domingo, 28 de maio de 2023

Poema: A rua


Companheira de todos os tempos

esta, sim, soube de nós

Testemunha calada

das noites vazias de ti

Imaginava onde estavas

Então sofria.


Hoje

depois dos fins de nós´

sei de ti

E sei que choras

porque me perdestes

na rua que foi nossa







Fotografias: Ruas de Tiradentes (MG), gentilmente cedidas por Angélica Vacarinni, Helena Caran e Eunice Caldas


19/05/2023

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Lançamento: Ridículas cartas de amor

 


 "Conservar algo que faça eu recordar de ti

   seria o mesmo que admitir que eu pudesse esquecer-te"

                                     (Shakespeare)


"Jamais me vergarei diante do vento que tem soprado contrário aos nossos caminhos, pois o passear das suas mãos pelo meu corpo, a delicadeza de suas palavras soando nos meus ouvidos, a alegria de suas histórias estarão sempre à flor da minha pele. Posso senti-lo todas as vezes que penso em você." (Ridículas cartas de amor)


Convite:

É com muita alegria que convido vocês para o lançamento do meu novo livro "Ridículas cartas de amor"

Data: 6 de junho

Horário: de 19:00 às 22:00h

Local: Galeria de Arte  da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais.  Praça da Liberdade, 21

Pré-venda: R$40,00 (entrega no local do lançamento)

                              PIX: contosderivelli@gmail.com

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Crônica: Sou eu ou sou minha mãe?

                            


Fui feita da minha mãe.

A prova não diria que está numa das alças do meu sutiã. No caso dela, a gente sabia das medalhas penduradas numa linha retorcida bem junto à referida alça. Ali, certamente, estariam o Sagrado Coração de Jesus e Santa Maria, talvez estivesse também Nossa Senhora das Graças. Será que teria uma medalhinha de Nossa Senhora do Rosário? Não sei. E da Nossa Senhora da Glória? Também não sei. Só sei que elas ficavam dentro do sutiã, bem juntinhas ao peito da minha mãe. Era após o banho, quando saía cheirando seus sabonetes, que ela retirava aquele cordão santo para recoloca-lo no sutiã limpo. Eu só ficava olhando de revés aquele penduricalho. 

Quando comecei a entender por gente, também não sei quando isto se deu, fui me afastando de todas aquelas santas e aqueles santos. Lembro que foi um alvoroço na minha casa. Sustentava minha posição no silêncio, mais tarde sustentaria no isolamento e, ainda mais tarde, sustentaria no afastamento temporário dos meus familiares. Saí de casa aos dezessete anos e fui para outra cidade. Queria estudar. Naquele tempo já lia os grandes clássicos da literatura mundial. Foram eles que selaram minha posição e me acompanham pela vida afora.

Lembro que minha mãe gostava de queijo fresco, gostava de queijo assado, de queijo com angu quente, de queijo com goiabada, gostava de queijo com rapadura, de queijo com café. Ela realmente gostava muito de queijo e os comia com grande prazer.

Lembro também que minha mãe fazia doces no Natal. Doce de aletria para meu pai, sopa dourada - meu preferido -, doces de pêssegos do quintal da vizinha. Nos aniversários dos sete filhos, ela fazia o doce favorito de cada um. Em tempos de vacas magras, e foram muitos esses tempos, ela comemorava de dois em dois filhos, juntando aqueles que faziam aniversários próximos um do outro. Minha irmã e eu comíamos arroz doce com açúcar queimado e muita canela em pó.

Havia épocas que ela nada fazia. Outras épocas ela fazia tudo.

Seu apego à religião, aos dogmas da igreja e às santas missas foi na minha adolescência a causa de muitas desavenças quando me refugiava nas leituras. Mas tudo isto foi desaparecendo lentamente quando ela adoeceu. A diabetes, ao longo dos anos, lhe causou a demência consequente ao fato dos capilares sanguíneos ficarem “friáveis” (gosto muito desse conceito em medicina), dificultando assim o fluxo sanguíneo cerebral. Então pude ver minha mãe sem os terríveis traços de personalidade adquiridos durante toda sua vida cristã. Ela tornou-se genuína. Percebo que foi desse estado bruto e puro, que brotei.

Hoje, quando leio sobre as vidas de alguns santos e mártires, quando visito igrejas históricas, quando viajo pelos interiores mineiros,  ou me emociono com os batuques das congadas, vejo que é a maneira que encontrei de apaziguar com os desafetos que tive com minha mãe.

A maturidade tem me levando de volta a ela. Às vezes me vejo sendo ela. Às vezes me encanto com os sabonetes dela. Quando me delicio devorando queijos eu sou ela. Quando faço seus doces eu sou ela.

Mesmo que eu não pendure medalhinhas de santos na alça do meu sutiã, ela está em mim. Ela está no meu peito
.


Observação: por favor, assinem os comentários para eu saber quem são vocês. Certo?





                                        

Fotos: Eu (foto de Mauro Noronha ou Pierre Tremblay), arquivo pessoal.

terça-feira, 9 de maio de 2023

História infantil - Um Monte Everest no meu quintal

                                  

                                         Ilustração: Flavinha - Ubá (M.G.)

Eu vi. Eu vi com meus olhos bem abertos. Estava tomando meu café e, de repente, meus olhos olharam aquela coisa esquisita bem no meio da grama do meu jardim. Fingi que não vi. Deixei pra lá aquele montinho de terra.

O que será aquilo? Nem vou chegar perto!

Se meu neto estivesse por aqui, certamente me diria:

- Vovó, vamos ver o que é. Deixe de ser medrosa.

Então eu iria bem ao lado dele.

Os dias foram passando e eu só olhando aquele monte de terra crescendo como se fosse o monte do Everest feito de terra vermelha bem no meu quintal.

- Ô vovó, larga mão de ser exagerada e vai logo ver o que é aquilo.

Mas meu neto não está por aqui. Então nem fui lá.

Acho que é um formigueiro. Eu morro de medo de formigas. Por aqui tem as formigas lava-pés, tem as formigas cabeçudas, tem aquelas formigunhas doceiras. Nem chego perto.

Agora o monte cresceu demais. E se tiver uma cobra cascavel escondida dentro daquele monte? Terei que ter muito cuidado.

Hoje o Cornélio veio capinar o terreiro e me falou:

- Vou jogar esse cupinzeiro para as franguinhas.

Fui lá ver e vi que, as minhas futuras galinhas poedeiras, estavam se deliciando com aqueles bichinhos brancos.

Meu monte Everest vermelho virou comida de galinha.

Observação: peço ao meu neto e às crianças que escutarem essa história para me ajudarem a desenhar essa história. Enviem para que eu ilustrar a história. Ok? 

Meu email é:contosderivelli@gmail.com

terça-feira, 2 de maio de 2023

Crônica: Aos pés da liberdade

 

                                         

Desta vez escolheram a cidade De Tiradentes. Foi uma escolha vencida numa votação entre poucos iguais. É sabido sobre os pensamentos libertários daquele que sugeriu tal cidade. E a cidade recebeu a todos com generosas pitadas de mineiridade.

Aos poucos foram chegando os colegas sexagenários. Tinham brilhos intensos nos olhos. Algumas gotas d’água, notadas às vezes, tornavam-os ainda mais brilhantes. Tinham abraços fartos; tinham risos quase infantis e desejos. Certamente tinham desejos de voltar àqueles tempos de ontem. Ali, irmanados pelo convívio na faculdade de medicina durante tempos sombrios, éramos crianças de novo. Brincamos nas ruas. Tropeçamos nas pedras e passeios desajeitados assim como desajeitados estávamos todos nós. Ali só havia lugar para uma elegância. A elegância das rugas enfeitando o rosto de cada um, a elegância dos cabelos brancos, mesmo aqueles escondidos sob as cores extravagantes nas “meninas”. A elegância do respeito às diferenças. Ali éramos nós, enodados pelas histórias comuns, ávidos pelas lembranças dos desvarios de alguns.

Ali, a liberdade respirava em nós.

Aos pés da Serra de São José Operário, neste dia do trabalho, ali, estávamos nós, trabalhadores médicos; médicos de um tempo em que se fazia da medicina a arte de humanidade. E as histórias contadas corroboravam com o juramento da medicina hipocrática.

Mas ali não estávamos doutores. Estávamos tão só crianças brincando de contar histórias, alucinadas com os coloridos estampados pelos comércios locais, famintas pelos cafés da manhã seguinte. E como crianças, escondidas de nós mesmos na calada da noite, bebemos vinho sob a proteção das estrelas e de uma tímida lua crescente.

Devo confessar que não queria dormir. O tempo pedia, a todo instante, um afago no ombro, uma palavra bem lembrada, um abraço, um sorriso, até mesmo um silêncio se fazia companheiro.

Em Bichinhos, mais uma vez, a história dos sonhos de liberdade dos inconfidentes nos foi contada na resposta dada sobre esse nome incomum. E algumas inconfidências estavam ensurdecedoras dentro de nós. Mas essas, eu juro, que não contarei.





                                                                 Nossa Senhora do O

                                                               Pousada do O


                                                       Estrada de Tiradentes a Bichinhos