sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Crônica: Natal com os doces da minha mãe.

 


Nos raros tempos de abastança na minha casa, em vésperas de Natal, minha mãe não fazia manjares. Acho que ela nem conhecia aquele doce branco insosso decorado com ameixas pretas. - Será que ela conhecia ameixas pretas enlatadas? - Os doces que minha mãe fazia eram bem outros. Para cada filho minha mãe fazia seu doce preferido. Exatamente hoje, quando volto de uma consulta médica com taxa da hemoglobina glicada de 6,1%, encostando no diabetes, os doces da minha mãe voltam e enchem minha boca d´água.


- “Vamos fazer novos exames daqui seis meses. Faça bastante atividade física porque você tem que queimar essa glicose.”

Esta foi a orientação da minha amiga médica. Filtração renal já dando sinais de “chega pra lá com doces e pães e pressão alta”. Mal sabe minha doutora amiga que, como descendente de italianos, tenho grande amor por aqueles pães rústicos, tostados e duros da terra dos meus antepassados.

Mas voltemos aos doces de natal da minha mãe.

Meu pai era amante do doce de aletria como tantas vezes já tenho escrito nas minhas crônicas e, como tantas vezes, escrevi que se tratava de um doce italiano. Só hoje, fuçando nesse "doutor Google", é que descubro tratar-se de uma delícia da culinária sírio-libanesa chamado Doce Sírio de Aletria cujo ingrediente que lhe dá o nome é o macarrão cabelo de anjo. Vivendo e aprendendo. E, como minha mãe era apaixonada por meu pai, esse doce só faltava no nosso natal quando o tal macarrão cabelo de anjo não era encontrado nos armazéns da minha cidade. Então minha mãe era perdoada, mas desde que fizesse a sopa dourada.

E a sopa dourada era meu doce preferido. Nunca vi ninguém se referir a essa guloseima da minha mãe. Acho que era uma especialidade só dela. Era feita com fatias de pães embebidas no leite e depois banhadas, levemente, com uma escumadeira, numa calda dourada. Essa calda que era dourada de verdade era feita de água com açúcar e, quando fervendo, colocavam-se muitas gemas de ovos peneiradas, uma a uma, sobre a mesma. Tudo isso com a panela sobre um fogo brando. A seguir as fatias eram, delicadamente, dispostas num pirex de vidro e salpicadas de canela, muita canela. Enquanto escrevo vem o gosto desse doce dos deuses à minha boca. “Fecha essa boca para os doces que você está a um passo da diabetes”, eis meu superego me dando ordens.

Segundo meu pai ninguém jamais soube fazer a sopa dourada da minha mãe. Nem mesmo sua jovem segunda esposa, após a morte da minha mãe, soube fazê-la com ele ensinando e supervisionando todos os processos. Lamento que eu jamais tenha ousado fazê-la. Ficarei com as saudades e o gosto dela na minha boca.

Havia também o arroz doce da minha mãe que era o doce preferido dos meus irmãos mais velhos. Minha mãe tinha um diferencial ao fzer essa iguaria, ela queimava o açúcar que coloria o branco do arroz  com o tom de terracota. Outro diferencial era o leite que, naqueles tempos era leite de vaca mesmo, leite gordo, não esse leite aguado das caixinhas e saquinhos. Era leite de vaca que buscávamos no Sô Geraldinho, fazendeiro que morava no mesmo bairro que nós. Atualmente meu irmão, Zéugênio, residente no interior de São Paulo, agracia seus convidados com o “arroz doce da Dona Mariinha” que já virou especiaria certa em dias de festas em sua casa.

Lembrei agora que, no ano passado, quando fui visitar meu neto do outro lado do planeta, fiz arroz doce branco, cuja receita foi me dada pelo pedreiro que construiu minha casa. Dudu se esbaldou. De vez em quando o via abrindo a geladeira e pegando mais um tanto do meu arroz doce branquelo. E, bem recente, voltei a fazer essa receita de arroz doce branco. Ficou delicioso e as tertulianas de Betim adoraram quando do nosso encontro.

Eu não gostava dos doces de frutas naqueles tempos exceto o doce de pêssegos feito por minha mãe. Começava com nossa vizinha, Dona Dulce, nos convocando a apanhar os pêssegos em seu quintal. Ali havia uns quatro ou cinco pessegueiros e nós, crianças, subíamos neles e nos divertíamos com aquela doce tarefa. Depois separávamos o joio do trigo. Tirávamos os bichos e já estavam prontos para serem cozidos em calda açucarada.

Oh, meu Deus, como vou abaixar meus índices de glicose com tantos doces na mesa do meu Natal?

Isto me fez lembrar dum tempo em que eu havia ganhado muito peso e queria estar linda para sempre. Então propus a mim mesma que perderia os vinte quilos em excesso. Era véspera de Natal. Foi um esforço tremendo. Valeu. Fiquei linda para sempre.

Quanto aos doces da minha mãe, estes ficarão apenas na minha memória e o doce sabor ficará impregnado na ponta da minha língua. Quem quiser fazê-los, faça-os e se deliciem...

Boa sorte e feliz Natal a todos vocês.

13/12/2024

Fotografia: gentilmente cedida por Reinaldo Marques

Observação: por favor, em caso de fazerem comentários, coloquem o nome.


                                         Arroz doce feito por Zé Eugênio "a la" Dona Mariinha
                                       com canela a gosto de cada um.

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Em nome da mãe: Outra palavra

Boa noite a todas e todos vocês.


Antes de iniciar a leitura do que escrevi para esta noite, gostaria de fazer uma reparação:

Quero me desculpar com a professora, amiga e vizinha Luciana da Paz, que pela ocasião do lançamento do meu primeiro livro “Rosa nos tempos” apresentado por ela e lançado aqui, nesta sala, em 2018 pela Editora Lesma, indelicadamente, esqueci-me de convidá-la à mesa. Gostaria que ela se levantasse e que déssemos uma salva de palmas para ela.

Muito obrigada Luciana

São muitas as palavras que gostaria de dizer a vocês nesta noite, mas vou me permitir diminuí-las no tanto para não ficar enfadonho e eu correr o risco de vocês me deixarem falando sozinha.

Quero agradecer a todas as pessoas envolvidas neste evento, meu querido irmão Luiz Paulo Rivelli, Wagner, meu amigo e editor do livro por sua editora Tábula rasa, agradeço aos alunos e professores do CAIC, Escola Municipal “Dr. Rui Pena”, agradeço à Sociedade Literária de Queluz que acolheu tão bem minhas escritas, às minhas sobrinhas neta Iasmim, Júlia e Marcela que estão recebendo vocês e vendendo meus livros.

Agradeço também à Tânia que, com sua voz e sua interpretação já havia me arrancado lágrimas,

Agradeço ao Vlad com seus tons diversos e sua alegria.

Agradeço aos meus familiares, minha irmã Maria da Glória, aos meus vizinhos, e a todos que aceitaram nosso convite para esta noite.

Bem, a escrita do livro, Em nome da mãe, começou há alguns anos.

Tenho dito sempre, quando me refiro a ele, que me foi preciso escrevê-lo.

Ele conta a história de uma família, como tantas outras, que, naqueles anos do grande êxodo rural no Brasil, 1950 a 1970 se viu tendo que sair do interior e buscar uma nova e incerta vida nas cidades grandes. Lembro aqui do nosso mais famoso retirante, O presidente Luiz Inácio da Silva Lula

Com certeza, muitos de vocês aqui, também viveram esta mesma história.

Fui menina num tempo de muita insegurança social no país. Estávamos vivendo sob o regime ditatorial militar. Havia muita repressão e medo que interferiam nos menores detalhes das nossas vidas. Nosso simples ir e vir estava sob suspeita.

Foi um tempo de muita insegurança alimentar, quando os Estados Unidos, patrocinadores do golpe militar, “bonzinhos feito eles só”, enviavam grandes latas de leite pó para matar a fome de milhares de brasileiros, entre eles, estávamos nós.

Naqueles tempos as crianças nordestinas estavam condenadas a viverem como sujeitos menores, “Eles não teriam massas cinzentas cerebrais suficientes para se desenvolverem. Seriam considerados seres humanos inferiores”. Ainda bem que aconteceu o inverso. Os adolescentes nordestinos tem-nos mostrados sua força, sua arte, com as melhores redações do ENEM.

Também foi um tempo em que a religião mais oprimia do que construía seus devotos. Aliás mantinha seu rebanho à base do medo como o regime militar em que vivíamos e à base do “tudo é pecado”.

Pois bem, é nesse contexto que a história do meu romance autobiográfico acontece.

Vocês descobrirão, ao ler o livro, como tudo isto afetou uma criança chamada Zarinha.

Obrigada e boa noite.

 

































        



                                                         










































































Fotografias: Créditos  Filipe Rivelli

Lafaiete - Lançamento do meu novo livro "Em nome da mãe" na noite de 22 de novembro no Solar Barão de Suassuí