quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Rosa

Rosa
perdeu 
o brilho
o perfume
a cor

emudeceu
sofreu

despetalou
caiu

Rosa
chorou
voou
e não voltou

caducou

Rosa
acordou 
em botão
e
se fez menina


Funil, 13/03/2018

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Oficina de Escrita

ABERTURA:
Encontrei-me com a dama da noite na esquina de um canteiro. Ela cheia de charme e classe esperava o cravo que prometera ir vê-la num encontro amoroso.
Ele não apareceu no horário combinado. A dama da noite, desiludida, transformou-se numa margarida rapariga.
Foi então que o cravo apareceu e se alvoroçou com o remelexo da moça. E assim se deram muito bem 

ALONGAMENTO 1:
"Preta é gata, é fêmea como toda mulher. Pulou em minha cama, inquieta, ansiosa, pedindo com urgentes e ligeiros miados alguma coisa. Preta pulou em minha cama pedindo alguma coisa com sua voz rouca e sensual.
Preta...minha cama..."

(abaixo minha escrita em continuação ao proposto pelo professor)          
...não é telhado de cios e pavios. Se quer um gato, vá à caça, e rápido pois um deles está por ai andando numa bota de sete léguas.


ALONGAMENTO 2:
"Quando eu tinha onze anos, um amigo de meu pai deu-me de presente uma carabina de brinquedo. Quando fiz vinte anos comprei uma escopeta de verdade. Aos vinte e cinco anos entrei para o Clube de Tiros. Aos trinta já era...)" *

(abaixo minha escrita em continuação ao proposto pelo professor)      
...    um defensor da liberação do porte de armas para toda a população, da pena de morte para bandidos, já era pastor evangélico, um homem misógino, homofóbico, racista e adorava ser chamado de DR. BUMBUM.

14/08/2018


.*O início dos textos são de Gullar- um programa de homicídio, in Folhas Verdes de Fale- UFMG, de Maria Litz ( Luz Negra) e Wallace Leal V. Rodrigues (O Pardal)

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Conto Infantil: Dudu e o Murundu

Naquela manhã vovó Zarinha acordou com muita saudade do seu netinho. E ela só tem um netinho.

Levantou cedo, lavou o rosto, escovou seus dentes, comeu um pedaço de mamão com mel e tomou café com pão e manteiga. Mas continuou com muita vontade de ver o menino.

Telefonou para o papai e a mamãe dele e perguntou se poderia ir vê-lo ainda naquela manhã. Nem esperou a resposta. Logo pegou seu carro - porque as vovós de hoje têm carros e sabem dirigir - e lá foi ela na casa do netinho.

Eduardo é o nome dele mas todos lhe chamam de Dudu. Ele tem dois anos e oito meses e mora numa cidade vizinha da casa da vovó. Seu pai já havia lhe explicado que cidades vizinhas são aquelas que estão perto umas das outras, como os vizinhos de suas casa. Ele entendeu tudo que o papai dele falou.

Assim que Dudu viu sua vovó, ficou muito feliz e abriu um lindo sorriso. Logo já queria brincar com ela.

Dudu tem uma bike sem pedal e ele faz grandes viagens nela. Claro que ele convida a vovó para ir junto. Adora ir na cidade de Rondonópolis que fica muito longe mas ele chega rapidinho para brincar com as primas Lili e Lulu. Outras vezes quer ir no sítio da vovó pra brincar com os cachorros. E outras vezes quer ir a Guarapari onde mora sua outra vovó e seu vovô. E assim Dudu e a vovó Zarinha viajam muito na bike. Vovó vai correndo atrás para não perder o caminho nem o netinho.

Naquele dia, depois de viajarem muito em redor da casa e por tantos lugares, ficaram cansados e Dudu foi deitar um pouquinho. Quando a vovó chegou no quarto dele viu apenas as cobertas sobre a cama com uns cocurutos embaixo. Chegou bem pertinho daquilo e disse:

 - "Que morundus são esses?" 

Ninguém respondeu.

Depois a vovó colocou as mãos naquilo e novamente perguntou:

-"O que é isto? Será que é um avião?" Perguntou a vovó.

-"Não!" - Ela ouviu esta resposta.

-"Será que é uma bola ou será que é uma graviola?"

Então ela ouviu uma voz responder:

-"É um murundu."

Dai para frente Dudu descobriu que murundus são cocurutos escondidos debaixo dos cobertores. E, a cada vez que a vovó perguntava o que era aquilo, ele respondia " É murundu!". 

Brincou e riu muito com a vovó e os murundus. Cada hora era um murundu diferente debaixo dos cobertores. Até chegar a hora de almoçar, tomar banho e ir para a escola. Lá foi Dudu. Vovó ficou com os papais dele. Mas dormiu um pouco pois estava cansada de viajar com seu netinho para tantas cidades.

No final da tarde foram todos buscar o Dudu. Vovó ficou sentada numa escada esperando por ele. 

E lá vem ele arrastando uma "Mala Encantada". Tão logo viu a vovó, abriu um sorriso e falou "Murundu". Ela riu sozinha da lembrança dele.

Agora Dudu convida todos os seus coleguinhas para brincarem de murundu. E diz: " É só esconder debaixo dos cobertores e fazer cocurutos". 

E assim começa uma brincadeira muito legal.

Vovó voltou para sua casa e já começou a sentir saudades do Dudu.

12/08/2108


Observação: significado de murundu:
palavra de origem indígena; substantivo masculino; montículo; montão de coisas misturadas; uma quantidade de qualquer coisa.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

“Rosa nos Tempos” - Ruas e Relatos da Rivelli


A crônica abaixo foi escrita por um grande colega e lida durante a Oficina de Escrita ministrada pelo poeta mineiro,Ronald Claver, da qual venho participando há dois anos.
"Tião" como o chamamos, me deu a honra de sua presença no lançamento do meu livro no Hospital Galba Veloso - FHEMIG - Belo Horizonte - onde trabalhei como psiquiatra plantonista na "Urgência" até minha aposentadoria em 2016.


ROSA NOS TEMPOS

Maio nos traz os ventos de agosto da nossa colega Rivelli em seu delicioso livro “Rosa nos Tempos” e nos faz viajar pelas ruas da sua infância, seus laços familiares, suas memórias de encanto. Bando de crianças, familiares, vizinhos, personagens característicos do vilarejo saem de suas páginas e passam a povoar a mente do leitor. 
Como Proust em busca do tempo perdido, ela passeia por esse território levada pelo vento no fundo do quintal, balanço das folhas das árvores, a horta, os canteiros, os muros que dividiam as casas, as flores. A rosa naqueles tempos, a roda viva, as ruas, os rios da memória.
      
A capa mostra uma rua de casas antigas, emendadas, cheias de janelas e portas, próximas das calçadas, muitas gente na rua, chão batido. Foto amarelecida, vinda da rosa dos tempos. Uma procissão de pessoas simples em seus trajes domingueiros. Uma festa religiosa para a qual convergiam todas as atenções, Minas e sua tradição. Era quando as pessoas largavam sua dura lida com a terra, a dureza do dia a dia e iam comemorar junto à família, aos vizinhos e às possibilidades que o amor oferecia. Justificando até a odisseia com a amiga no final do livro, entre caronas e ataque de abelhas, o olhar zangão da mulher do motorista, a autora já universitária em Juiz de Fora. Com a bênção de Deus, de Nossa Senhora do Rosário, a aura do tio padre, a proteção da tia e de todos os santos invocados nesse livro encantador.
     
Em linguagem simples e agradável, Rivelli vai desfiando as fotos, as lembranças junto à poeira vermelha da rua cantada no livro, das ruas da sua Brás Pires, das novas ruas no rio da sua vida. Fala da família com carinho de quem foi pobre e feliz, com os cuidados delicados do pai e da diligência constante da mãe, enfrentando dificuldades, doenças e escorpiões no caminho dos tempos.
     
Apresenta personagens únicos e que ficam na nossa imaginação já delineados. Como não excitar a curiosidade diante do Caxotim, que mesmo já adulto, não ousa confessar à irmã a origem do seu apelido? Impagável o atirador das estrelas, o louco depois de sugar os seios deliciosos da mulher do soldado, os vizinhos e suas excentricidades, o menino doente. Estava ali o gérmen da futura psiquiatra, curiosa e solidária com o asilo no fim da rua, a vizinha de manias e falas, a jovem filha de louca e sua gravidez, os cães Rex e Sultão em suas lutas e majestades.
      
Um livro carregado de humanidade. Talvez carente de melhor revisão na sua escrita, mas isso torna suas histórias mais próximas, como um causo a ser compartilhado. Como memórias sempre reescritas, espontâneas em sua simplicidade.
    
Em agosto, os meninos soltavam pipas ao vento, a menina tentava e, quando não conseguia, divertia-se também com seus recados no ar, bilhetinhos amorosos, fantasias. Agora, espalha a poeira divertida e amorosa de uma infância feliz, cheia de quintais e compaixão.  Nas páginas do livro, uma procissão de personagens e histórias. De lembranças. Essa rosa nos tempos de antes, do meio e do agora.
                                            
                                         Sebastião Aimone Braga
                                            Maio / 2018                         

                                             sebastiaoaimone@gmail.com

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Crônica: Zé Capeta.

Foi assim: decidi dormir com minha irmã na casa da madrinha dela. Eu, que sempre ficava na Fazenda, naquele dia acabei ficando com os outros primos. Não lembro quantos já eram naquele ano. Ainda não haviam nascidos todos. Ou haviam?

A casa era linda. Parecia aquelas que nosso pai fazia para o presépio no natal. Ela ficava plantada numa várzea que se descortinava por toda sua frente e por todo o lado esquerdo. Ali onde nascia o sol. À direita havia uma lasca de terra com um barranco que iria dar num veio d'água. Era a água mais transparente que eu havia visto desde então. Nele brincávamos de fazer bicas com talos de mamona e nos deliciava com as gotas d'água brilhando nas enormes folhas verde-arroxeadas de inhame. Atrás da casa haviam muitos pés de frutas. Até mesmo a jaca que era uma raridade por aquelas bandas. Havia um paiol de madeira escurecida pelo tempo. Era muito grande. Ficava suspenso do chão por estacas de madeiras. Debaixo dele as galinhas e seus pintinhos ciscavam o tempo todo. Mais nos fundos, para além das frutas ficava um chiqueiro e mais atrás ainda havia terra com plantação de mandioca.

O veio d'água serpenteava todo o fundo da casa e se encontrava com outro veio e formavam um córrego de águas escuras e bem fundo. Ali não podíamos brincar. Era perigoso escorregar e cair dentro dele.

Mas era na frente da casa que tudo acontecia depois de nos fartarmos com os biscoitos de polvilho, ora fritos ora assados, com as broas de fubá, com os tarecos, a brevidade de rapadura e o café ralo e doce. 

Minha Tia era pequenina, tinha a pele e os cabelos claros, os olhos verdes, a doçura no sorriso e a mansidão no olhar. Meu Tio era diferente. Era grande, da pele escurecida pelo sol com os trabalhos na lavoura ou com o gado. Era de poucas palavras e de muitas artimanhas com os sobrinhos. Um matuto. Ao pedido de um sobrinho para andar de cavalo ele arriava o mais bravo ou o mais empacado. De duas uma: ou não saíamos do lugar ou eram tombos sob as gargalhadas do tio e dos primos. 

E nós adorávamos tudo aquilo.

A casa tinha quatro quartos, duas pequenas salas e uma cozinha ampla e muito bem arranjada. Com direito a bancos e fogão de lenha. Toda ela era de telhado e com forro de taquara trançada. Exceto um pequeno quadrado na cozinha onde meus tios guardavam seus segredos. E eu nunca soube o que havia ali.

Zé era o filho mais velho. Se não crescia no tamanho nem nos juízos, crescia nas extravagâncias. Esse filho deu muito trabalho aos amorosos pais. Quando não sabiam o que mais fazer para botar retidão no menino, pediram ao Tio Padre para auxiliar nos conselhos e até mesmo nas orações. Adiantou de nada. Zé continuava a dar muitas dores de cabeça. Entretanto, apesar da sua voz aguda e do seu jeito sem jeito, foi crescendo nos trabalhos da casa.

Logo abaixo do Zé vinha a prima que tinha a nossa idade e que era nossa grande amiga. E ela dividia sua cama conosco. Dormíamos as três sobre um colchão de palha numa cama rústica que não era nem de solteiro e nem de casal. Ficava no meio do tamanho.

Naquele dia eu não conseguia dormir. Ficava com meus olhos abertos vendo o negrume da noite após apagar a lamparina porque poderia pegar fogo na palha do colchão. Era a mais nova e estava com muito medo. E o sono não chegava e a escuridão dominava tudo. Antes havia visto todo o céu estrelado bem perto de nossas cabeças. Agora só o barulho do silêncio e da escuridão. Certifiquei que meus tios já haviam deitado. A noite seria muito longa com meu medo e minha insônia.

De repente começo a ouvir sons de tambores e uma cantoria diferente de tudo que já havia ouvido nas rezas da igreja. O que era aquilo? Minha Nossa Senhora me protege e trás meu sono de volta. Comecei a rezar Ave Maria - Santa Maria, Creio em Deus Pai. Vou fazer xixi nas palhas. E a urina morna escorregou pelas pernas. O som continuava. Parecia que vinha detrás dos morros. Além da várzea.

Foi então que Zé pegou um cavalo, pulou sobre ele em pelo e zarpou rumo do som no meio da noite negra.
Eu continuava com meus olhos arregalados e meus ouvidos colhendo os batuques ao longe. Minha irmã e minha prima já dormiam há muito tempo. Eu e meu medo ficamos na espera do Zé e seu cavalo. Jurei que jamais dormiria naquela casa. Achei que ela era mal assombrada.

Ouço o tropel do cavalo. Zé entra no quarto e pergunta se tinha alguém acordado. "Tudo macumbaria" contou ele. Disse que viu várias velas acesas em volta de ramos e flores perfumadas no chão. Haviam galinhas pretas sangrando. Homens tocando tambores e mulheres dançando e cantando numa língua desconhecida. Todos estavam vestidos de branco. Tudo na negritude da noite. A cena descrita com pequenos detalhes jamais saíra da minha memória. Ficou como uma fotografia dançante e cantante.

Eram os familiares da Bia, descendentes dos escravos da Fazenda dos nossos avós, explicou ele. E agora, como ficaria meu amor pela Bia? Era ela quem cuidava de todas nós na casa do Tio Padre. Será que ele sabe destas coisas? Minha mãe dizia que eram coisas do diabo. E toda a família estava envolvida numa festa pagã!
Pensei nisto o resto da noite. Certamente dormi com os sons dos tambores que batiam tal qual o meu coração e com as cantorias doces das mulheres negras.

Nunca mais dormi com minha irmã naquela casa. Promessa cumprida. Entretanto jamais deixei de saborear as quitandas feitas por minha tia da pele clara e dos olhos verdes.

Zé cresceu muito pouco no tamanho mas cresceu muito nas invencionices das ideias. Não fora por acaso que recebeu o apelido de Zé Capeta. Casou por duas vezes com duas excelentes mulheres e nos deus sobrinhos muito especiais.

Recentemente numa visita à sua casa pedi que me levasse ao exato local da cena que ele me descrevera há mais de meio século. Prometera sem entretanto abrir um sorriso muito comprometedor. 

Mas ontem Zé Capeta morreu. Vitimado por um câncer impiedoso e fulminante que não lhe poupou a vida.

Fiquei aqui trabalhando e pensando que Ele iria de encontro a Nossa Senhora do Rosário sob o cortejo da Guarda do Congo e que seu caminho seria iluminado por aquelas velas, perfumado por aquelas flores, saudado pelos sons daqueles tambores e acolhido por todos aqueles descendentes de nossa mãe África.

Zé Capeta, vai com Deus.





Funil, 01/08/2018