Outra cena também capturou meu olhar. Se desta vez a protagonista não era nenhuma criança, a alegria era de uma menina feliz. Tratava-se da minha cunhada. Uma bela e elegante mulher. Aniversariante daquele dia. Dalú estava iluminada em seus trajes de praia. Seu rosto demonstrava esconder alguma travessura adolescente. Dito e feito. Pediu ao simpático garçom uma bebida à base de gim. Logo veio uma enorme taça decorada com rodelas de laranja e gelo. O conteúdo ficava ainda mais sofisticado com a bebida gasosa produzindo minúsculas borbulhas no vidro da taça. Eu olhava a bebida que nunca acabava. Não acabaria. Minha cunhada havia levado a garrafa de gim que ficara bem acondicionada dentro do carro e, a cada hora, um filho seu ou minha filha ia até o estacionamento e voltava trazendo a tal bebida de zimbro numa latinha de refrigerante. Aquela fora sua festa pessoal. Eram gargalhadas contagiantes. Conversas jogadas fora e nossa aniversariante se esbaldava na sua traquinice. A festa continuou até a noite com direito a jantar regado a variedade de peixes, vinho e bolo com “Parabéns pra você”. E, no dia seguinte, seria a vez de outro aniversariante. Samuel, o outro sobrinho-neto, estaria fazendo oito anos. Muita festa para tão poucos dias naquele paraíso ecológico.
Meu irmão já havia planejado nossos passeios. Um deles seria a travessia por lanchas no canal marítimo entre a ilha de Cananeia e a Ilha do Cardoso. Havia me informado que esta última tem seu mapa lembrando o mapa do Brasil. Mais tarde ganharia um panfleto onde pude constatar a semelhança. Ali está localizado o Núcleo Perequê e toda área marítima é chamada de Santuário dos golfinhos. Vimos muitos deles saltitando bem perto de nós. Segundo explicações científicas ali teria alimentos fáceis para os filhotes e eles estariam protegidos dos grandes predadores. Toda a área faz parte de reservas ecológicas da Mata Atlântica e o guia, que nos fez lembrar indígenas, mostrava-se muito orgulhoso de nos apresentar seus espaços preservados, seus projetos e estudos do boto-cinza como são chamados os golfinhos. Ouvi dele e de outros guias que aquela imensidão de canais de água salgada constitui a maior área “marítima abrigada” preservada de todo mundo. Só no depois é que iria entender tratar-se de águas marítimas protegidas por ilhas, não a mar aberto. A importância de tal nomenclatura também está nas embarcações o que, até então, não havia entendido.
Pois bem, apesar do sol e do intenso calor não declinei do desejo de fazer a trilha do Manguezal e Mirantes, tudo bem cuidado e protegido. No meio das restingas de areias brancas escaldantes deparamos com um engenhoso sistema de captação de energia solar. O guia nos informou então que, o “Programa Luz para Todos” do governo federal conseguiu levar energia para todos os moradores da ilha trazendo conforto e possibilitando guardar os pescados para serem vendidos na cidade de Cananeia. E mais adiante fomos surpreendidos com uma moderníssima instalação para duzentos pesquisadores e estudantes das universidades federais do Brasil. Moradias, refeitórios, centros de pesquisas, museu arqueológico e um pequeno anfiteatro. Sempre nestes momentos meu coração bate mais acelerado. Ver tudo aquilo numa ilha quase deserta. O cuidado com o meio ambiente. Pesquisadores. Tudo ao lado de poucos moradores, incluindo comunidades caiçaras, vivendo harmoniosamente com o meio ambiente em extrativismo sustentável. Caminhamos por uma passarela cuidadosamente feita de madeira por sobre o manguezal onde os caranguejos ficavam chafurdando na mistura cinza escuro de água e material orgânico. Paramos para vê-los soltando borbulhas e caminhando na peculiar lentidão. Observei que, apesar de eles saírem daquela lama, saem limpos e brilhantes. Alguns com vermelhos vibrantes. Mais uma pequena caminhada na trilha e sentimos o frescor da Mata Atlântica. Entramos para ver o museu de antropologia, com esqueletos de golfinhos, outros peixes e tartarugas marinhas, utensílios usados pelos povos que ali viveram há cinco mil anos- os sambaquis - e a história da formação daquele parque estadual.
E chegou a hora de voltarmos para nossa pousada na ilha de Cananeia. Pegamos as lanchas previamente contratadas – tudo organizado de acordo com os protocolos da marinha e dos regulamentos do parque da ilha do Cardoso. O número de turistas é limitado como mais uma forma de proteger todo o parque ecológico. Foi aqui que fiquei atenta para não perder nem uma palavra do piloto. José aproximou de uma ponta de praia e nos pediu que olhássemos à direita. “Ali é a ponta mais sul da ilha Comprida” e nos ensinou como chegar, por terra, até ali. "Depois que atravessar a balsa vire a segunda rua a esquerda, vocês vão encontrar um restaurante. Peguem uma trilha e vão deparar nessa praia".
Entretanto não me lembrava de ter escutado a história do padroeiro da cidade, São João Batista, também contada por José. Mas no dia seguinte, querendo conhecer o centro histórico da cidade bem defronte à igreja, minha cunhada me repetiu a lenda de que São João Batista, pela manhã aparecia no altar com "os pezinhos" sujos de areia. Teria ido proteger os pescadores durante a noite.
Fotografias: Grupo de WhatsApp dos viajantes