Fui feita da minha mãe.
A prova não diria que está numa das alças do meu sutiã. No caso dela, a gente sabia das medalhas penduradas numa linha retorcida bem junto à referida alça. Ali, certamente, estariam o Sagrado Coração de Jesus e Santa Maria, talvez estivesse também Nossa Senhora das Graças. Será que teria uma medalhinha de Nossa Senhora do Rosário? Não sei. E da Nossa Senhora da Glória? Também não sei. Só sei que elas ficavam dentro do sutiã, bem juntinhas ao peito da minha mãe. Era após o banho, quando saía cheirando seus sabonetes, que ela retirava aquele cordão santo para recoloca-lo no sutiã limpo. Eu só ficava olhando de revés aquele penduricalho.
Quando comecei a entender por gente, também não sei quando isto se deu, fui me afastando de todas aquelas santas e aqueles santos. Lembro que foi um alvoroço na minha casa. Sustentava minha posição no silêncio, mais tarde sustentaria no isolamento e, ainda mais tarde, sustentaria no afastamento temporário dos meus familiares. Saí de casa aos dezessete anos e fui para outra cidade. Queria estudar. Naquele tempo já lia os grandes clássicos da literatura mundial. Foram eles que selaram minha posição e me acompanham pela vida afora.
Lembro que minha mãe gostava de queijo fresco, gostava de queijo assado, de queijo com angu quente, de queijo com goiabada, gostava de queijo com rapadura, de queijo com café. Ela realmente gostava muito de queijo e os comia com grande prazer.
Lembro também que minha mãe fazia doces no Natal. Doce de aletria para meu pai, sopa dourada - meu preferido -, doces de pêssegos do quintal da vizinha. Nos aniversários dos sete filhos, ela fazia o doce favorito de cada um. Em tempos de vacas magras, e foram muitos esses tempos, ela comemorava de dois em dois filhos, juntando aqueles que faziam aniversários próximos um do outro. Minha irmã e eu comíamos arroz doce com açúcar queimado e muita canela em pó.
Havia épocas que ela nada fazia. Outras épocas ela fazia tudo.
Seu apego à religião, aos dogmas da igreja e às santas missas foi na minha adolescência a causa de muitas desavenças quando me refugiava nas leituras. Mas tudo isto foi desaparecendo lentamente quando ela adoeceu. A diabetes, ao longo dos anos, lhe causou a demência consequente ao fato dos capilares sanguíneos ficarem “friáveis” (gosto muito desse conceito em medicina), dificultando assim o fluxo sanguíneo cerebral. Então pude ver minha mãe sem os terríveis traços de personalidade adquiridos durante toda sua vida cristã. Ela tornou-se genuína. Percebo que foi desse estado bruto e puro, que brotei.
Hoje, quando leio sobre as vidas de alguns santos e mártires, quando visito igrejas históricas, quando viajo pelos interiores mineiros, ou me emociono com os batuques das congadas, vejo que é a maneira que encontrei de apaziguar com os desafetos que tive com minha mãe.
A maturidade tem me levando de volta a ela. Às vezes me vejo sendo ela. Às vezes me encanto com os sabonetes dela. Quando me delicio devorando queijos eu sou ela. Quando faço seus doces eu sou ela.
Mesmo que eu não pendure medalhinhas de santos na alça do meu sutiã, ela está em mim. Ela está no meu peito.
Lembro que minha mãe gostava de queijo fresco, gostava de queijo assado, de queijo com angu quente, de queijo com goiabada, gostava de queijo com rapadura, de queijo com café. Ela realmente gostava muito de queijo e os comia com grande prazer.
Lembro também que minha mãe fazia doces no Natal. Doce de aletria para meu pai, sopa dourada - meu preferido -, doces de pêssegos do quintal da vizinha. Nos aniversários dos sete filhos, ela fazia o doce favorito de cada um. Em tempos de vacas magras, e foram muitos esses tempos, ela comemorava de dois em dois filhos, juntando aqueles que faziam aniversários próximos um do outro. Minha irmã e eu comíamos arroz doce com açúcar queimado e muita canela em pó.
Havia épocas que ela nada fazia. Outras épocas ela fazia tudo.
Seu apego à religião, aos dogmas da igreja e às santas missas foi na minha adolescência a causa de muitas desavenças quando me refugiava nas leituras. Mas tudo isto foi desaparecendo lentamente quando ela adoeceu. A diabetes, ao longo dos anos, lhe causou a demência consequente ao fato dos capilares sanguíneos ficarem “friáveis” (gosto muito desse conceito em medicina), dificultando assim o fluxo sanguíneo cerebral. Então pude ver minha mãe sem os terríveis traços de personalidade adquiridos durante toda sua vida cristã. Ela tornou-se genuína. Percebo que foi desse estado bruto e puro, que brotei.
Hoje, quando leio sobre as vidas de alguns santos e mártires, quando visito igrejas históricas, quando viajo pelos interiores mineiros, ou me emociono com os batuques das congadas, vejo que é a maneira que encontrei de apaziguar com os desafetos que tive com minha mãe.
A maturidade tem me levando de volta a ela. Às vezes me vejo sendo ela. Às vezes me encanto com os sabonetes dela. Quando me delicio devorando queijos eu sou ela. Quando faço seus doces eu sou ela.
Mesmo que eu não pendure medalhinhas de santos na alça do meu sutiã, ela está em mim. Ela está no meu peito.
Observação: por favor, assinem os comentários para eu saber quem são vocês. Certo?
MARAVILHOSO
ResponderExcluirA infância, engenheira das memórias afetivas, nos revela belas construções.
ResponderExcluirParece a histórica da minha mãe
ResponderExcluirSem dúvida é a minha mãe
👍
ResponderExcluirBelo texto, como tudo que você escreve.Mais uma vez ameeeei
ResponderExcluirQue lindo, é isso mesmo, ficamos sem saber se somos nós ou elas
ResponderExcluirQue lindo! Ela está em você! Parabéns pela linda crônica. Encantada e emocionada.
ResponderExcluirLembranças e reflexões suaves, transmitindo um sentimento de paz interior...
ResponderExcluirFeliz dia das mães!
Líndissimo!
ResponderExcluirTempos bons Zarinha!
ResponderExcluirLembro bem desse arroz doce com açúcar queimado .Tive o prazer de saborear esse famoso arroz doce com canela. .A vizinhança da nossa rua ,era uma maravilha,trocamos ,de guloseimas até roupas e sapatos.Isso que eu chamo de solidariedade ,de bons vizinhos. Saudades desse tempo de vacas magras,mas de muita amizade sem falsidades .
Maravilha de crônica. Me lembro que minha mãe tinha esses santinhos também. Chamavam de escapulário, se não me engano. Muitas coincidências também, diabetes ela tinha e eu tenho também. Felizmente hoje com mais recursos, mas ainda com muitas dificuldades. Bela lembrança me trouxe sua crônica. Adorei! Beijos
ResponderExcluirOi Riveli, minha mãe também usava medalhas e escapulários ensebados no soutien. Bom recuperar essa lembrança. Parabéns pela crônica tão simpática!
ResponderExcluirQue belas memórias!
ResponderExcluirLinda crônica , amiga Rivelli, eu também me vejo na minha mãe todos os dias.
ResponderExcluirParabéns Rivelli. Lindo texto. Parabéns pelo dia das mães!...
ResponderExcluirSaudades de nossa mãe, sempre carinhosa, amável, dedicada e às vezes uma "onça molhada ".
ResponderExcluirMaravilhoso texto! Meu pensamento voltou em Lafaiete, naquela casa, onde me cabia também.
ResponderExcluirLindo seu conto!
ResponderExcluirMe trouxe muita saudade da mamãe!
Sabe que lá em casa eu sou o que mais se parece com minha mãe que é rezadeira assim como eu .
ResponderExcluirBelíssima sua crônica!Me vejo também em minha mãe ! Saudades DracRivelli!
ResponderExcluirA MINEIRICE DE RIVELLI E DA MÃE DA RIVELLI
ResponderExcluir— Tens direito a três desejos. Fama, fortuna ou poder?
— Quero pão de queijo e uma xícara de café com leite.
— Ainda restam dois. Riqueza ou poder?
— Trás uma broa de fubá para acompanhar.
— Qual é o teu último pedido. Fama?
— Nem! Goiabada cascão e queijo canastra, embrulha para levar.
Humm… bom demais! Ah! Posso pedir outro um queijo, do Serro?
😍😍😍😍😍 Abraço, Julizar.
Queijo, sempre os queijos. Meu alimento preferido
ExcluirLindo ,minha mãe também tinha essas medalhas na alça do sutiã eram várias.Minha mãe e a sua tinha pouca diferença de idade.Quando sua mãe aos sete anos veio pra rua pra estudar,segundo a minha mãe ela chorou até a vovó deixar ela ir também.Ela foi alfabetizada com seis anos junto com irmã estavam sempre juntas.Saudades eternas de ambas
ResponderExcluirPor favor, quem é você? Amei saber dessa história.
Excluir👏🏼
ResponderExcluirVc traduziu em palavras um sentimento que me vem quando penso e observo minha mãe que hoje mora comigo!!!
ResponderExcluirEntre contestação e identificação, seguimos sendo um pouco dos nossos pais. Bela crônica, Rivelli!
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