós que a vida impõe sem piedade ou os nós dos amores mal engendrados.

Eis meu eu enlaçado, amordaçado, quieto e nômade.

Minhas asas foram quebradas. Meu sorriso feneceu. Minhas palavras acabaram. Estou desenredada da vida. Raspei as sobras de um amor que não vingou. Só restou nada...

A leveza me ficou mais pesada. O vazio encheu-se de dores novas. Comandante da minha vida tornei-me grumete de um navio à deriva.

A seguir um som da minha infância chegou aos meus ouvidos parcos deles. Uma flauta doce. Mais adiante o piar de um pássaro. Acolá os gemidos dos minérios de ferro sobre os trilhos da minha Central do Brasil. Aqui o silêncio do desfazer dos nós.

Então abri meus braços, enchi meu peito de ar, gritei uma palavra e tomei rumo.

Um novo mundo acordou dentro de mim.

27/12/2022

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Carta para Papai Noel / 2022

 





Funil, Mário Campos, 22 de dezembro de 2022

Bom dia Papai Noel

Espero que você esteja com boa saúde e bem preparado para as correrias de natal que se aproxima. Eu já estou escrevendo meu pedido de presente para este ano.

O Senhor bem sabe que estou ficando velha e que nem deveria mais acreditar na sua existência. Mas não só acredito quanto ainda quero um presente bem especial este ano.

O Senhor sabe também que em muitos países pobres, principalmente naquele enorme continente chamado África, muitas crianças nunca receberam seus presentes e que elas vivem, quase sempre, com muita fome de comida, fome de estudos e com muitas doenças. Aqui no Brasil também tem muitas famílias que não tem como comprar comidas para seus filhos. Nós dois sabemos do que estou falando. Muito triste isto, não é?

Acho que tem outra coisa ainda mais triste do que a falta dos presentes para aquelas e outras crianças. Estou falando daquelas crianças que não foram criadas com a magia do natal. Acho isto muito grave. Sabe Papai Noel, toda criança deve criar suas fantasias. Viajar nas aventuras imaginárias e brincar com suas fantasias faz parte de todo o mundo infantil. É muito importante para elas crescerem felizes e saudáveis.

Quando eu era criança, meus pais me contavam a história do Menino Jesus que nasceu no estábulo, aquele lugar onde os pastores recolhem o gado. Foram os animais que estavam dormindo ali que deram calor e proteção para o menino que nasceu bem junto deles. Eu ficava imaginando aquele menino e procurava no céu a tal estrela guia que conduziu os Reis Magos até o local. Ficava imaginando também os reis Gaspar, Belchior e Baltazar  que viajaram de longe para levar presentes para o pequenino Jesus Cristo. Eles levaram ouro, mirra - que é uma planta que tinha um significado importante naquelas regiões - e incenso - que é um perfume delicioso. Eu adorava sentir o cheiro do incenso dentro das igrejas.

Sabe Papai Noel, eu nem sabia que meu pai e minha mãe compravam presentes para as crianças da nossa rua que eram mais pobres que nós.

Depois que cresci e estudei bastante, aprendi que toda criança deve ter muitas fantasias e que são as magias que vão construindo o mundo interno de cada criança. Aprendi também que as crianças que crescem sem fantasias ou magias poderão ter muitas dificuldades na vida adulta.

Então, Papai Noel, este ano eu quero pedir ao Senhor que viaje bem rápido no seu trenó, ou na sua charrete, ou mesmo num carro de boi, quem sabe até numa moto bem potente, e jogue muitas fantasias para todas as crianças do planeta Terra.

E como sou ousada, também quero pedir um presente especial para o Senhor. Quero uma caixa de sabonetes coloridos e bem cheirosos. Não tem problemas se não conseguir trazê-la em tempo. Se precisar, vou busca-la do outro lado do planeta montada na minha nave super potente toda colorida e feita das peças de Lego.

Abraços para você e muita saúde.

E não esqueça de mim. Você já sabe que moro numa pequena cidade chamada Mário Campos.

Meu nome é

               Maria do Rosário Nogueira Rivelli











Fotografias: naves espaciais construídas pelo meu neto




                         


                                          


Presépios nas casa das irmãs Maria das Graças e Maria da Glória.

Obrigada pela gentileza das fotos.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Crônica: Um Fetiche

                                 

                   

Eles estavam lá. Tinham diversas formas, perfumes e cores. Alguns eram redondos, do tamanho de um limão rosa, ficavam pendurados em delicadas correntes devidamente presas na parede do lado direito, acima da pia. Lembro bem desses detalhes. Para que essas paredes não sofressem a ação das águas respingadas de mãos nem tão santas elas eram pintadas com tinta óleo até acima da minha cabeça. Assim, brilhantes, elas pareciam que estavam vivas. Outros eram deixados em saboneteiras de porcelanas, pintadas a mão com temas românticos de amores platônicos. Os mais refinados vinham em luxuosas caixas de lata ou de papelão, os mais baratos entre os mais caros. Desses grã-finos não me lembro de ter lavado minhas mãos pequeninas sujas de meninices.

Na minha infância eu ficava olhando para aqueles sabonetes que minha tia colocava na casa para o padre, seu irmão, e para as visitas mais importantes. Era de admirar tantas delicadezas naquele lavabo, onde os sabonetes enchiam o pequeno espaço de perfumes raros e cores tantas. Para mim o mais perfumado tinha a cor da goiaba vermelha amadurecendo e tinha o perfume do jambo. Jamais esqueci desses.

Naqueles meus poucos anos havia vivido também sob a tutela da tia madrinha dona de todas as palavras bem ditas, embora ela quase não as usasse por temor de ofensa a Deus. Quando as palavras lhe saiam pela boca era uma beleza. Todas elas vinham sem cair. Eu tinha medo das minhas palavras e das palavras exatas da minha tia. As minhas ficavam sufocadas no meu peito. Mas os perfumes da casa que ela administrava eu podia sentir. E podia ver os coloridos dos sabonetes no lavado encrustado na grande copa da casa.

Toda vez que ia àquela casa queria lavar minhas mãos naquela pia. Nem ousava chegar perto. Se eu me aventurava aproximar dela logo percebia que meu tamanho não me permitiria tal ousadia. A tia brava demais e eu pequena demais.

Minha tia era uma bela mulher. Nunca se casou. Acho que ela casou com a responsabilidade daquela casa paroquial.

Quando apareciam as perebas nas minhas pernas, e elas sempre apareciam, minha mãe fazia um escaldado com muita água quente e folhas do pé de fumo. Ela banhava as feridas com aquelas folhas grudentas que colavam nas feridas. Eu inalava o cheiro acre daquela mistura verde escura e sonhava com os sabonetes coloridos e perfumados da minha tia.

Não lembro se na minha casa haviam sabonetes. Só lembro das bolotas de sabão preto usados na lavação das roupas e das panelas com fuligem do fogão a lenha. Talvez tivessem sabonetes para o banho, mas, certamente, eles seriam sem cores e sem perfumes. Estes só haviam nos meus olhares e nos meus sentidos de menina calada.

Na minha adolescência esses objetos fetiches ganharam novas pinturas que eram aplicadas diretamente neles. Depois de secadas as tintas eram fixadas com esmalte incolor. Eu me deliciava quando era presenteada com eles. Uma colega da escola aprendeu a técnica e colocava todo seu romantismo neles. E esses sabonetes pareciam verdadeiras obras de arte

Recentemente me vi apanhando do chão e levando a boca um pequeno jambo. Estava em pleno centro da cidade de Betim. A árvore fora plantada na rua, bem defronte à casa de uma amiga. Não resisti. Fechei meus olhos e entrei na minha infância. Então pude saborear aqueles tempos dos meus sabonetes.

A menina daqueles tempos, que ainda mora dentro de mim, trouxe consigo o apego pelos sabonetes coloridos e cheirosos.




                 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Poema: Meu senhor

    


   "Meu senhor"

   Na madrugada

   que nos aguarda

   Haverá o canto de algum pássaro

   Talvez uma chuva

   Tantos caminhos a frente

   Horas de silêncio,

   prometo.

   Palavras medidas,

   contidas,

   suaves

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Crônica: Encontro com deus Rudá

 




“E o deus do amor na mitologia tupi-guarani, Rudá, atendeu ao desespero da menina e a transformou em pedra.”


Um convite anunciado e os aceites de nós que queríamos estar juntos de novo. Sentimentos aflorados com a possibilidade da volta aos tempos da juventude. Assim foi.

Minha viagem começou bem antes das estradas. Os traçados dos percursos nos sofisticados aplicativos Google eram menores do que aqueles traçados dentro de mim. Optar por um caminho alternativo, conforme sugerido pelo colega residente naquela região, trouxe-me mais tranquilidade e muito mais alegria. Mas gosto dos caminhos desconhecidos por onde me deixo perder pelo prazer de me procurar.

O colega motorista fez, sem o saber, exatamente como desejei. Sem correrias. Sem indelicadezas na direção. Cuidadoso, mostrando-se o avesso do colega esbaforido e ácido.

No trecho margeando o Rio Piranga uma outra viagem aconteceu dentro de mim. Eu retornei para minha infância. "São dois irmãos que nascem na Serra da Mantiqueira, um bem próximo do outro. Correm paralelos e formam o Rio Doce". Assim dizia meu pai que, sem o saber, nos ensinava geografia.

Chegamos em Muriaé. Ali deu-se nosso encontro com o primeiro colega e sua esposa. E meu coração iniciou o batuque dentro do meu peito. Seguimos juntos. Agora com um excelente guia.

Em Espera Feliz iniciamos a subida que nos levou a Pedra Menina, na estonteante Serra do Caparaó.

Estradas curvas, subidas íngremes, belíssimas construções rústicas coloridas com muito amarelo.

E tão logo nossos encontros começaram. Um grupo chegou com risadas e abraços. Chegou outra turma com mais abraços e palavras soltas.

No aconchegante chalé dos anfitriões tomamos um café do lado de fora, bem junto ao cafezal e às flores. Queijos, biscoitos, broas, doces, geleias e vinho. Muito vinho. E presentes para todos e todas. Só então entendi que estávamos no município capixaba de Dores do Rio Preto.

- “O riacho divide os estados de Minas e Espírito Santo. Aqui é o Espírito Santo” me disse nossa anfitriã. Estava explicado.

Logo percebi que o laço foi jogado. A laçada bem apertada. Não por acaso éramos 13 colegas ali, não um número qualquer. Estamos enlaçados assim desde o início dos anos oitenta.

Ali estávamos 13 estudantes que viveram nos sombrios anos da ditadura militar. Sobrevivemos cidadãos e médicos humanistas como já não existem tantos.

A magia do encontro foi se dando na contação de histórias, no compartilhamento dos perrengues, na explosão de gargalhadas, na divisão das receitas de pães de queijo, no uso de blusas emprestadas e na certeza de que nos amaremos para sempre.

- "Há quarenta e um anos não vejo ciclano nem fulano".
Era o que se ouvia de um.

- "A pousada aceita cachorro?" Era uma colega preocupada com seu simpático cãozinho com nome de jogador famoso.

- "Tem lugar para nadar?" 

E nada deixou de ser respondido com a delicadeza da anfitriã ou o arranjado do anfitrião que sempre foi tão só um desarranjo.

Para tristeza do grupo, na última hora, a colega aniversariante se rendeu aos compromissos familiares e não veio para o encontro e nem para soprar a vela do delicioso bolo encomendado.

As longas viagens não nos deixaram cansados. Nossos corpos de jovens de mais de sessenta anos estavam abençoados pelo deus Rudá. 

Na manhã de sábado entramos no Parque Nacional da Serra do Caparaó. Adentramos por trilhas acima das nuvens naquele paraíso ecológico procurando por cachoeiras. Os sons das águas e os cantos dos pássaros foram nossa trilha sonora e a vegetação da serra foi nosso cenário fotográfico. Mais adiante uma nova trilha com marcação de mil metros. Um grupo dos jovens sessentões não declinou de segui-la. Desisti nesta hora.

Foi possível perceber tristezas que salientaram as “linhas de expressão” em alguns colegas. Muitos abraços e afagos encobriram as possíveis lágrimas brotadas. Era, mais uma vez, o deus Rudá cumprindo sua missão de amolecer os corações dos indígenas e das indígenas e prepara-los para o amor.

E, na última noite do nosso encontro, contaram-me que o deus Rudá é responsável pela lua cheia – Cairê – e pela lua nova – Catiti, junto com Guaraci (o deus sol) e Jaci (a deusa da lua), sua esposa e irmã. Conta a lenda que os índios deixaram o litoral e foram morar nas montanhas. Até que um dia o local foi invadido e os invasores ficaram deslumbrados com a beleza da pequena menina índia e um deles procurou seduzi-la. Porém a menina havia consagrado sua virgindade a Rudá. Desesperada, pediu ao deus Rudá que a transformasse numa pedra e a deixasse bem no alto, entre as nuvens. Lá fica ela deitada para que todos possam apreciar sua beleza e para que ela possa proteger a montanha.

Fiquei pensando que nossos anfitriões escolheram aquelas alturas, não por acaso. Dali, bem do alto, ficamos em contato com o deus Rudá, com sua amada menina da pedra e saímos de lá com nossas juventudes refeitas.

Agora que venham outros reencontros banhados por Guaraci e Jaci, acolá será sob a insígnia da liberdade.

30/11/2022


Observações:
Fotografias feitas pelo grupo 
Assim deu-se o encontro com 13 colegas médicos, formados pela UFJF no ano de 1981, nos dias 24,25 e 26 de novembro, com a companhia de três esposas, dois maridos e o mascote Zico, na Pedra Menina, em Dores do Rio Preto – E.S.)


















segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Postagem do Facebook, dia 20 de novembro



"20 de novembro”




Há exatos trinta e seis anos nascia meu primeiro filho. O nome já escolhido desde sempre. Por acaso do destino teria o mesmo nome do pai; Francisco. Ontem, dia 19 de novembro, acordei-o do outro lado do planeta para dar-lhe meu abraço de “Feliz aniversário” uma vez que por lá já era hoje por aqui. Lembrei-lhe que, quando olhei para ele pela primeira logo após o parto, era como se estivesse me vendo. Seus olhos e todo ele era eu de novo. Desde então meu filho tem sido meu grande companheiro e amigo. Um estudioso apaixonado pelas relações humanas, políticas, internacionais e filosóficas. Para lá se foi ele com sua família em busca de novos voos e sonhos. E cá ficamos nós a celebrar este dia Nacional da Consciência Negra.

Pois bem, hoje quero falar do poeta mineiro de Santo Antônio do Itambé, Adão Ventura, que de forma tão bela nos trouxe as dores dos negros escravizados.

“Um
em negro teceram-me a pele.
enormes correntes amarram-me ao tronco de uma Nova África.
carrego comigo a sombra de longos muros tentando impedir que meus pés cheguem ao final dos caminhos.
mas o meu sangue está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras que os meus avós
carregaram para edificar os palácios dos reis”

Hoje também quero falar do escritor Laurentino Gomes que, em seus livros, nos conta acerca das atrocidades vividas pelo povo negro escravizado nas três Américas para enriquecer seus “donos”.

Escravidão:
(Do primeiro leilão dos cativos em Portugal até a morte do Zumbi dos Palmares – vol I)

Hoje também quero falar de Nossa Senhora do Rosário cuja história nos remete aos nativos africanos que encontraram a imagem perdida numa de suas praias desertas. Fizeram um belo altar rústico para coloca-la junto ao povo em sua aldeia. Enfeitavam-se, dançavam e cantavam em sua homenagem. Até que um dia veio a notícia de que a referida imagem pertencia a uma senhora da nobreza portuguesa que a exigiu de volta. Foi edificada uma capela riquíssima e a imagem foi entronizada dentro dela onde os religiosos colonizadores a adoravam.

Entretanto, misteriosamente, a imagem de Nossa Senhora do Rosário, seguindo os sonos dos tambores, aparecia todas as noites no altar junto aos nativos. E eles tocavam, cantavam e dançavam em volta dela que sorria junto da folia. 

Assim se deu o amor entre a virgem do Rosário e os negros que a tornaram sua protetora juntamente com Santa Efigênia.

E o acaso também me levou, ainda menina, a morar numa rua cuja maioria dos vizinhos eram negros, trabalhadores mineiros do manganês, em Conselheiro Lafaiete.

Eu e meu nome Maria do Rosário.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Postagem do Facebook, "MANHA DO DIA 20 DE OUTUBRO DE 2022"



Acordei no meio da noite com o delicioso barulho das chuvas caindo no meu quintal. Escutar o farfalhar das folhas dos imensos ipês foi meu melhor calmante. A noite estava fresca e convidativa à calmaria. Meus ouvidos ensurdecidos me presentearam com os sons das águas sobre minha casa.

Foi preciso aliviar as tensões das últimas semanas. A noite cheirando a terra molhada e a flores da primavera, foram revigorantes. Às águas da chuva se misturaram os suores das caminhadas, das carreatas, dos trabalhos de “virar um voto”, das poeiras do mineiro grudadas na pele, das palavras mal ditas pelos inescrupulosos adversários.

Enfim acordei leve, fresca, renovada e limpa.

Abri as janelas. Constatei então que não havia terra molhada. Não choveu a noite. Mas choveu muito nos meus sonhos.

Enfim meus sonhos me trouxeram de volta os sons e cheiros da terra e dos céus.

Um café coado diretamente na xícara. Pão com queijo e um pedaço de mamão. “Hoje retomarei minhas leituras - ‘As mil e uma noites’ das arábias ainda não passaram de cem histórias. Meus cursos de literatura russa e pensamento crítico continuam parados. Vou retoma-los a partir de agora”. Assim decidi em pensamento. Doce ilusão.

Naquele exato momento me veio a lembrança do meu pai falecido há exatos sete anos. Ele foi um pai alegre, presente, inteligente, divertido e um homem bem à frente de seu tempo. Tentou inutilmente me ensinar a tal prova dos nove na matemática. Entendia um pouco de latim, francês e amava nos contar as histórias do Brasil. Contava, com orgulho, que estudara até a quarta série do ensino primário. Amava a minha mãe e fazia tudo por ela. Enquanto avô foi pura doçura.

Até então nunca havia entendido as contradições políticas do meu pai. Ele amava seu povo. Foi eleito prefeito na nossa pequenina cidade da Zona da Mata Mineira, recém criada, nos anos cinquenta. Meu pai sempre respeitou e reconheceu a coragem, a força, a sabedoria e o peso dos seus adversários políticos. Entretanto, como artista que era, não conseguiu governar com a razão que o cargo exigia. Renunciou à governança.

Respeitou e admirou o “grande milagre brasileiro” dos tempos sombrios da ditadura. Vivi minha infância e toda minha adolescência durante aquele tempo. Talvez eu não tivesse a consciência e o entendimento políticos e sociais que tenho não fossem um amigo de adolescência com suas indicações de leituras socialistas e meus estudos numa universidade pública federal. A isto se juntaram os inúmeros trabalhos enquanto médica em serviços públicos.

Percebo hoje que não havia como não cair nas seduções das TVs da época que mostravam grandes e maravilhosas realizações dos generais presidentes apresentadas em noites de sextas-feiras e por todos os finais de semana. Obviamente que jamais falavam dos jovens “suicidados” nos porões do regime, dos desaparecidos, das covas rasas, das perversões com mulheres e homens.

Com isso quero dizer que lamento o fato de tantos familiares, colegas e amigos, estarem seduzidos pelo que há de pior na classe política brasileira. Entristeço por aqueles que não tiveram ou que não tenham capacidade de entendimento daquilo por trás da extrema direita no Brasil e no mundo. Entretanto, para todos aqueles que sabem do que se trata a perversidade do atual presidente e, mesmo assim, optaram por ele, só lamento. Estamos irremediavelmente de lados opostos.

Sou da vida, da alegria, da doçura, das leituras, das artes e dos amigos e amigas, sou também irremediavelmente do lado esquerdo do coração.

Voto Lula presidente do Brasil.

domingo, 23 de outubro de 2022

Postagem do Facebook, 23/10/2022






Carta para meu Neto

Mário Campos, domingo, 23 de outubro de 2022

Boa noite para você daí e

bom dia para nós daqui

Estou com muitas saudades de vocês. Ainda ontem sua Tia descobriu as folhas que você escreveu pra mim. “Vovó é bufufuda”.

Ainda posso ver seus sorrisos quando lhe respondia: “Bufufuda é sua avó. Mãe do seu pai”.

Há um mês vocês se foram para longe de nós e daqui alguns dias você fará sete anos.

Lembro do dia do seu nascimento. Por acaso do destino aquele dia foi meu último plantão antes da minha aposentadoria. Eu estava feliz demais com sua chegada. Quando você me viu pela primeira vez, foi logo abrindo os olhinhos e pude ver que eles tinham a mesma cor que os meus. Estava feita nossa apresentação. Depois foi só alegrias com nosso convívio.

Agora você está tão longe e eu estou com muitas saudades. Mas feliz por saber que estão descobrindo um país belo, com oportunidades iguais, que está conhecendo novos amigos e aprendendo muitas coisas legais.

Mas aqui no Brasil as coisas não estão legais. O presidente do país não ajudou o povo durante a pandemia, ele debochou dos doentes sem ar para respirar, ele não gosta das pessoas pobres, não cuida das pessoas e agride todo mundo que não gosta dele. Aqui a comida está muito cara e várias famílias compram ossos nos açougues e catam restos de comidas nos lixos.

Meu netinho, estamos muito tristes com toda essa situação. Sei que você compreende o que estou falando pois acompanhei bem de perto a educação que seus pais lhe deram. Sei também que você sabe que o motivo de terem ido embora do Brasil foi tudo isto que está acontecendo conosco. Ai sua mãe fará um excelente curso e seu pai conseguirá um bom emprego. Eu continuarei chorando de saudades mas lutando por aquilo que acredito. E eu acredito na vitória do ex- presidente Lula no próximo dia 30. Será seu presente de aniversário adiantado.

Fiquei sabendo sobre sua escola e de tudo de legal que ela tem. Achei muito engraçado os nomes dos parques daí. Aproveite bastante. Faça muitos amigos e os convide para conhecer o Brasil, nossas belezas naturais e nosso povo alegre.

Coloque a toalha do Lula na janela do seu quarto, tire uma foto e envie para mim. Ok?

Eu te amo muito e não sou bufufuda!!! Porque bufufuda é a sua avó, mãe do seu pai.

Muitos abraços e beijos para você, sua mamãe e seu papai.

Sua vovó Zarinha Rivelli










segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Postagens do Facebook - 17/10/2022

 Sobre galinhas e rachadinhas

Enquanto médica e psiquiatra não poderia deixar de apontar a atuação do ex-presidente Lula, ontem, no debate da TV Bandeirantes.

Lula demonstrou, mais uma vez, sua humanidade ao não ficar impassível mediante as provocações e ao escárnio dirigidas a ele pelo outro candidato. Lula ficou nervoso e inquieto ao lado do seu adversário.

Por outro lado, Bolsonaro sendo um sujeito débil com todas as características que tal adjetivo lhe confere, manteve-se em posição militar com seus risinhos estapafúrdios. Bolsonaro é portador de poucas palavras e de muita ignorância, é portador de instintos animalescos como a zoofilia e a pedofilia (como ele próprio declarou), é portador de tantas outras atitudes inadequadas ao ser humano e, ainda mais, ao cargo que ocupa. Portanto só lhe restam a fala desajeitada, o corpo enrijecido, a falta de expressões faciais, o amor às mentiras, ou seja, a mitomania.

Lamentável e compreensível que tais disparates lhe tragam tantos seguidores por aquilo que chamamos de identificação ao líder.

Finalizando quero deixar claro que estarei sempre ao lado daquele que luta por justiça social, pela soberania do país, ao lado daquele que busca educação de qualidade para todos, ao lado daquele que implantou o SUS enquanto o maior programa político gratuito de saúde do planeta e por tantos outros feitos...

Eu sou LULA.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Crônica: Nome de Santa Madroeira

 


Brás Pires, meu amor, 7 de outubro de 2022


A casa, sempre refeita nova, me acolheu mais uma vez com a mesma delicadeza de outras chegadas.

A tarde estava suave e fresca. Meu olhar foi convocado até a enorme janela do quarto que me foi oferecido na casa. Em poucos minutos a noite iria engolir o dia. Naquele exato momento meu coração disparou. - Nessas horas preciso escrever - Prontamente minha cunhada atendeu ao meu pedido me trazendo folhas em branco. Não poderia perder a inspiração.

Apaguei as luzes do quarto. Queria ver a escuridão.

Lá embaixo o campo de futebol do Independência. A grama estaria verdejante pela bênção das primeiras chuvas. Mais adiante o Rio Xopotó serpenteando duas extensões de terra revoltas. À tarde eu havia ficado ali, observando o trabalho dos agricultores com seus tratores que mais pareciam marujos navegando e singrando a terra com seu vermelho.

Quando a escuridão tomou conta de tudo, debrucei no peitoril da janela. Nem fora preciso fechar os olhos. Inspirei fundo e deixei o aroma da noite penetrar dentro de mim. Cheiro de terra molhada revolta, cheiro de grama e outros cheiros inebriantes de mata no entorno.

Talvez um vinho tinto colorisse a noite. Talvez a noite me deixasse penetrar nos seus segredos mais íntimos e escandalosos.

Bendita noite que me deixou ver algumas luzes do outro lado do Rio. Lá estava a charmosa Várzea, uma extensa região plana, acima da serpente d'água. Havia ido lá pela manhã. Deparei com flores na porta de entrada e, dentro da casa, uma mulher guerreira que não havia sucumbido aos acasos que a vida lhe trouxera. E ganhei abraços.

Voltei para minha janela e olhei à minha direita. Um muro que à tarde havia sido palco das lagartixas imóveis ao sol esperando pelos distraídos insetos.

À minha esquerda, na escuridão da noite, vejo cenas da amiga de infância numa cadeira de rodas. Adoeceu bem pequenina e não andou mais. Tinha nome de anjo. Muitas vezes eu saía de casa para brincarmos juntas. Amava aquele percurso. Será que foi numa dessas vezes que teria encontrado o Leite, mais uma vez, bêbado e esbravejando sobre a ponte de braúnas enegrecidas? Não lembro o que fiz. Certamente havia pensado que morreria naquele momento.

Eu e minha amiga falávamos de amores. Éramos duas adolescentes e nem sabíamos o que era aquilo. Mas falávamos de amor.

Ainda na janela continuava a sentir o cheiro da terra remexida que remexia meu coração. Para onde teriam ido aqueles amores?

De repente as curvas do meu Rio dos Cipós Amarelos trouxe de volta as dores concretas até então trancadas dentro de mim. Cortou-me na carne as lembranças daquelas duas mortes.

A morte de adolescente deveria ser proibida. É estupidez. Assim como a morte de pais jovens que deixam filhos órfãos.

Duas mortes ali bem perto de mim. E elas me amadureceram antes do tempo.

Constatei que os dois tratores abriram a terra para brotar as sementes e, à noite, dois tratores passados encheram meus olhos de água.

E, nesses dias de festas à madroeira, Nossa Senhora do Rosário, me rendi às tradições. Saí pela pequena cidade revisitando meu passado. Reconheci cheiros do passado. Ouvi palavras do passado. Abracei meu passado. Fazia-se preciso reviver meu passado para entender meu agora.

Nessa noite de aromas molhados me encontrei no meu nome de santa:

                           Maria do Rosário

(2 
Estrada, às margens do Rio Xopotó, para a fazenda São José do Porto)

                                   
                                           

(3)
Flores no chão da árvore no meio da estrada.



(4)
"Que é árvore é esta que exala tanto perfume?", foi minha pergunta a um motociclista que passava por ali e parou ao meu pedido.
_ "É a Esperta. O leite dela cura furúnculos"
E me apaixonei pela Esperta




(5)

Encruzilhada. À direita para a Ribeirão de Santo Antônio. E, à esquerda vai para Cipotânea.





(6)
E eis a belíssima Gameleira. Ela reina sozinha e gigante no meio de uma várzea, na estrada para Cipotânea.


(7)
No entroncamento da estrada está a casa do meu Tio João. Ali estava a Fazenda São José do Porto.



(8)
E a Congada vai em direção à igreja de N. Sra do Rosário para saudar e protegê-la.


Agradecimentos:
Nilza Maria Teixeira Nogueira
Maria da Glória Rivelli de Oliveira.

Fotografia: 
- (1)pintura sobre tela da Fazenda São José do Porto.


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Poema: Ele vem com a Primavera

 







Com uma desculpa o acordei

Ele se arregalou todo, de mansinho.

Como as ramas do maracujá nas minhas bordas,

ele foi aparecendo.

Nem sabia mais o sabor dos seus beijos

Enquanto o suco do maracujá desce doce

O reco-reco dos tucanos anunciam concorrência

Gritaria verde na amoreira de amoras roxas

Tomates vermelhos colorem meus pães com o azeite oliva

Ameixas amarelas ácidas lembram a infância

Tímidas flores cor de rosa brotam dos ipês

Gotas incolores de chuva refrescam meu esperar

Ele vem com as cores da primavera





(26/09/2022)


(Fotografias do meu quintal)





segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Poema: Dia da Partida

 



Antecipou seu aniversário

Queria os coleguinhas da escola na sua festa

Brincaram

se entenderam por quase três horas,

pura folia

Não queria que a festa acabasse

No dia seguinte

Almoçou com os amigos dos pais

Vovós e vovô presentes

Tias e primas ao lado

Visitaram a casa da bruxa

Meu neto tomou a vassoura da tal

Acelerou as turbinas

voou para o outro lado do planeta

O coração desta vovó apertou

E muita água ficou vazando pelos dos seus olhos




16/09/2022

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Conto: Bonecas e desesperos na tarde de domingo

 



                  
    
 Aos domingos após o almoço a meninada insistia para que a mãe os deixasse ir à casa da tia. O pai empurrava para a mãe as autorizações ou negações de quaisquer pedidos dos filhos. Ele respondia com o mesmo tom: "Sua mãe é quem sabe. Se ela deixar tá deixado".  

Assim acontecia em alguns domingos, após o almoço, na casa daquela família mineira cheia dos filhos. Glorinha, Zarinha, Paulinho e Zezinho, apesar de serem os filhos mais novos, já estavam crescidinhos e poderiam sair sozinhos na cidade daquela época. Talvez a mãe consentisse com tal pedido até mesmo para seu descanso das estafantes tarefas domésticas. 
Para lá iam os dois pares das crianças. A casa da tia era muito longe, mas eles nem se importavam. Haveria muitas brincadeiras, uma mesa com café, pão com margarina em retribuição e K-suco vermelho.

Os quatro filhos da Tia pareavam nas idades com aqueles primos.

Depois de caminharem sozinhos por grande distância até o centro da cidade alta, atravessavam a praça principal e começavam a descer a Rua Brasil. A tal rua parecia nunca ter fim. A descida era muito íngreme e muito longe até a casa daquele tio louro dos olhos azuis, do nariz muito fino e daquele gogó no pescoço. A mãe dizia que aquilo chamava Pomo de Adão e as crianças caiam nas gargalhadas.

Chegavam esfomeados, sedentos de água e de brincadeiras. E contavam os minutos para a hora do café com pão. A casa mais parecia uma casa de bonecas. Tudo colorido e no seu devido lugar. Parecia que só as personagens das histórias infantis habitavam aqueles espaços. No quarto das meninas haviam as bonecas mais modernas daqueles tempos. Glorinha enchia os olhos de vontade de ter uma daquelas bonecas. Não teria. Zarinha aceitava qualquer brincadeira desde que pudesse desfrutar das companhias das primas. Mas observava tudo. As meninas tinham jeito de princesas, pensava ela. A mãe mais parecia uma rainha da inglaterra. E havia uma ama que, com um sorriso no rosto, parecia querer brincar também. Entretanto ela não descuidava de suas pupilas e de toda aquela meninada. Paulinho ainda era muito pequenino e pedia colo.

E foi numa dessas visitas que algo sucedeu. Voltando para casa, depois de muito brincar, chegava o cansaço e logo haveria aquela rua inacabável que era só subida. E lá foram os meninos e as meninas. Zezinho começou a reclamar ainda na metade do morro. Era um choro contido e raivoso. Quando chegou bem lá em cima, já no passeio lateral da padaria do Sô Nestor com a frente voltada para a praça, o menino pisou em falso no meio fio e caiu. Aproveitou a queda e libertou o choro. Chorava compulsivamente. E, toda vez que chorava de raiva, havia o tal do engolir fôlego. Uma vez ele quase arrancou o dedo do pai quando este foi tentar desvirar a língua do filho que embolava e impedia a passagem de ar. Deu-lhe uma forte dentada. Aquilo zangou e foi preciso muito tratamento. As irmãs sabiam disso e se desesperaram. Então Zezinho engoliu o fôlego ali mesmo no chão do calçamento pé de moleque. Já roxeava quando as meninas começaram a gritar e a chorar. Como quem desce do céu, apareceu Sô Nestor que conseguiu fazer voltar o fôlego do Zezinho. 
Nunca se soube o que ele teria feito para salvar o menino. Mas sabe-se que na padaria dele havia o doce de leite com coco em pedaços mais deliciosos da praça.
   









Fotografia: exposição dos trabalhos das pessoas portadoras de sofrimento mental em Belo Horizonte (arquivo pessoal)

12/09/2022







domingo, 11 de setembro de 2022

Poema : Números Primos

 


Nasci no primo 3,

ano primo 57

numa quinta-feira prima


Dizem os matemáticos

que três pés seguram o mundo


Minha avó dizia que 7

é o machado na víspora


Meu pai nasceu no primo 19

Minha mãe no 22

Arte moderna

dois patinhos na lagoa


Mas,

para o amor

bastam 2 que não são primos


11/09/2022

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

João e Maria


 João e Maria

 

Texto 1 -

João Vira-Virou tinha ideias e atitudes extravagantes. Tinha overdose literária quando cheirava o pó de livros e bebia suco de fungo. Gostava de fazer amor no banco de trás da Igreja Matriz.

João Vira-Fumou fumaça de cigarro de chuchu e deu uma grande gargalhada olhando para o buraco das formigas por onde elas saíam carregando água e entravam secas.

João Vira-Comeu uma flor de lírio e foi colocar seu smartfone de molho com sabão em pó no tanque da casa da sua avó.

A seguir João Vira-Passou a mão num bife sobre a mesa, colocou-o no bolso e despediu da família. Precisava de dinheiro para voltar para república onde morava com os amigos da faculdade de direito na capital.

Texto 2-

Maria Que-Não-foi-com-as-outras contou que foi gerada entre as capoeiras da mata do sítio do Zé Capeta. A mãe havia lhe segredado que depois da safadeza foi se lavar no "córrego raso de águas cristalinas onde as taiobas nascem brilhantes debaixo dos cedros” – assim havia dito toda cheia das poesias. "Você foi feita com muito amor." O pai nunca ela falou quem foi. Maria-sem-vergonha desconfiava que teria sido um dos filhos do patrão quando era ainda moço sem juízo. "Ele tem os mesmos belos olhos verdes que nem os meus". Mas ficava calada. "Segredo de mãe merece respeito". A patroa da mãe sabia de tudo e, por isso, sempre a tratou com um “chega prá lá” porque não queria atrapalhar o futuro do filho. Mas hoje Maria, sendo moça feita bonita, dançava nas festas e enchia os olhos dos moços de desejo. “Dá eu não dou pra ninguém. Mas divirto à revelia”. Repetia ela.



Texto 3-

João e Maria

Foi logo depois de comer a tal flor de lírio, botar o bife no bolso e sair de casa que João se enveredou pelas ruas da pequena cidade. Já se fazia tarde. Caminhou até o jardim com os olhos que nem duas bolas azuis de gude. Não via nada. E os tais olhos azuis nem serviam para cricar uma na outra já que o nariz as separava. 
João acabou adormecendo encostado num pé de flamboyant cuja sombra se espalhava pela metade do espaço. Acordou com o som do alto falante da igreja que anunciava a hora do Angelus. Precisava de água, de muita água. Então se dirigiu até o bar do turco, Adib, um velho amigo do seu pai.

- Boa noite João. Como estão seus pais? Se aconchegue que vou lhe trazer uma soda limonada para curar esse desvario. E como andam os estudos lá na capital?

-Tão indo Sô Adib. Tão indo.

Era tudo de que João não queria falar. Adorava a roça, os cavalos, as plantações de frutas e as “criações” como a mãe dizia das galinhas, dos porcos e das poucas cabeças de gado. De doutor ele nem queria saber. Queria ser que nem o pai, fazendeiro.

E foi pensando assim que nem viu Maria-toda-prosa entrar no bar. Aqueles olhos verdes na pele morena, o sorriso estampado no rosto e o jeito maroto da jovem logo chamaram a atenção do semiacordado.

- Você vai pra capital e esquece as amigas? Maria-toda-bela foi logo perguntando.

- Não vai me dizer que você é aquela menina que brincava comigo?

Pois eram amigos de infância.

Nesta hora Sô Adib olhou para eles e foi logo dizendo:

-Aqui e em qualquer outro lugar é só conversa! Nada de namoro que os olhos são quase iguais e quem sabe o sangue também!

Foi assim que Mariazinha-a-esperta descobriu com quem sua mãe havia se deitado entre as capoeiras da mata na fazenda.

26/08/2022

Observação: Estes textos foram escritos para a Quarta Oficina de Escrita de agosto de 2022

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

PROSA DE AMOR


                                (beijos)


ELE: vamos sair hoje?

ELA: impossível, não saio com chuva.

ELE: tenho capas, guarda-chuvas e vamos de carro.

ELA: vamos fazer outra coisa?

ELE: jogar baralho?

ELA: detesto baralho e, além do mais, quando vocês começam a jogar vocês esquecem da vida.

ELE: às vezes é bom espairecer um pouco.


ELA: Se quiser poder ir jogar com seus amigos. Eu vou ficar com minhas amigas.

ELE: Então tá. Fui.

ELA: Oh, meu amor. Não é bem isso que eu queria dizer.

ELE: E o que você queria?

ELA: Que queria que você dissesse assim: “Oh meu amor eu vou fazer o que você quiser”

ELE: E o que você quer então?

ELA: Quero ficar com minhas amigas.






OBSERVAÇÃO: exercício da oficina de escrita de agosto de 2022.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Textos "NONSENSES"



                             



TEXTO - 1

A senhora queria atravessar a avenida cheia de carros que não paravam num ir e vir quando um homem tocando bezerros de ouro parou e ficou olhando o vestido - "hijab"- comprido do mulçumano com boné vermelho do MST e anéis de pedra sabão foi então que o trem apitou e o jogador de futebol fez um drible e chutou a bola para dentro do Banco do Brasil de onde a senhora  acabara de sair.


TEXTO -2

Tomate me dá azia. Prefiro a Ásia, lá não me aparecem as dores nos joelhos. Lá aparecem várias barracas com condimentos coloridos nas ruas de Samarqanda em plena rota da seda chinesa mas Marco Polo brigou com Mulan porque queria atravessar o Uzberquistão para conhecer o Zé de Maroca que dizia ter afrontado Hitler às margens do Rio Ipiranga e exigido que o Führer brasileiro não proclamasse a república.  

"Não me mate Zé de Maroca!" gritou o nazista e Dudu deu um grande sorriso.


Observação:  Estes textos foram produzidos durante a oficina de escrita desta semana e revisados em casa.


Fotografia: Moinho de vento (Holanda) arquivo pessoal.

18/08/2022