ALONGAMENTO: Manoel Bandeira
Manoel Bandeira e eu
Se me deixas aqui
Daqui não saio
Faço versos como quem chora
E só os anjos me compreendem
Eu faço versos como quem morre
Duplico minhas incompreensões
Minh’alma sofre do imenso passado
Já me tomei alegria
Hoje tomo tristeza
Estou fora de mim
Não consigo me amar
Sinto as coisas mais simples
Para delas extrair minha vida
Então,
descanço meus olhos de cores índicos
e sonho.
ALONGAMENTO- 2
Vou-me para o Guarujá
Vou-me embora do Ingá
Lá dancei sobre o luar nas Estampas de Eucalol
Lá contemplei a noite no terreiro abandonado
Vou-me embora do Ingá
lá conheci o rei
Ele me desejava tão só
enquanto sua fêmea
Eu queria mais
queria ser sua mulher
Queria olhares indecentes
E palavras escandalosas
Vou-me embora do Ingá
Lá meu rei bebe demais
Meu rei não me vê
nem me chama de sua rainha
Vou-me embora para o Guarujá
Lá tenho todos os amores
Lá sou sultana das terras de ouro
E os filhos que Deus me deu
Eu os tenho lá
ALONGAMENTO – 3
Caio
Nunca tinha ouvido esse nome até aparecer um personagem na novela Selva de Pedras, chamado Caio Vilhena, no ano de 1972. Obvio que me apaixonei por eles, tanto o mocinho quanto o galã, Carlos Eduardo Dolabela. Vai daí então que ganhei um filhote de cachorrinho da raça pudor. Eu nem sabia que cachorros tinham raças. Foi paixão à primeira vista. Eu, uma adolescente solitária, e Caio veio pra ser meu amigo e confidente.
Numa volta da escola, na hora do almoço, Caio não foi me esperar conforme fazia todos os dias. Entrei em casa e fui logo entendendo. Minha mãe, que não gostava de cachorros, deu um sumiço nele alegando que eu não cuidava dele como deveria. Uma mistura de ódio e tristeza me levou a isolar ainda mais.
Não sei se perdoei minha mãe por isto, mas nunca deixei de amá-la.
ALONGAMENTO – 4
Ele a convidou para uma palestra na casa de oração espírita onde falaria sobre a “Boa Samaritana”. Ela aceitou o convite pelos olhares dele. Ele não falou. Errou a data de sua fala. Seria noutra semana. Depois a convidou para uma pizza. Lá se foram eles. Ele de alma. Ela de corpo. Ele, provavelmente, só pensando na Boa Samaritana. Ela incorporada de Maria Madalena.
No final da noite ele a deixou em casa. Foi dormir com a alma samaritana. Ela ficou acordada com seu corpo afogueado de Maria Madalena, nada arrependida.
Maria do Rosário Nogueira Rivelli
Invercargil, Nova Zelândia
Milford Sounds (Nova Zelândia)
Comentários do mestre, Ronald Claver
"Rosário, boa tarde ou boa noite? Não sei, esta mania sua de dar volta ao mundo dá nisso. Lá e cá , cá e lá.
O importante que a escrita continua fiel e ferina, humorada e sensual. Toma um gole de versos do Bandeira, toma um pouco da tristeza, mas a alegria das palavras fala mais e mais da arte de tecer um texto. Bem humorado o poema tem a cara da autora nas palavras do poeta.
Vou me embora do Ingá e para o Guarujá (até rimou) também uma paródia gostosa de apreciar e delirar. Um pouco de tudo: ironia, humor, sabedoria de quem tem o baralho das palavas.
Caio, caio. Cachorro é um amor que se dá sem pedir. Torna-se irmão, um amor só. E a falta dele faz um vazio danado. A gente o vê por toda a casa, mas cadê ele? Foi-se como um amor eterno, acho que sim, muito bonito e comovente.
Não poderia faltar a Madalena, o desejo, o querer, o sexo, o amor total. Samaritana que nada, delírios de amor não faltam e nem podem faltar. Continue escrevendo ágil e bem humorada e aproveite o outro lado da lua, é lá que você está, bjs
Ronald Claver"