quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Crônica: Cananeia II - Ilha do Cardoso

 



Acompanhei cada passinho do viajante mais novo assim que os pais o colocaram na areia molhada junto ao mar. Foi uma verdadeira epifania.

O menino correu em direção ao mar como se fosse uma tartaruguinha recém saída da casca do ovo no local onde a sábia mãe tartaruga o colocou. Gabriel ia de encontro às águas e voltava com a maré lhe tocando os pezinhos. Seus movimentos eram suaves, divertidos e ousados para seu pequeno tamanho. E eu, como uma tia avó babona, aproveitei aquela cena com um olhar misto de atenção e curiosidade. E por ali ficou todo entregue às pequeninas ondas que lhe beijavam os pés. Não negou sua ascendência do elemento água. O irmão mais velho, também com nome de anjo, o acompanhava em todas as descobertas que iam sendo feitas e pronto para quaisquer eventualidades. E, com certeza, todos nós ali desfrutamos das cenas do mais novo peixinho do mar.

Outra cena também capturou meu olhar. Se desta vez a protagonista não era nenhuma criança, a alegria era de uma menina feliz. Tratava-se da minha cunhada. Uma bela e elegante mulher. Aniversariante daquele dia. Dalú estava iluminada em seus trajes de praia. Seu rosto demonstrava esconder alguma travessura adolescente. Dito e feito. Pediu ao simpático garçom uma bebida à base de gim. Logo veio uma enorme taça decorada com rodelas de laranja e gelo. O conteúdo ficava ainda mais sofisticado com a bebida gasosa produzindo minúsculas borbulhas no vidro da taça. Eu olhava a bebida que nunca acabava. Não acabaria. Minha cunhada havia levado a garrafa de gim que ficara bem acondicionada dentro do carro e, a cada hora, um filho seu ou minha filha ia até o estacionamento e voltava trazendo a tal bebida de zimbro numa latinha de refrigerante. Aquela fora sua festa pessoal. Eram gargalhadas contagiantes. Conversas jogadas fora e nossa aniversariante se esbaldava na sua traquinice. A festa continuou até a noite com direito a jantar regado a variedade de peixes, vinho e bolo com “Parabéns pra você”. E, no dia seguinte, seria a vez de outro aniversariante. Samuel, o outro sobrinho-neto, estaria fazendo oito anos. Muita festa para tão poucos dias naquele paraíso ecológico.


Meu irmão já havia planejado nossos passeios. Um deles seria a travessia por lanchas no canal marítimo entre a ilha de Cananeia e a Ilha do Cardoso. Havia me informado que esta última tem seu mapa lembrando o mapa do Brasil. Mais tarde ganharia um panfleto onde pude constatar a semelhança. Ali está localizado o Núcleo Perequê e toda área marítima é chamada de Santuário dos golfinhos. Vimos muitos deles saltitando bem perto de nós. Segundo explicações científicas ali teria alimentos fáceis para os filhotes e eles estariam protegidos dos grandes predadores. Toda a área faz parte de reservas ecológicas da Mata Atlântica e o guia, que nos fez lembrar indígenas, mostrava-se muito orgulhoso de nos apresentar seus espaços preservados, seus projetos e estudos do boto-cinza como são chamados os golfinhos. Ouvi dele e de outros guias que aquela imensidão de canais de água salgada constitui a maior área “marítima abrigada” preservada de todo mundo. Só no depois é que iria entender tratar-se de águas marítimas protegidas por ilhas, não a mar aberto. A importância de tal nomenclatura também está nas embarcações o que, até então, não havia entendido.

Pois bem, apesar do sol e do intenso calor não declinei do desejo de fazer a trilha do Manguezal e Mirantes, tudo bem cuidado e protegido. No meio das restingas de areias brancas escaldantes deparamos com um engenhoso sistema de captação de energia solar. O guia nos informou então que, o “Programa Luz para Todos” do governo federal conseguiu levar energia para todos os moradores da ilha trazendo conforto e possibilitando guardar os pescados para serem vendidos na cidade de Cananeia. E mais adiante fomos surpreendidos com uma moderníssima instalação para duzentos pesquisadores e estudantes das universidades federais do Brasil. Moradias, refeitórios, centros de pesquisas, museu arqueológico e um pequeno anfiteatro. Sempre nestes momentos meu coração bate mais acelerado. Ver tudo aquilo numa ilha quase deserta. O cuidado com o meio ambiente. Pesquisadores. Tudo ao lado de poucos moradores, incluindo comunidades caiçaras, vivendo harmoniosamente com o meio ambiente em extrativismo sustentável. Caminhamos por uma passarela cuidadosamente feita de madeira por sobre o manguezal onde os caranguejos ficavam chafurdando na mistura cinza escuro de água e material orgânico. Paramos para vê-los soltando borbulhas e caminhando na peculiar lentidão. Observei que, apesar de eles saírem daquela lama, saem limpos e brilhantes. Alguns com vermelhos vibrantes. Mais uma pequena caminhada na trilha e sentimos o frescor da Mata Atlântica. Entramos para ver o museu de antropologia, com esqueletos de golfinhos, outros peixes e tartarugas marinhas, utensílios usados pelos povos que ali viveram há cinco mil anos- os sambaquis - e a história da formação daquele parque estadual.

Além dos muitos quilômetros de praias desertas há por ali rios e cachoeiras. Infelizmente não consegui chegar até a voz do riacho de águas escuras cristalinas. O cansaço e o calor me fizeram dar meia volta para o quiosque onde se encontrava a turma restante. Minha filha sempre ao meu lado a me amparar caso fosse necessário. Entrei no mar de águas mornas protegidas das marés com blusas UV, viseira e muito filtro solar. Ali não havia como furar ondas mergulhando sob elas. No dia anterior eu já havia furando muitas delas. Como nosso pequeno anjo Gabriel também sou do elemento água. Acho que já nasci nadando.

E chegou a hora de voltarmos para nossa pousada na ilha de Cananeia. Pegamos as lanchas previamente contratadas – tudo organizado de acordo com os protocolos da marinha e dos regulamentos do parque da ilha do Cardoso. O número de turistas é limitado como mais uma forma de proteger todo o parque ecológico. Foi aqui que fiquei atenta para não perder nem uma palavra do piloto. José aproximou de uma ponta de praia e nos pediu que olhássemos à direita. “Ali é a ponta mais sul da ilha Comprida” e nos ensinou como chegar, por terra, até ali. "Depois que atravessar a balsa vire a segunda rua a esquerda, vocês vão encontrar um restaurante. Peguem uma trilha e vão deparar nessa praia". 

Guardei a explicação. Gostaria muito de fazer tal caminhada e explorar mais uma praia deserta. Outra hora nosso piloto-guia parou a lancha suavemente para assistirmos ao espetáculo dos golfinhos saltitantes. 

Virou e nos apontou a extrema esquerda, na ilha de Cananeia. “Ali naquela casa velha foi construída a primeira fundição de ferro do Brasil. Hoje é um museu”. E muito entusiasmado continuou: “Minha mãe foi a única parteira de Cananeia por muitos anos. Ela está viva com 104 anos.” “Agora olhem ali aquela casa de dois andares no meio da mata, logo adiante da fundição. Aquela casa tem o mesmo tanto de altura para baixo. Ali tem um túnel de quatrocentos metros até a baia. Era a casa do Martim Afonso de Souza que conheceu a índia ‘Caen’ e se apaixonou por ela ficando por aquelas terras onde passou a chama-la de Cananeia em homenagem à sua amada.” E nosso piloto continuava suas explicações sobre possíveis ataques de piratas quando, através de túneis e mirantes de observação eram dadas mensagens para a defesa da ilha de Cananeia. (*). Verdades ou mitos não interessa. O importante foi a simpatia do nosso piloto.

Entretanto não me lembrava de ter escutado a história do padroeiro da cidade, São João Batista, também contada por José. Mas no dia seguinte, querendo conhecer o centro histórico da cidade bem defronte à igreja, minha cunhada me repetiu a lenda de que São João Batista, pela manhã aparecia no altar com "os pezinhos" sujos de areia. Teria ido proteger os pescadores durante a noite.





                                                     
                                                   Noite de lua cheia no canal que liga as ilhas de Cananeia e Comprida



Estrela do mar de cinco pontas. Planta rasteira na restinga.



A bebida servida no Juras Quiosque - Ilha Comprida








Por do sol fotografada na pousada Costa Azul- Cananeia



Esqueleto de um golfinho no centro de estudos do Núcleo Pequerê

                                                 
                                                         Dalu, aniversariante do dia

                       
           Lua cheia fotografada da balsa durante uma das travessias.


Fotografias: Grupo de WhatsApp dos viajantes

 
(*)Fundada em 12 de agosto de 1531 por Martim Afonso de Souza, Cananeia é a primeira cidade do Brasil. A história desse município por onde passava a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas que dividia o mundo entre Portugal e Espanha, é recheada de muitas lendas de piratas, tesouros enterrados e batalhas.

(https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/visite-cananeia-a-primeira-cidade-brasileira/#:~:text=Fundada%20em%2012%20de%20agosto,piratas%2C%20tesouros%20enterrado)



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