Eles estavam lá. Tinham diversas formas, perfumes e cores. Alguns eram redondos, do tamanho de um limão rosa, ficavam pendurados em delicadas correntes devidamente presas na parede do lado direito, acima da pia. Lembro bem desses detalhes. Para que essas paredes não sofressem a ação das águas respingadas de mãos nem tão santas elas eram pintadas com tinta óleo até acima da minha cabeça. Assim, brilhantes, elas pareciam que estavam vivas. Outros eram deixados em saboneteiras de porcelanas, pintadas a mão com temas românticos de amores platônicos. Os mais refinados vinham em luxuosas caixas de lata ou de papelão, os mais baratos entre os mais caros. Desses grã-finos não me lembro de ter lavado minhas mãos pequeninas sujas de meninices.
Na minha infância eu ficava olhando para aqueles sabonetes que minha tia colocava na casa para o padre, seu irmão, e para as visitas mais importantes. Era de admirar tantas delicadezas naquele lavabo, onde os sabonetes enchiam o pequeno espaço de perfumes raros e cores tantas. Para mim o mais perfumado tinha a cor da goiaba vermelha amadurecendo e tinha o perfume do jambo. Jamais esqueci desses.
Naqueles meus poucos anos havia vivido também sob a tutela da tia madrinha dona de todas as palavras bem ditas, embora ela quase não as usasse por temor de ofensa a Deus. Quando as palavras lhe saiam pela boca era uma beleza. Todas elas vinham sem cair. Eu tinha medo das minhas palavras e das palavras exatas da minha tia. As minhas ficavam sufocadas no meu peito. Mas os perfumes da casa que ela administrava eu podia sentir. E podia ver os coloridos dos sabonetes no lavado encrustado na grande copa da casa.
Toda vez que ia àquela casa queria lavar minhas mãos naquela pia. Nem ousava chegar perto. Se eu me aventurava aproximar dela logo percebia que meu tamanho não me permitiria tal ousadia. A tia brava demais e eu pequena demais.
Minha tia era uma bela mulher. Nunca se casou. Acho que ela casou com a responsabilidade daquela casa paroquial.
Quando apareciam as perebas nas minhas pernas, e elas sempre apareciam, minha mãe fazia um escaldado com muita água quente e folhas do pé de fumo. Ela banhava as feridas com aquelas folhas grudentas que colavam nas feridas. Eu inalava o cheiro acre daquela mistura verde escura e sonhava com os sabonetes coloridos e perfumados da minha tia.
Não lembro se na minha casa haviam sabonetes. Só lembro das bolotas de sabão preto usados na lavação das roupas e das panelas com fuligem do fogão a lenha. Talvez tivessem sabonetes para o banho, mas, certamente, eles seriam sem cores e sem perfumes. Estes só haviam nos meus olhares e nos meus sentidos de menina calada.
Na minha adolescência esses objetos fetiches ganharam novas pinturas que eram aplicadas diretamente neles. Depois de secadas as tintas eram fixadas com esmalte incolor. Eu me deliciava quando era presenteada com eles. Uma colega da escola aprendeu a técnica e colocava todo seu romantismo neles. E esses sabonetes pareciam verdadeiras obras de arte
Recentemente me vi apanhando do chão e levando a boca um pequeno jambo. Estava em pleno centro da cidade de Betim. A árvore fora plantada na rua, bem defronte à casa de uma amiga. Não resisti. Fechei meus olhos e entrei na minha infância. Então pude saborear aqueles tempos dos meus sabonetes.
A menina daqueles tempos, que ainda mora dentro de mim, trouxe consigo o apego pelos sabonetes coloridos e cheirosos.
Fechei os olhos e me vi diante daquele lavabo ,como é bom recordar a infância . 🥰🥰🥰🥰
ResponderExcluirNostálgico cheiro de infância,como é bom voltar com saudades e amor pra recordar,Parabéns.
ResponderExcluirLembranças e lembranças. Lembro-me de minha avó, fazendo sabão preto.
ResponderExcluirLindo texto! Sabores e perfumes de infância. Você se lembra de comi era feito o sabão preto? Era uma maravilha da química.
ResponderExcluirPor favor nos ensine como eram feitas aquelas bolotas pretas e pegajosas
ExcluirAs folhas de fumo para curar perebas eu não sabia é novidade pra mim mais as bolotas de sabão que a minha mãe fazia com sapucaia que é uma fruta do mato ( não sei se posso chamar de fruta esta tal sapucaia ) me lembro bém a gente usava até pra banho . Sabonete era uma raridade . No Natal tínhamos o costume de colocar um sapato atras da porta , papai noel passava e às vezes deixa um lenço de limpar nariz e raramente um sabonete ..
ResponderExcluirOlá, querida! Eu também sou menina desses tempos! O cheiro de Lavanda me remete à todo esse seu poema!
ResponderExcluirGratidão!
Abraços!
Sempre os sabonetes
ResponderExcluirSujeiras da meninice
Daquelas que não devem sair
Que sobrepõem as crendices
Que não deixarão de existir
Sabonetes na memória
De todas as formas e cores
Quanto cheiro de história
Quanta vida nos olores
Que infância que não volta
Com perebas, folhas e fumo
Ê tempo bom sem derrota
Brincar, sujar, sonhar sem rumo
Os sabonetes estão lá
Nas memórias, nos gatilhos
Fechar os olhos e aspirar
E contar para os filhos