segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Crônica: Nossa viagem a Queenstown

                                


E chegou o dia da nossa viagem turística à bela cidade de Queenstown, na região de Otago, Ilha Sul da Nova Zelândia. Mochilas arrumadas, garrafinhas de água, blusas, luvas e cachecóis, caso fizessem frio e aquele vento cortante na carne, muita animação e ansiedade. Faltaram os deliciosos lanches, feitos por meu filho e minha nora, que comemos durante a primeira viagem e que foram nossos almoços.


Dani, minha nora, já tinha providenciado todas as diversões e comprado os bilhetes que incluiam nossos almoços no alto do penhasco. Tudo que, até então eu não sabia do que se tratava. Havia filas para entrarmos na estação das gôndolas. Fiquei perplexa diante da altura da montanha bem na orla do Lake Whakatipu, no centro da cidade.

Na primeira vez que viemos já havia visto aquelas gaiolas pequenas subindo o penhasco junto à montanha. Fiquei reparando a inclinação dos cabos de aço que sustentam as mesmas e, na minha abstração da geometria espacial, pensei que deveriam estar a menos de 20 graus em relação à montanha, quase na vertical, perpendicular ao centro da Terra como me ensinou minha nora, arquiteta. Confesso que aquilo não chamou minha atenção. “Umas gaiolinhas subindo o penhasco” desdenhei eu. Mas eu não teria coragem de entrar dentro daquilo de jeito algum.

No trajeto, mais uma vez, fui namorando as ovelhas e brincando com meu neto: “Dudu, me ajuda a contar quantos carneirinhos tem na beira da estrada. Estou no número oito mil setecentos e quarenta e cinco”. Mas ele nem fez caso das minhas contas.

Deixei-me surpreender, como se fosse a primeira vez, ao depararmos na estrada com o encontro do lago e as montanhas à nossa frente. Lembrei-me do grande poeta Mário Quintana ao perguntar: “Que haverá com a lua que sempre que a gente olha é com o súbito espanto da primeira vez?”.

Fiquei imaginando quão pequeninos somos diante de toda a grandiosidade da natureza que aqui, na Nova Zelândia, sempre aparece escancarada sob nossos olhares.

Chegamos e, como meu filho já havia avisado, teríamos que andar um “tanto bom”, pois ele deixaria o carro numa área verde que permitia quatro horas de estacionamento pago.

Para começar meu desvario com toda aquela beleza, tivemos que atravessar um parque cheio de famílias passeando com suas crianças. E o sol, naquele dia, nos presenteou com seu brilho. Nada de chuvas nem ventos.

Chegamos às ruas da cidade em direção às gaiolas. E qual não foi mais uma surpresa ao chegar à estação das gôndolas, a Skyline Queenstown. Enormes gaiolas de vidro subindo os quatrocentos e cinquenta metros de altura até um gigantesco complexo de aventuras lá no alto da montanha. Lojas de souvenires, o “Stratos Fare”, restaurante com buffet internacional, pista de parapentes, pistas com curvas em “S” para carrinhos de rolimã descendo numa parte da montanha.

Um sobe e desce de centenas de pessoas vindas de vários lugares da ilha e do mundo. Muitas rampas, elevadores, escadas, caminhos na montanha e, lá embaixo, o majestoso lago encantava-nos a todos.

- “Eu não vou descer neste carrinho de jeito algum!” Fui logo avisandoEra eu e meu medo de perder o controle, escapulir numa curva e voar pelo penhasco até o fundo do lago. "E se lá do fundo emergisse o gigantesco dragão que estaria apenas dormindo?"

- “Vai, vó. Não tem perigo, eu também vou”, era meu neto me animando àquela extravagância.

Mas eu via todos os perigos do mundo. Nunca tive experiências em carrinhos de rolimã na minha infância e, agora com sessenta e seis anos, ia lá descer num carrinho de rolimã, de plástico, montanha abaixo?

Enfim na fila, depois de não ter volta, segui adiante!

Após as instruções dos jovens, em inglês, com sinais e demonstrações nos “volantes”, lá fui eu. Os carrinhos saíam em pares. Fui com meu filho e meu neto foi com a mãe dele.

Dirigi tal e qual o Lewis Hamilton.

-“Quero descer de novo!” Foi minha resposta à pergunta do meu filho sobre se eu havia gostado. Só não voltei porque não aguentei percorrer a pé a rampa até pegarmos cadeiras com cabos de aço que subiriam de volta ao início da pista com os carrinhos de rolimã pendurados atrás. Dudu e Dani voltaram para descer outras vezes. Ele se esbaldou nas curvas e nos freios depois da primeira descida.

A partir daquela hora voltei para descansar numa das salas do restaurante e, enquanto aguardava, fiquei fotografando os corajosos turistas saltando de parapentes, bem ao meu lado, por sobre o penhasco.

Fim de tarde. Extasiada por tantas aventuras, tantas caminhadas e por tantas exuberâncias, voltamos por entre os jardins, margeando o lago até onde deixamos o carro.

Fim de passeio e a volta para casa na rodovia margeando o Lago Whakatipu.

Eis que, de repente, meu filho pára o carro e volta na estrada. "Muito estranhos essa mão inglesa e o volante à direita no carro", pensava. Voltou uns cem metros e estacionou o carro num pequeno descampado à margem da rodovia.

Estávamos bem próximos ao lago. Descemos poucos metros e fomos conferir a temperatura da água. Então vimos um belo riacho descendo da montanha e desaguando ali no lago. Nesta hora, meus olhos de mineira nascida às margens do Rio Xopotó, também desaguaram.

Meu filho e meu neto brincaram de atirar pedras sobre a superfície do lago para verem o fenômeno delas repicando na água. Dudu não resistiu e colocou seus pés na água gelada.

Hora de retomarmos a estrada que nos aguardava cheia dos carneirinhos por todo o trajeto. Mas “acho que alguns deles já deveriam estar dormindo”.


Queenstown, Sua Majestade, a Vila da Rainha.

Fim de viagem.

22/10/2023


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Fotografias: arquivo pessoal


Nós  na beirada do riacho desaguando no lago




Dani, Dudu e Francisco brincando






                                                      Eu na varanda do restaurante


                                  Meu filho e Dudu
 



quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Crônica: Viagem necessária e deslumbrante pela Ilha Sul de Nova Zelândia


Queenstown e o Lago Whakatipu

A primeira viagem àquela cidade se deu por outros motivos que não aqule desejado por meu filho e minha nora. Nem por isto foi menos impactante conhecer desde a rodovia até aquele pedaço de chão provavelmente desenhado pelos deuses do olimpo.

Os primeiros cem quilômetros foram semelhantes aos já conhecidos pelas campinas verdejantes com milhares de ovelhas espalhadas por eles. Mas, logo depois começaram a aparecer montanhas, suaves curvas, pequenas aclives e, não mais que de repente, após uma curva, meus olhos miraram num mundão de água e, bem ao alto, as montanhas nevadas. Meu filho, argumentando que seria melhor viajar no banco de trás devido às intensas dores lombálgicas, me colocou na banco dianteiro, então pude ter essa visão privilegiada bem à minha frente. Meus olhos, nesse instante, já umedecidos pela emoção, corriam das águas azuis à minha esquerda às montanhas nevadas por todos os lados.

Tratá-se do Lake Wakatipu, na língua Māori que, conforme contou minha nora, tem a forma de um "S" e, segundo uma lenda maori ele, teria sido um dragão que lutou e foi morto por um grande guerreiro Māori. O lago tem 81 quilômetros de comprimento, sendo o mais longo da Nova Zelândia e tem 289 Km² de extensão. Suas águas são de uma tonalidade azul incomparável. As neves descendo pelas montanhas foi outro espetáculo indescritível. Obviamente que fiquei estupefata com a beleza de toda a região. Por todo o restante do percurso a estrada vai margeando o lago e quase tocando nele em alguns pontos e curvas.

Meus olhos, que ainda não haviam se acostumado com tanta beleza, depararam mais adiante com a cidade de Queenstown que fica às margens do lago na Ilha Sul da Nova Zelândia com os alpes nevados ao fundo. Conhecida por seus esportes de aventura, seus vinhedos e suas belezas naturais, ela atrai turistas do mundo inteiro. Nunca havia imaginado uma cidade tão bela no país embora uma "sobrinha torta" que morou por aqui tivesse me dito que “Queenstown é a cidade que mais gosto de lá”, porém não me advertiu sobre suas belezas.

Mas, como nossa ida se deu por motivos outros, logo minha nora, a motorista, localizou a casa da doutora especialista em medicina oriental, com excelentes referências. A casa, um chalé azul claro encrustado na montanha, com muitas janelas de vidro, foi logo encontrada na avenida por onde se chegava à cidade.

Exames com meu filho de cueca, apalpações, perguntas e logo foi detectado o ponto de tantas dores. Acupuntura com as terríveis agulhas, massagens pesadas, infiltração de analgésicos (seria vitamina B12 com corticoídes?) e técnicas de relaxamento foram aplicadas. Ali eu era tão só a mãe do doente. Aproveitei e fiquei observando todo o espaço. A mim pareceu mais a casa de uma mulher velha, portadora de grande sabedoria e que teria vivido na idade média. Havia muitos livros em chinês, mapas de inervações em corpos humanos, utensílios da cultura chinesa, decorações orientais, tapetes, poltronas, incensos, e muito funcho plantado aos arredores da casa.

Prescreveu mastigação de funcho, medicamentos fitoterápicos com bulas em chinês, respondeu a todas as perguntas (em inglês) do meu netinho que estava angustiado com as dores do pai, autorizou que eu fotografasse alguns locais da casa, sendo extremamente simpática com todos nós. Mais tarde saberíamos que tal especialista havia sido também formada em medicina ocidental e fora cirurgiã ortopédica.

Meu filho, aliviado com o tratamento de urgência recebido, ainda quis passear um pouco pela cidade encantada. Modernos parques infantis na beirada do lago, flores por todos os lados, ventos frios soprando do lago, patos nadando e pescando seus jantares. Eu queria uma coxinha bem brasileira, disse brincando para meu filho. “Então vamos ali” disse ele e caminhamos por uma rua próxima quando deparei com uma portinha de vidro. Entramos e fizemos o pedido. Arriscamos sentar do lado de fora. Foi então que vi a decoração. Pregados na parede estavam Frida Kalo, Che Guevara, cantores e danças caribenhas, e tudo que se relaciona ao Caribe. Estava explicada a simpatia do atendimento. E eu nunca havia comido uma coxinha tão grande, crocante e deliciosa. A seguir passeamos pela orla do lago, entramos e saímos de áreas de jardim, árvores enormes e estruturas maoris.

Voltamos para casa no final da tarde. Eu extasiada com tanta beleza e com a promessa do meu filho e da minha nora de que voltaríamos para fazermos turismo.

Na próxima crônica contarei sobre a volta a Queenstown e nossas aventuras num carrinho de rolimã montanha abaixo.


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Fotografias: arquivo pessoal




                                                   Eu e a vista do lago da casa da doutora


                                                                  


                                                Dudu escalando uma árvore nas areisa da praia do lago






Bar caribenho





                                                 Primeira vista do lado e das montanhas




                                Visão de uma nuvem gigantesca quase encostando nas montanhas



                                         Escultura em madeira na casa da acupunturista





                                                    Escultura maori nos jardins da cidade

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Poesia: Minha Mãe


Nasceu Maria José

Homenagem a São José do Porto

Fazenda da família

Cresceu sob os mandos do avó italiano

do pai veio a retidão da vida

da mãe apanhou a doçura da juventude,

da vida vieram as letras

Após virar a lua entregou-se

àquele que jurou voltar.

Quando mulher 

casou-se com o esperado.


Noutra cidade

amargurou-lhe a vida 

as palavras emudeceram

os pensamentos assombraram


O viver deu lugar à loucura.

Nunca mais voltou a ser menina


13/10/2023









dia 11/10/2023

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Crônica: No meio da estrada tinha um leão-marinho

                                              

Mais uma viagem surpresa. 

Lá fui eu acompanhada do meu filho, da minha nora, que ora foi a motorista, e do meu neto.

Logo que saímos da linda Invercargill, cidade mais ao sul, no litoral da Ilha Sul de Nova Zelândia, entramos por uma estrada estreita que me fez lembrar nossas estradinhas mineiras. De um lado e de outro, inúmeras campinas verdes com dezenas de rebanhos de ovelhas. (Serão quantas as cabeças de ovelhas nessa região? Será que o governo sabe qual é a proporção de cabeças de ovelhas por habitante?) Era eu e meus pensamentos.

Para mim todos aqueles carneirinhos saltitantes, próximas às suas mães, eram os carneirinhos de gesso que enfeitavam o presépio da minha infância. Acho que, todos aqueles que desapareciam do presépio ano após ano, vieram povoar esse país tão gelado. E hoje, para mim, eles são tantos que é impossível saber quantos são.

Todos nós calados no interior do carro. Eu viajava para dentro de mim.

Paramos numa bela construção, no meio do nada, para nosso primeiro café. A Fortrose estava fechada. Como médica, pensei cá comigo rindo sozinha, “Quatro (four) com artrose”. FortRose, disse minha nora.

Logo começou outro tipo de vegetação. As campinas com os rebanhos de ovelhas deram lugar a grandes árvores tombadas pela força dos ventos que marítimos.

Continuamos nosso caminho até Curio Bay, uma charmosa enseada rodeada de pequenas trilhas. Tomamos nosso café no restaurante ao lado e embrenhamos pelas trilhas, a pé. A massa asfáltica que cobria trechos das trilhas, no entorno do restaurante, eram tão suaves que pareciam massa de pão de ló. Logo adiante uma placa avisava aos desavisados que ali é uma área sujeita a tsunamis e, portanto, não deveriam ter acampamentos. Meu coração começou a bater mais forte diante de tal informação. Então avistei uma fazenda do outro lado de onde estávamos, e ela me parecia muito próxima ao penhasco. Neste instante uma verdadeira enxurrada de pensamentos invadiu minha cabeça. (foto abaixo) Volta e meia eu olhava para aquela casa linda lá em cima, bem defronte ao oceano Pacífico que apresentava risco de tsunami. 

As placas também informavam sobre a existência de algumas espécies de aves em extinção, incluindo o pinguim dos olhos amarelos, naquela região. Aqui na Nova Zelândia existe um departamento do governo com vários especialistas, estudiosos e voluntários cuidando dessas aves e desses lugares fantásticos

Andamos por mais uma pequena distância e eis que de repente damos de cara com o penhasco, lá embaixo as ondas e os ventos batendo forte sobre aquilo que eu pensava serem pedras enegrecidas. Descemos por uma escada íngreme e segura, beirando o penhasco e já estávamos na praia. As ondas vinham fortes e batiam próximas a nós. Foi então que meu filho me mostrou um tronco de árvore caído na areia preta e eles me desvendaram o segredo do nosso passeio. Estávamos numa floresta fossilizada de 178 milhões de anos, do período Jurássico. Toda a área vem sendo protegida e visitada por vários estudiosos interessados nessa era da Terra. Eu, com medo das ondas que cada vez chegavam mais perto de nós, não me contive e coloquei meu pé numa raiz fossilizada de 178 milhões de anos. (foto baixo).

Subimos rápido pelas escadarias e já as ondas cobriam a raiz e o tronco de pedra. Voltamos para o carro mas, minha nora queria ver mais. Então nos dirigimos para outro ponto do penhasco.

Por todos os pontos o vento forte nos empurrava em direção ao mar. Agarrei meu neto que se esbaldava com tudo aquilo.

Depois fui ver o mapa e constatei exatamente o que eu pensava. Um pequeno pedaço de terra alta ainda teimava em enfrentar a violência das ondas e dos ventos.

Hora de voltarmos para casa. Eis que, quando o carro desacelera para pegar a estrada, Dudu, fala: “volta aí mamãe, tem um bicho alí”.

Ao dar a ré deparamos com um enorme bicho deitado sob a sombra de uma moita de planta que me lembrou a piteira das Minas Gerais. Seria uma escultura? Seria um bicho morto? Meu filho desceu do carro e lhe dei o celular para fotografá-lo. “É um leão marinho”, disse meu neto. E cada um de nós queria entender sobre o bicho tranquilo a dormir. Seria uma morsa, uma foca, um leão marinho?

Deixamos o bicho marinho na sua soneca e voltamos para casa com muita história para contar sobre nossa viagem à região de Catlins, no extremo sudeste da ilha sul de Nova Zelândia.

Nota: a escolha do título foi do meu neto, Dudu.


09/10/2023

Observação: por favor, assinem os comentários para eu saber quem são vocês. Certo?









                                                  Raiz de uma árvoe fossilizada


                                                      Tronco de árvore fossilizado


                                                    Floresta fossilizada


                                                            Fazenda no alto do penhasco














sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Primeira oficina de setembro de 2023

                                                 Flor do meio dia

ALONGAMENTO: Manoel Bandeira

Manoel Bandeira e eu

Se me deixas aqui

Daqui não saio

Faço versos como quem chora

E só os anjos me compreendem

Eu faço versos como quem morre

Duplico minhas incompreensões

Minh’alma sofre do imenso passado



Já me tomei alegria

Hoje tomo tristeza

Estou fora de mim

Não consigo me amar

Sinto as coisas mais simples

Para delas extrair minha vida

Então,

descando meus olhos de cores índicos

e sonho.



ALONGAMENTO- 2

Vou-me para o Guarujá

Vou-me embora do Ingá

Lá dancei sobre o luar nas Estampas de Eucalol

Lá contemplei a noite no terreiro abandonado



Vou-me embora do Ingá

lá conheci o rei

Ele me desejava tão só

enquanto sua fêmea

Eu queria mais

queria ser sua mulher

Queria olhares indecentes

E palavras escandalosas



Vou-me embora do Ingá

Lá meu rei bebe demais

Meu rei não me vê

nem me chama de sua rainha



Vou-me embora prá Guarujá

Lá tenho todos os amores

Lá sou sultana das terras de ouro

E os filhos que Deus me deu

Eu os tenho lá






ALONGAMENTO – 3
Caio
Nunca tinha ouvido esse nome até aparecer um personagem na novela Selva de Pedras, chamado Caio Vilhena, no ano de 1972. Obvio que me apaixonei por eles, tanto o mocinho quanto o galã, Carlos Eduardo Dolabela. Vai daí então que ganhei um filhote de cachorrinho da raça pudor. Eu nem sabia que cachorros tinham raças. Foi paixão à primeira vista. Eu, uma adolescente solitária, e Caio veio pra ser meu amigo e confidente.
Numa volta da escola, na hora do almoço, Caio não foi me esperar conforme fazia todos os dias. Entrei em casa e fui logo entendendo. Minha mãe, que não gostava de cachorros, deu um sumiço nele alegando que eu não cuidava dele como deveria. Uma mistura de ódio e tristeza me levou a isolar ainda mais.
Não sei se perdoei minha mãe por isto, mas nunca deixei de amá-la.


ALONGAMENTO – 4

Ele a convidou para uma palestra na casa de oração espírita onde falaria sobre a “Boa Samaritana”. Ela aceitou o convite pelos olhares dele. Ele não falou. Errou a data de sua fala. Seria noutra semana. Depois a convidou para uma pizza. Lá se foram eles. Ele de alma. Ela de corpo. Ele, provavelmente, só pensando na Boa Samaritana. Ela incorporada de Maria Madalena.

No final da noite ele a deixou em casa. Foi dormir com a alma samaritana. Ela ficou acordada com seu corpo afogueado de Maria Madalena, nada arrependida.

Maria do Rosário Nogueira Rivelli

Invercargil, Nova Zelândia


                             
                    Milford Sounds (Nova Zelândia)


Comentários do mestre, Ronald Claver

"Rosário, boa tarde ou boa noite? Não sei, esta mania sua de dar volta ao mundo dá nisso. Lá e cá , cá e lá.


O importante que a escrita continua fiel e ferina, humorada e sensual. Toma um gole de versos do Bandeira, toma um pouco da tristeza, mas a alegria das palavras fala mais e mais da arte de tecer um texto. Bem humorado o poema tem a cara da autora nas palavras do poeta.


Vou me embora do Ingá e para o Guarujá (até rimou) também uma paródia gostosa de apreciar e delirar. Um pouco de tudo: ironia, humor, sabedoria de quem tem o baralho das palavas.


Caio, caio. Cachorro é um amor que se dá sem pedir. Torna-se irmão, um amor só. E a falta dele faz um vazio danado. A gente o vê por toda a casa, mas cadê ele? Foi-se como um amor eterno, acho que sim, muito bonito e comovente.


Não poderia faltar a Madalena, o desejo, o querer, o sexo, o amor total. Samaritana que nada, delírios de amor não faltam e nem podem faltar. Continue escrevendo ágil e bem humorada e aproveite o outro lado da lua, é lá que você está, bjs


Ronald Claver"

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Crônica: Dentro de uma montanha gelada.

                           



Até que enfim estou visitando meu netinho na Nova Zelândia. Por aqui, meu filho e minha nora prepararam algumas viagens surpresas para mim. Neste final de semana fomos à cidade de Te Anau, distante cento e cinquenta quilômetros de Invercargill onde eles moram, bem ao sul da Ilha Sul.

Saímos na noite de sexta-feira e ficamos hospedados em casa de pais de amigos. Logo ao amanhecer, abrimos as cortinas do quarto e nos deparamos com uma visão deslumbrante. Um jardim sobre uma vegetação rasteira bem cuidada; a estrada de acesso à casa que fica fora da cidade; um lago, mais parecendo um braço do mar, que balançava suas águas ao vento e, lá no fundo, as montanhas nevadas.

Neste instante engoli seco, parei os olhos e fui para dentro de mim. Eu, que já havia namorado tantas imagens daqui, jamais pensava vê-las tão de perto. Certamente que, chorona como eu sou, as águas dos meus olhos se misturaram àquelas águas geladas do lago.

O casal que nos recebeu, apesar de não falar português assim como eu não os entendia em inglês, foi muito gentil e nos deixou a vontade naquela casa enorme em estilo casa de campo inglesa.

Ainda pela manhã fomos para o passeio previsto para o sábado. Dirigimos até a margem daquele que eu pensava ser um outro lago. Esperamos alguns minutos e entramos num iate com sua maioria de turistas asiáticos. O vento forte jogava o iate de um lado para outro num balanço delicioso. Estávamos no Lago Te Anau que fica no “canto sudoeste da Ilha Sul da Nova Zelândia. O lago cobre uma área de 344 km², tornando-se o segundo maior lago em área de superfície da Nova Zelândia e o maior da Ilha Sul. É o segundo maior lago da Australásia em volume de água doce”. Wikipedia (inglês). É um lago permanente, “abastecido” pelas águas geladas que descem das montanhas.

Chegamos ao nosso destino, uma caverna seguindo um rio subterrâneo, que desce em estrondosas cachoeiras por debaixo dos nossos pés. Cada grupo de dez pessoas era acompanhado por um guia que ia dando as orientações e explicações. Em alguns pontos, logo à entrada, quase nos agachávamos ao chão porque o teto ficava bem baixo. Continuamos subindo por debaixo de um teto gelado nas nossas cabeças e por cima de um rio caudaloso, gelado e barulhento.

Enfim chegamos ao fim. Assim eu pensava além do medo daquilo desabar sobre nós. Engano dos meus pensamentos. Apareceu da escuridão um pequeno bote e dele desceram outro grupo. Agora era a nossa vez de entrar naquela canoa e descer ao "Hades". “OH! My God”, suspirava eu em inglês para ver se era atendida no meu medo. Por toda a caverna não poderíamos fotografar por questões de segurança e ali também não poderíamos falar. Tínhamos que ficar sentados com as mãos nos joelhos. O bote era puxado por cordas e o “nosso Virgílio” fazia tudo no escuro. Meu filho a todo instante me acariciava as costas. Em determinado momento senti a mão da minha da nora segurando a minha. Um alívio.

Eis que, na escuridão de noites sem lua, apareceram milhões de estrelas em nossa volta. Ali eu vi mais que as Três Marias, vi todas as Marias, vi as constelações de câncer, de escorpião, vi toda a via láctea e todas as vias que, por ventura, existem no universo. A visão é inimaginável naquele lugar. Um céu escondido, naquele rio gelado, dentro de uma montanha gelada.

Pois bem, trata-se dos vermes luminosos, que dão nome àquela caverna "Te Anau Glowworm". São filamentos transparentes, “uma baba” como explicou meu filho, que como teias de aranhas servem para capturar outros insetos para se alimentarem. A ponta destes finíssimos filamentos são biofluorescentes dando aspectos de pequeninas estrelas brilhando pelos tetos e paredes laterais. Estes
 tais “Glowworm” bioluminescentes só existem na Nova Zelândia e já foram catalogados na escala zoológica como “Arachnocampa luminosa”. Navegamos sob as estrelas dentro de um barco onde não podíamos mexer além da batedeira dos nossos corações. Para mim esse percurso durou uma eternidade, com certeza.

Voltamos à úlitma plataforma onde eu havia pensado ser o fim. Agora iniciamos nossa descida até a entrada da caverna. Ali fomos recepcionados pelo grupo de guias com vídeos explicativos, muitos sorrisos curiosos e as perguntas do meu neto sobre o café. Mais uma surpresa quando nosso guia, ao ouvir nosso português, veio nos perguntar se éramos de Portugal, sorriu quando falamos que éramos brasileiros e nos disse, já em espanhol, que era chileno. Senti que estávamos em casa.

Voltamos para o iate bailando sobre o lago e os ventos cortando na carne, então perguntei para o meu neto o que mais o  impressionou naquele passeio, a que ele respondeu sem titubear “a minha coragem, vovó”. Mal sabe ele que, além dos vermes babentos luminosos estelares, o que mais me impressionou foi minha coragem também.

18/09/2023

OBSERVAÇOES:
1 - Lamentavelmente a surpresa que preparam para mim no domingo foi cancelada por motivos de segurança, pois havia tido uma avalanche que obstruiu a estrada. Ainda não sei do que se trata. Aguardarei)

2 - Agradeço a gentileza da Sabrina, mãe da linda Amora, recém conhecidas na cidade de Invercargil, pelo envio da foto da montanha gelada. 

3 - Quem quiser viajar também por essa caverna, segue abaixo o link.

https://www.realnz.com/en/experiences/glowworm-caves/te-anau-glowworm-caves/

4 - Peço que assinem os comentários para eu saber quem os escreveu. Obrigada

As fotografias abaixo são do link acima













     
              "vermes babentos" que enchem a escuridão da caverna de estrelas





 Fotografia:arquivo pessoal

                                                Francisco, meu filho e eu


                                                       Francisco, Dani, Dudu e eu


Vista da casa dos amigos em Te Anau








terça-feira, 12 de setembro de 2023

Crônica: Recortes de uma trabalhadora em Saúde Mental Pública

Não me lembro da ordem em que os dois fatos aconteceram, porém lembro-me bem do tanto que os mesmos me tocaram.

Um deles foi-me relatado pelos colegas do plantão noturno do dia anterior ao meu plantão diurno semanal. Sempre gostava de chegar alguns minutos mais cedo para conversar com os colegas da enfermagem sobre os trabalhos da noite; era a famosa e necessária "passagem de pantão".

Contaram do jeito e do sentir deles, acerca de um jogador do Atlético, famoso naquele tempo, que havia ido visitar a mãe, internada naquela unidade hospitalar pública especializada em acolher para observação e tratamento as pessoas portadoras de sofrimentos mentais em crises agudas graves. Relataram eles que o tal atleta não poderia ir visitar a mãe durante o dia porque estava concentrado para um jogo do seu time. Nessa época eu trabalhava enquanto psiquiatra atendendo tanto aos quadros de urgências dos pacientes internados quanto os acolhimento de novos pacientes encaminhados pela rede pública de Saúde Mental de Minas Gerias. Era o que eu mais gostava de fazer naquele hospital.

A partir do relato do caso fiquei pensando naquele homem enorme e famoso ali, naquele hospital, pedindo permissão para ver sua mãe fora do horário de visitas. Segundo me contaram ele teria sido muito gentil no pedido. Embora tivesse sido reconhecido pelos trabalhadores torcedores do "gigante alvinegro", não fora esse o motivo da permissão. A direção do hospital naqueles bons tempos* deixava bastante esclarecido que cada paciente internado tinha suas peculiaridades e, portanto, cada um deles deveria ser atendido na sua singularidade. Portanto, nenhum trabalhador da enfermagem ou médico plantonista, deixaria de acatar o pedido de um filho para visitar sua mãe dados os esclarecimentos conforme foram dados.

Pois bem, aquele homem enorme, negro, simples e famoso pelo Brasil afora estava ali tentando ver sua mãe internada. Segundo disseram alguns colegas ele havia se mostrado bastante emocionado e carinhoso ao lado dela .

Li, recentemente, numa revista progressista, um excelente artigo desse ex-jogador, aposentado há algum tempo pelo futebol. Logo me lembrei do episódio ocorrido no hospital. Então, conforme me relataram, entendi todo sentimento que ele havia posto em ato no encontro com sua mãe.

O outro recorte aconteceu comigo durante outro plantão.

Fui chamada para mais um atendimento externo. Como sempre fazia, convidei o paciente para uma primeira entrevista, já tendo lido seus dados de identificação e as anotações da enfermagem no prontuário eletrônico aberto no monitor. Era seu primeiro atendimento naquele hospital. Logo no início da anamnese pude observar sua aparência bastante descuidada, apresentar-se muito envelhecido para sua idade, emagrecido e debilitado. Ele não conseguiu responder às perguntas feitas, não se lembrava de fatos importantes recentes ou antigos de sua vida. E quase não entendia o que eu perguntava.

Diante disse logo convidei o acompanhante para dar informações a respeito do paciente e assim me  ajudaria na elaboração de uma hipótese diangóstica. Ele entrou bastante solícito e ouviu minhas perguntas. Ali, ao lado, o paciente mantinha-se alheio a tudo.

Após anamnese com exame psicopatológico e pouca conversa informei ao acompanhante sobre minhas suspeitas acerca do quadro clínico-psiquiátrico e sobre a conduta exigida para o caso. Então, o acompanhante chorou copiosamente. Tratava-se de um homem preto, alto, do rosto arredondado, postura física elegante, vestido com simplicidade. Disse-me que lamentava muito sobre o acontecido com seu irmão, pois esteve distante por logos anos e não conviveu com seus irmãos. Abaixou a cabeça e continuou seu choro visivelmente melancóico.

Não sei em que momento reconheci aquele homem acompanhante. Só sei que se tratava de um grande artista mineiro. Eu o havia conhecido quando de sua apresentação na abertura de um congresso nacional de psiquiatria em Belo Horizonte. Havia gostado tanto que passei a indicar seus shows para todos ao meu redor. Fiquei deveras encantada por seus trabalhos e sua história de vida.

Agora estava ali, diante de mim, e chorava tal qual uma criança. Não lembro o que lhe disse após reconhecê-lo. Eu e minha boca destrambelhada, certamente, disseram o que não deviam naquele momento de tanta dor para ele.

Constatei que, diante de mim, estava tão só o menino preto, pobre, morador de periferia que, “para sobreviver”, teve que deixar os irmãos para trás.






           Meu irmão e filhos numa visita à Arena MRV em novembro de 2022

Fotografias gentilmente cedidas por um dos dois irmãos mais Atleticano da família.


(*) Nos relatos destes recortes não me propus discutir sobre a posição de uma unidade hospitalar psiquiátrica no âmbito da  Reforma Psiquiátrica no Brasil. Aqui minha intenção foi tão só relatar sobre dois momentos que me tocaram profundamente assim como tantos outros vividos durante meus quase quarenta anos como trabalhadora na rede de Saúde Mental Pública em Minas Gerais . 









segunda-feira, 11 de setembro de 2023

O ROUBO EM FIGUSGU - HISTÓRIA DE UMA GATA QUE FICOU TRAUMATIZADA




FÁBRICA DE SARDINHAS DE FIGUSGU

Como toda historia tem uma continuação eu apresento para vocês a continuação da aventura em Figusgu. Nesta cidade tem uma fábrica de enlatar sardinhas.

Vocês lembram dos gatos que estavam na moto com o Igui quando eles assaltaram o caminhão que transportava as latas de sardinha? 

Pois então, eles estão ansiosos para roubarem novamente a fábrica de sardinhas em Figusgu. Eles chegaram na fábrica, passaram pelos guardas e entraram na fábrica. Mal perceberam que uma gatinha caiu de uma prateleira diretamente na máquina de enlatar as sardinhas. 

O gato Igui viu aquele desastre e murmurou “que gata desastrada !” e caiu na risada. Depois pulou para socorrer sua amiguinha. Ele destroçou a latinha com uma garra e depois pegou a gatinha com a outra garra. 

Deu uma encarada nela e se perguntou: “isso é uma sardinha ou uma gatinha enlatada?” A seguir um dos gatos rolou no chão morrendo de rir. E rir foi seu último miado, pois desequilibrou , caiu dentro do congelador e morreu.

Depois disso Igui chamou seu chefe e relatou o “status” dos fatos.

Tudo deu certo, exceto que um dos gatos morreu e uma gatinha ficou fedendo como uma sardinha.

Autoria: Igui de la Mancha 
Revisão e edição: Maria do Rosário Rivelli
Data: 11/09/2023