sexta-feira, 12 de abril de 2024

Crônica: Entre as montanhas de Minas

 

                                                


Desde que decidi rever minha turma de faculdade, o que se deu somente trinta anos após o término de nossa graduação em dezembro 1981, tomei uma decisão, qual seja não deixar de ir a nenhum encontro da turma. Isto tem sido uma precisão imperativa que vem de dentro de mim. Quem sabe um dia escreverei sobre este fato e muito tenho a falar dele. Por hora quero falar tão só do nosso mais recente encontro.


     A escolha do local vinha sendo discutida pelo grupo criado através dessas modernidades pelo whatsap. Havia um tempo em que eu propunha Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto. O grupo não se manifestou. Eu e Ouro Preto temos uma longa história, então seria óbvia minha sugestão. Não houve ecos. Sempre prefiro locais que sugerem turismo aliado aos encontros. Liguei para a sempre organizadora dos encontros. Negativo. Argumentou que a turma sempre prefere Juiz de Fora, onde nos formamos. Sendo a minoria, suponho, acatei a argumentação mas sabendo que não declinaria dos pequenos encontros.

     Sem vagas no hotel que propus, um colega despachado,  que aqui chamarei de J.B., logo encontrou vagas numa pousada entre as montanhas do distrito de Glaura, em Ouro Preto. Achei a ideia ótima, pois há muitos anos gostaria de conhecer Glaura e engrossar minha lista com mais um visitado dos treze distritos de Ouro Preto. Outro motivo seria o preço bem mais accessível.

     Temendo não ter mais vagas, corri para fazer a minha reserva. Entretanto aconteceu um desvario. Apesar de incentivar o grupo, mais ainda “as meninas”, não obtive os resultados esperados. Era apenas eu de “menina” e oito “meninos”. Encarei o fato. Eu precisava, além de estar com os colegas, estar comigo. Queria tempo para conversar comigo.

     E lá fomos nós. Fui, confortavelmente, de carona com J.B. que também deu carona para Fênix
e já havia buscado, em Confins, o colega P. Edu que veio de Cuiabá.

     Preocupada com minha crescente surdez não esqueci os terríveis aparelhinhos. Os colegas, sempre gentis, não me deixaram no vazio quando não escutava uma conversa, repetiam o assunto e falavam um pouco mais devagar.

     J.B., o anfitrião da carona, era o mais animado. Em Itabirito parou para saborear o famoso pastel de angu e para nos apresentar o Museu Jeca Tatu. Ri demais, e sozinha, ao identificar ali no meio dos centenas objetos expostos, alguns que viveram na minha casa em Lafaiete e vi também o sucessor do nosso primeiro aparelho telefônico, hoje decorando a sala da minha casa.

     Apesar de viajar tanto por ali, nunca havia parado naquele negócio tão esquisito. Continuamos nossa viagem. Logo pegamos a estradinha que nos levou ao Recanto das Montanhas.

     Com uma recepção bem mineira fomos instalados e convidados para um cafezinho com pãezinhos de queijo. O local me levou de volta a minha infância. Montanhas, muitas montanhas e, em volta, construções bem simples que lembram os interiores de Minas. Fiquei pensando se aquele lugar agradaria aos gregos e troianos da nossa turma. Acho que não.

     Subi para meu quarto, número 5, lavei meu rosto besuntado de filtro solar, tomei ciência do espaço, alonguei meu corpo e me deixei cair na cama. Novamente muito filtro solar e descer para reconhecimento de toda a imensa área e receber os colegas que estavam chegando. J.R. veio de Manhuaçu no seu possante híbrido dando carona para Mago, o louro. Já éramos seis. Coca, dono das boiadas, veio sozinho do interior de São Paulo no seu nada possante carrinho mil. Bem mais tarde chegaram Dinho com Chico, aquele que nega ter botado fogo no King Kong em Juiz de Fora, durante a ditadura. Foi preso. Solto na manhã seguinte por obra do divino espírito santo. Chegaram ao final da tarde porque pararam para socorrer acidentados na estrada esperando a chegada do SAMU. Vieram de Muriaé. Somamos nove que, segundo meu pai não conta, pois é “noves fora”.

     Como sempre as gargalhadas e as cervejas estavam presentes o tempo todo. Sem timidez sentei ao lado dos colegas que já davam gargalhadas com as histórias contadas e recontadas.

     Muito sol e muitas famílias enchiam os ambientes de alegria.

     Almoço, sendo sexta-feira da paixão, foi de muito peixe. À tarde, caí na piscina sem nenhuma vergonha do corpinho de matrona italiana nos seus “meia meia”. Havia comprado uma linda saída de praia EG, por ordem da minha cunhada MarechAlda, que sequer entrou em mim. Peguei minha saia colorida comprada num brechó chique em Nova Zelândia e me senti a mais elegante das mulheres. Acompanhei J.B. que procurava a cachoeira indicada pela proprietária da pousada. Caminhamos e conversamos muito. Nada importante. Só levezas.

     À noite vinho. Amo vinho. J.R trouxe uma caixa deles. E o sono dos justos.

     Na manhã seguinte uma caminhada pela estrada margeando o Rio das Velhas. Eu e sete senhores doutores. Junto conosco caminharam nossos filhos e netos e nossas histórias. E topamos com borboletas azuis, com cachorro da cor de chocolate, com cavalos e bois. Estávamos ora em dupla, ora em trios, ora éramos oito. E tudo foi posto em palavras. Para mim este momento foi o mais íntimo e o mais doce do encontro. Pude perceber que Chico estava desolado, talvez pela ausência da sua musa inspiradora. Percebi também que Fênix estava um pouquinho menos casmurro.

     Voltamos e encontramos Dinho sentando na ampla sala de recepção nos convidando para assistir na TV, seu filho famoso, Felipe Rameh, ensinando como se faz um delicioso bife a milanesa e seus acompanhamentos. À tarde mais cervejas. Devo confessar que, em alguns momentos me afastei do grupo para que eles sentissem mais a vontade nas suas piadas “horríveis”. Foi então que conheci um simpático casal e o filho, de Belo Horizonte. Conversamos bastante e escutei o relato feito pela mulher sobre o fato de ter ficado diabética após procedimento cirúrgico desnecessário que ela teria conseguido “com meu poder de persuasão”. O marido e eu conversamos muito sobre Betim, cidade onde trabalhamos durante vários anos.

     E, finalmente, fomos conhecer o charmoso distrito de Glaura. Assistimos ao segundo tempo do Galo x Raposa num animado bar defronte a matriz de Santo Antônio. E, para minha surpresa, lá estava N. Senhora do Rosário no altar à esquerda de Santo Antônio. Fotografias da turma numa noite em Glaura.

     Num dado momento, enquanto estávamos todos sentados numa imensa mesa, aconchegou um jovem. Pediu licença e falou de sua admiração e simpatia pelo grupo e que falara para sua esposa que não havia como sentir ciúmes desses encontros. Entretanto já vinha percebendo olhares admirados pelo “nosso grupo “que soube causar naquela pousada incrustada em meio às montanhas.

     Voltamos para a pousada para nossa segunda e última noite entre as montanhas de Minas.

     Na manhã seguinte nosso café de despedida e a volta para a vida de cada um.

Agradeço aos “meninos senhores doutores” o carinho e as gentilezas para comigo.

    E que venham outros encontros.

Funil, 12/04/2024

























terça-feira, 2 de abril de 2024

Livros ao vento



Dar livros de presente

virou coisa do passado

Histórias de amor, nem pensar...

só no virtual


Pois, contrariando isto,

agora comecei

a espalhar livros pela cidade


Eis que vejo

pessoas pegando os livros

e falando de amor.


(Mário Campos, 02/04/2024)

 




quinta-feira, 28 de março de 2024

Poema: ela vem chegando

Fez firulas 

do lado de lá

uma bailarina atmosférica

ameaçou cair

corri para acudir

Desapareceu


Apontou de novo

mais perto

agora sem firulas 

corri para acudir


Fechei janelas

apanhei lençois no varal

Protegi a orquídea-baunilha


Voltei para meu lugar

então senti seu cheiro

vi sua dança

vem caindo perto de mim.

Abensonhada chuva.


29/02/2024





sexta-feira, 15 de março de 2024

Poesia: Cronos e kairós

                       






Ele cronos
Eu kairós

Ele quer saber
Eu só quero o luar

Ele constrói muros
Eu faço pontes

Ele vai pra lá
Eu venho de lá

Ele viaja num corcel
Eu viajo nas estrelas

Ele estuda as leis
Eu desfaço regras

Ele defina as horas
Eu quebro o tempo

Ele crônico
Eu aguda


11/03/2024
Fotografia : créditos para Tomé


quinta-feira, 14 de março de 2024

Pequena história: A moça

                                


Ela nem titubeou. Pegou uma bolsa qualquer, colocou o quanto lhe bastava. Uma muda de roupas, um pedaço de bolo do dia anterior e
os trocados que economizou na semana. 

Pé na estrada. Lá se foi Beth.

Logo conseguiu uma carona. O pai dava conselho para não conversar com estranhos. 

Na cidade destino agradeceu a carona. O motorista
olhou com olhos de homem fome. Ela agradeceu e nem olhou para trás. 

Pegou o metrô. Depois ainda caminhou bastante.

Chegou à casa do amor de sua vida. Da sala viu
o amor de sua vida na cama com uma mulher da vida. 

Pegou-lhe a carteira sobre a mesa. Sumiu dali. Nunca mais foi vista por aquelas bandas.


(Expressões plagiando Conceição Evaristo)

Fotografia: orquídea com aroma de barnilha, arquivo pessoal.



12/03/2024

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

"Ridículas cartas de amor" - Lançamento em Mário campos

 




Pessoal,

como bem nos disse o grande poeta, "todas as cartas de amor são ridículas".

É com imenso prazer que convido vocês para o lançamento do meu livro "Ridículas cartas de amor", em Mário Campos.

A psicanalista, Zaíra, nos falará sobre esse amor que tanto nos demanda e que, às vezes, tanto nos consome.

Aguardarei vocês lá comigo.

Data: 9 de março de 2024, sábado.

Hora: 9:00 h.

Local: Câmara Municipal de Mário Campos.

(Avenina Petrina Augusta de Jesus, 100 - Bairro São Tarcísio)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Crônica: Churroz e tulipas

                         

Um tanto de pessoas inquietas numa esquina nos fizeram acreditar que seria ali o local que procurávamos. Meu filho procurou vaga para estacionar seu velho e comprido carro alemão com lado do motorista à direita. Uma euforia, realmente, tomava conta das pessoas naquela esquina. Famílias inteiras andando de um lado para outro. O entorno fazia crer que ali era um povoado, ou seria uma “village”?

Assim que chegamos vimos outros brasileiros, já conhecidos e amigos, que também procuravam o lugar aonde todos queriam ir. Joana, uma bela menina ruivinha, filha dos amigos gaúchos, passeava ora com os pais, ora no colo da amiga, ora no chão já querendo correr de um lado para outro.

Naquela esquina havia carros vendendo sanduiches, flores, souvenires, balões, e, de repente, eu vi escrito CHURROZ. Ainda não acreditando naquilo, chamei meu neto e meu filho e fomos lá comprovar e comprar os "churroz". Minha timidez ainda não havia me permitido fazer isto sozinha. Minha nora havia encontrado uma bela poltrona para sentar e fugir do sol que, naquela hora, já estava muito quente. Os churrinhos vinham dentro de um copo descartável e noutro copo vinha um delicioso doce de leite para que besuntássemos aquelas pequenas delicias ali dentro. Enquanto nos esbaldávamos com nossas degustações brasileiras, ficamos sabendo que ali era o ponto aonde os transportes vinham buscar as pessoas para levarem-nas aos campos das tulipas. Dani foi se informar e indicaram os melhores caminhos para irmos até lá.

Estradinhas de terras por entre o asfalto e eis que deparamos com os imensos coloridos em linhas retas. Muitas pessoas já caminhavam de um lado para outro, do lado de fora da cerca, para ver as cores preferidas. Eu procurei pelas marrons avermelhadas. Lindas. Mas, na verdade, era difícil escolher quais eram as mais belas. Pude notar que havia muitos asiáticos, indianos na sua maioria, alguns europeus, brasileiros e muitos japoneses. O espetáculo das cores era de doer nos olhos e na alma.

Meu filho encontrou um jovem conhecido do Sri Lanka com quem já havia trabalhado. Meu neto logo identificou uma mulher estrangeira que operava seu drone com uma câmera fotográfica. Chegou até ela, puxou conversa e logo o aparelho já estava nas mãos dele que passou a seguir as instruções e controlar o aparelhinho. Eu consegui pegar Jôjô no meu colo e ficamos a olhar as flores.

Nesta hora chegou a informação de que havia outro campo de tulipas, bem maior, aberto aos visitantes e sem cercas. A confusão foi armada para virar os carros por ali. Todos queriam ir a tal campo.

Ao chegar lá não havia quem não se emocionasse. Por todos os lados eram cores em linhas retas. Gente de todo o mundo se aglomerava entre as flores para as fotos. Os idiomas se misturavam em palavras de espantos. Nesta hora meus olhos também vagavam pelos coloridos dos sáris e joias que vestiam as dezenas de mulheres indianas que circulavam por ali e se confundiam com as cores das tulipas.

Minha nora, por entre as flores querendo ser fotografada com o marido, escutou “eu tiro as fotos prá vocês” de um homem brasileiro que também passeava entre os canteiros.

Aviões faziam voos rasantes sobre aqueles campos com turistas dispostos a pagar o preço.

Voltamos extasiados com a beleza das flores e das cores. Aquela cidadezinha era chamada Edendale. Será que poderíamos chama-la de cidade das tulipas? Eu não tirava da minha cabeça uma questão que me atazanou as ideias desde que vi os primeiros campos de tulipas qual seja, o que fariam com tantas flores raras? Sendo Nova Zelândia uma ilha tão longínqua, de difícil acesso e, levando em conta a breve vida das tulipas, o que seria feito daquelas milhares de flores? Não ousei perguntar para não perder o encanto.

Na manhã seguinte cada um voltou para sua rotina. Logo cedo fui caminhar no Queens Park com Ana, minha nova amiga santista. Perguntei a ela como havia sido a viagem que fizeram, ela com o marido e toda a família do filho, à cidade de Dunedin, onde, há quase quarenta anos, reside um sobrinho do seu marido. Ana contou sobre a viagem, a bela casa do sobrinho, a praia, as caminhadas até um famoso Farol na península de Dunedin e a volta, no domingo cedo, quando puderam passar em Edendale para verem os campos de tulipas. Entre sorrisos ela ia me contando cada lugar visitado e me contou sobre o trágico destino das tulipas.

06/02/2024

Pois bem, sendo esta uma crônica de trabalho da oficina de escrita, ela deverá responder as orientações do nosso mestre conforme abaixo:

“Hora de tecer o texto definitivo. Você tem os ingredientes. O amor, a cidade, o namorado. Crie a trama, trame. Coloque para funcionar a criatividade e boa viagem.”

Em resposta às estas orientações devo dizer que, assim como as tulipas, o namorado se desfez no breve tempo que durou nosso amor adolescente. Edendale é mais uma cidade encantadora. As flores foram descartadas e restaram os bulbos que irão, de avião, para a Europa onde brotarão com novas cores e com novos amores.

Fotografias: arquivo pessoal

Observação: Caso queiram fazer algum comentário não esqueçam de de se identificarem. 













06/02/2024

domingo, 14 de janeiro de 2024

Crônica: Mineração aqui não!

 


O que será do Funil?


Hoje, durante meu café da manhã, um tucano veio me visitar. Ele chegou bem próximo a mim. Certamente queria compartilhar meu pão com café. Fiquei pensando na riqueza de nossa flora e de nossa fauna.

Lembrei que nos últimos dias fomos surpreendidos com moças batendo de porta em porta fazendo perguntas sobre nossa região.

Nossos grupos de whatsap logo acenderam as luzes e várias perguntas foram feitas dentro de nós.“Onde há fumaça, há fogo” pensei cá comigo. Cheguei a ser indelicada com as entrevistadoras recusando responder às perguntas. Elas que nada tem a ver com a serventia daquilo. Estavam apenas trabalhando. Peço desculpas.

Nascemos aqui ou escolhemos estas ricas terras para morarmos.

Nossas Minas Gerais vem sendo assoladas, por garimpeiros e mineradores desde sempre, em busca dos metais preciosos, ouro, ferro, manganês e, mais recentemente, o nióbio, além das nossas maravilhosas pedras preciosas incluindo nossos diamantes. Todas essas riquezas extraídas das nossas terras são exportadas para Europa, Ásia e para o império estadunidense onde brilham nas joalherias e nos museus ou onde nossos minérios são beneficiados retornando para nós a preços exorbitantes. 

Quem de nós exibe relógios dos nossos ouros ou outras joias das nossas pedras preciosas? (Ainda bem que nosso sotaque “mineirês” foi, atualmente, reconhecido como um dos mais belos do mundo).

Nós, os mineiros, ficamos com os buracos nas nossas serras, com nossos rios secos e contaminados, com as erosões em nossas terras, ficamos também com vários tipos de doenças incluindo as graves doenças da pele ou aquelas que matam lentamente como as doenças pulmonares. Ficamos com os trabalhos insalubres e com a pobreza de nossa gente.

Nesta semana ouvimos burburinhos de reuniões dos herdeiros das terras desejadas pelas mineradoras. Obviamente que surgiram “pulgas atrás das orelhas”. Eu, particularmente, me entristeci. Considero que nossas maiores riquezas não advêm daquilo que conseguimos adquirir com o “vil metal”. Sempre me lembro de um grande parlamentar mineiro lançar questionamentos sobre as mineradoras predatórias que destroem nossas terras, ficam com o lucro e deixam feridas abertas por onde passam. Diz ele que é necessário rever nossas políticas ambientais senão das nossas Minas Gerais sobrará apenas seu nome. Lembro também de uma bióloga dizer que existem trabalhos científicos mostrando que não haveria mais necessidade de minerar nosso planeta uma vez que todo o minério já extraído, caso fosse reciclado, resolveria esse sério problema com a Terra. Lembro também do nosso querido líder indígena, Airton KrenaK, ambientalista, sociólogo, filósofo e escritor ao dizer que
“Governos burros acham que a economia não pode parar. Mas a economia é uma atividade que os humanos inventaram e que depende de nós. Se os humanos estão em risco, qualquer atividade humana deixa de ser importância. Dizer que a economia é mais importante é dizer que o navio importa mais que a tripulação.”

Devemos sempre ter em mente que “recursos naturais” não são renováveis, um dia eles acabarão.

Que pensemos sempre sobre nossas vidas que devem estar acima de quaisquer bens financeiros.

Mas eu só queria falar das minhas caminhadas por nosso Funil quando deparo com belezas tantas que meus olhos ficam extasiados e meu coração feliz. Nestes tempos de mangas por todo o Funil, há o aroma das muitas espécies por todo trajeto. Neste tempo há flores colorindo nossos caminhos. No Funil existem muitas mercadorias que não se compram e nem se vendem como a tranquilidade, o silêncio, a segurança, nossas minas d´água, nosso Córrego do Vinho com suas histórias, nossas lendas e tradições, nosso subsolo e toda gente que nasceu e cresceu aqui.

É importante que nos perguntemos que lugar queremos deixar para nossos filhos e netos.

Também é importante lembrarmos que a cidade de Mário Campos é a segunda menor cidade, em extensão territorial, do estado de Minas Gerais e que, apenas uma mineradora, ocupará a quinta parte deste território.

Então uma pergunta se impõe: “O Funil sobreviverá aos impactos ambientais de uma ou duas mineradora?”

As soluções quando sonhadas e compartilhadas são soluções enriquecedoras.


Sábado, 13/01/2024

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Crônica: Um encontro impensável


Meu interesse por Nova Zelândia vem se dando ao longo dos anos, ora através de conversas escutadas  como o fato de uma conhecida jovem, ainda nos anos noventa, ir ajudar a filha com seu primeiro bebê, uma vez que a mesma havia escolhido aquele país para viver. Ficava me perguntando como uma adolescente fora sozinha para um país tão distante e de tão difícil acesso? Ora meu interesse por aquele país também se dava através de postagens das mais belas paisagens reconhecidas por autoridades fotográficas de todo o mundo.

Nestes mesmos anos noventa, assisti ao premiadíssimo filme “O Piano”. Ver aquela ilha com suas montanhas geladas costeiras, com seus povos Maōri foi uma fantástica descoberta. Eu queria saber mais sobre aquele país insular. Comecei a procurar filmes ambientados na Nova Zelândia mesmo com meu parco tempo para ser cinéfila com filhos pequenos e muito trabalho. Mas meu lazer eram os filmes e, preferencialmente, de países e povos distantes.

No início dos anos dois mil me encantei com outro filme também belíssimo, também ganhador de vários prêmios, inclusive de atriz revelação, e também filmado nas praias da Nova Zelândia. "Encantadora de Baleias" era o nome do filme cuja presença dos povos Maōri aumentou minha curiosidade. Aqueles povos com suas tatuagens e seus costumes me chamaram a atenção . O que eu jamais poderia imaginar é que viria a conhecê-los tão de perto.

Aotearoa é o nome que os Maōri -  povos polinésios das ilhas Cook - deram ao arquipélago tão logo avistaram as montanhas geladas com nuvens brancas cobrindo toda a região. “Terra da longa nuvem branca” é o significado de Aotearoa e hoje é um dos nomes oficiais da ilha juntamente com Nova Zelândia. Não se sabe ao certo em que época esses povos aportaram na ilha. Eram grandes guerreiros lutando por territórios menos inóspitos para suas sobrevivências. Dos preparativos para as suas lutas surgiu a dança Haka, como forma de paixão e intimidação dos guerreiros para com outros guerreiros, atualmente, apresentada com orgulho em eventos culturais pelo mundo afora.

Dani, minha nora, já tem bastante conhecimento dos povos Maōri e foi ela quem me contou muito sobre eles e suas tradições.

Aramã, amigo do meu filho, sabendo do meu interesse em conhecer mais de perto a cultura daqueles povos e, atualmente, trabalhando num Marae (“espaço” na língua dos povos Maōri) conseguiu que eu “fosse aceita” numa “cerimônia de boas vindas” restrita aos seus povos e que se dá na pequenina casa de oração. Conversávamos bastante sobre diversos assuntos. Aramã é um grande intelectual e muito estudioso. Um destes assuntos girava em torno do seu trabalho junto aos Maōri. Foi ele quem me explicou  sobre a mistura das religiões, dizendo que, devido ao fato deles terem também suas divindades e guardiões,  semelhantes às religiões cristãs, com seus mártires e santos, houve uma junção destas últimas pelos povos quando da chegada do colonizadores ingleses no século XIX. Atualmente essas "religiões” vivem harmoniosamente.

Voltando à minha visita devo dizer que, assim que entrei no Marae, me chamou atenção a beleza e a grandiosidade do local. Mais tarde Aramã me falaria da arquitetura daqueles imensos espaços projetados como o corpo de uma baleia e cada espaço sendo pensado como um órgão dela. "A casa de orações é o coração da baleia" disse-me ele. 

Logo que cheguei fui apresentada a uma trabalhadora que me ofereceu um café. Daí fui sendo abraçada por várias outras  trabalhadoras do local. 

Naquele dia estavam sendo esperados cinco prisioneiros para que fosse apresentada a eles uma proposta de “reinserção social” cujo resultado do projeto já vinha sendo observado pelo departamento de correções com outros sujeitos infratores. Ali também estavam trabalhadores de empresas terceirizadas junto ao estado para  acompanharem a proposta. Foi então que, entre essas pessoas, estava Lu, uma gaúcha que eu já havia conhecido e, de quem, já havia gostado.

Chegou a hora da cerimônia de boas vindas, a que chamam de Pōwhiri – no idioma deles não há a letra F que é substituída por “wh” com seu mesmo som. Todos calados caminhamos em direção à “igrejinha” sob um forte sol branco e frio. De um lado os kaumātua”, pessoas mais velhas e de grande sabedoria que conduzem a cerimônia. Atrás destes estavam os trabalhadores do Marae. Do outro lado ficaram os poucos convidados, os cinco presidiários, alguns trabalhadores do presídio, assistentes sociais e eu.

O coordenador, a quem fui apresentada, iniciou as orações em Te reo - idioma Maōri – e, logo depois, repetidas em inglês. O silêncio era total. Pareceu-me que ele falava com o coração. Eu olhava com curiosidade para aquelas pessoas com suas inúmeras tatuagens pelo rosto e pelo corpo. Já havia notado a bela tatuagem no rosto do coordenador a quem havia sido apresentada. Havia uma inexplicável serenidade ao redor. Neste momento muitas vozes dentro de mim evocavam minha vida ali. Debulhei em lágrimas. Saudades das filhas que ficaram no Brasil. Saudades antecipadas do meu neto que ficaria naquele país. Saudades de mim. Uma enxurrada de lágrimas lavou meu rosto, banhou meu coração e me refez em calmaria.

Chegada a hora das saudações. A fileira dos "kaumātua” esperava que cada convidado fosse até eles e, então, encostava seus narizes nos nossos narizes e suas testas nas nossas testas. Parecia que eu estava dentro de uma cena de filme. Depois também fui abraçada por alguns deles como nas saudações ocidentais.

Aprendi que suas tatuagens têm registros de suas vidas, de seus ancestrais e de suas posições hierárquicas na tribo. Os homens têm suas tatuagens no rosto, nádegas e coxas. As tatuagens no rosto indicam superioridade uma vez que a cabeça é considerada a parte mais sagrada do corpo.

A seguir caminhamos de volta ao centro da baleia onde um delicioso breakfast nos esperava junto à cozinha. O coordenador expos o projeto para os homens apenados, me apresentou ao grupo e agradeceu minha visita. Sentei numa mesa onde havia apenas um homem bastante envelhecido, com cabelos e barba crescidos e pude perceber que se tratava de um dos prisioneiros em busca de ressocialização. Cumprimentei-o com um leve sorriso como se o pedisse licença para sentar ali. A seguir uma colega de trabalho do Aramã, a quem já havia sido apresentada, aproximou com um belo sorriso e sentou-se ao nosso lado. 

Terminadas as falas, fui até ao coordenador, agradeci a ele ter aceitado minha participação na cerimônia de boas vindas e o pedi para fazer algumas fotos daquele espaço e do nosso encontro e assim o fiz após sua autorização.

Voltei para casa inebriada pelo Pōwhiri e ainda mais desejosa de saber sobre aqueles guerreiros enormes,  tatuados por todo o corpo, que dançam como se estivessem debochando dos adversários ao mostrar-lhes as línguas com olhos arregalados e com gestos intimidatórios.

Decidi que ainda hei de voltar em Aotearoa, brincar muito com meu neto, passear com ele pelos parques, conhecer outras cidades e, quem sabe, ser submetida a um Tohunga (tatuador)  e um fazer uma Tā moko (tatuagem Maōri).

Assim  quero e espero.

20/12/2023

Observações:
Deem um zoom na primeira foto e vejam a tatuagem na face do coordenador.

Caso façam algum comentário não esqueçam de colocar de se identificarem. 


Agradecimentos: 

À Dani por tudo que me ensinou sobre os povos Maōri e sobre a Nova Zelândia.

Ao Aramã, pai da belíssima menina Amora, pela disponibilidade e gentileza em me levar a tão sagrada cerimônia e me ensinar tanto sonbre tantas coisas.


           Capela de oração no Anderson Park - Invercargill



Guardião da casa de oração do Marae



       Lu e eu 


Porta de entrada da Casa de oração




Uma das coordenadoras e eu