quinta-feira, 27 de abril de 2017

Carta de amor II

Meu nem tão caro amigo,

há alguns dias venho lembrando de você.

Por onde andará aquele que não criou raízes? Como estará o homem que se fazia dono de si e de seus desejos? Como estará aquele homem que sempre se manteve ocupado para não se preocupar com os seus?

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Viagem na flauta



   Peguei carona
   no som da flauta,
   Viajei nos seus acordes
   e virei menina outra vez.
   Vi meu pai
   tocando sua flauta de madeira e aço.
   "Tico-tico no fubá" ficou ali
   ouvindo a música.
   Ah! Como éramos felizes.
   Então, no fio do dó,
   balancei de volta
   Pra este tempo de agora.
       Ai que dó!

  12/04/2017

quarta-feira, 12 de abril de 2017

1000 Seguidores

    É com muita alegria que informo aos meus leitores que hoje, dia 12/04/2017, atingiu-se o número de MIL seguidores destes CONTOS DE RIVELLI. 
   
   Obrigada a todos e todas que tem lido minhas histórias.
  
   Vocês fazem parte do meu trabalho.
                   
           Maria do Rosário Nogueira Rivelli

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Dora, seu pai e o outono de suas vidas




   Dora, como sempre fora chamada, nascera quinta filha de um fazendeiro em decadência, o que não a intimidara de levar sua vida entre gentilezas e riquezas. Ainda muito jovem descobrira os dons das costuras, dos bordados, dos belos arranjos florais, das asas e coroas para os anjos e virgens das coroações à Virgem Maria, no mês consagrado a Ela, maio.

   Sempre havia disputas entre as mães pelos adornos mais bem feitos e aos pais cabiam as compras na capital dos organdis, fitas de cetim, flores de cera, e até mesmo a matança das patas e gansos para a retirada das penas - trabalho cruel mas com finalidade nobre e o perdão já vinha embutido - tudo para que as pequenas filhas alimentassem suas vaidades.

   Outra disputa que começara a acontecer pelos arredores, tão logo Dora completara seus quinze anos, fora pela mão da artista. E aumentara com os dons descobertos. Vários fazendeiros viam nela a nora perfeita. Temente a Deus. Educada. Boa filha. Entretanto ninguém entendia o que se passava na cabeça da jovem que não se interessava pelas coisas do amor sobre a Terra. Nenhum namorico. Nenhuma extravagância. Nenhum noivado.

   Os pais, preocupados com o desfeiteio da filha por seus pretendentes, decidiram ter uma conversa com ponto final. A filha deveria escolher um noivo e já marcar o noivado e o casamento. Então Dora, com a firmeza de suas mãos artesãs, comunicou a eles sua missão guardada em segredo durante vários meses. Há muito vinha pensando naquela decisão. Agora era a hora de comunicar aos pais. Dissera então que tinha resolvido entrar para uma irmandade de freiras e servir a Jesus Cristo como sua esposa. Faria parte de sua vida apenas a Sagrada Família.

   Fora nesta hora que tudo fez sentido para seus pais. Dora estava muito isolada nos últimos tempos. Rezava suas orações e lia a bíblia compulsivamente. Participava de quase todas as cerimonias religiosas e ajudava na limpeza e decoração da igreja. Sua arte agora seria parte de seu enxoval para o casamento com Cristo e a Igreja.

   A mãe aliviou-se diante do confessado. Já o pai ficara muito desgostoso e todas as suas desesperanças fizeram o coração amargar. Frustava-lhe a promessa de um casamento que pudesse salvar sua fazenda além de um bom marido para filha.

   Findadas as comoções do que ninguém sabia deram-se as arrumações para a partida de Dora que logo faria seus votos de castidade e obediência à amantíssima irmandade das enclausuradas em Cristo, na cidade de São João Del'Rei. Apenas os anjos e santos seriam seus companheiros pelo próximo ano.

   Era início do mês de abril quando Dora despedira de seus familiares. Somente seu pai a lhe acompanhar naquela que fora uma grande viagem no lombo de um cavalo. Descansariam duas ou três vezes pra dormir e aliviar os animais que também careciam de comer e beber. 


   Saíram no dia seguinte com a madrugada ainda a nascer. À neblina misturaram as lágrimas daquele pai marcado pela dor da constatada perda da filha. Sentia que seu corpo desfolhava como o outono. A partida com a filha lhe trouxera todo o jeito daquela estação. Ventanias, folhas ao chão, um descolorido cobrindo tudo e, no final, o prelúdio do inferno de sua própria vida.

   Nos caminhos a filha cobrira a face com um véu branco em respeito a seu pai e a todos os homens que, por ventura, viessem lhes cruzar nas trilhas.

   O silêncio entre eles dizia mais que quaisquer palavras e feria os corações de ambos.

   Chegaram no entardecer do terceiro dia. Dora já era esperada e entrou no convento sem olhar para trás. Ao pai coube a certeza de que não a veria outra vez.


   Na volta, parou numa venda na beira da estrada. Pediu um café forte. Mirou o nada e pensou que aquilo não era coisa de passar um pai. Chorou por longos trotes. Amarrado à sua égua vinha o cavalo da filha de cabeça baixa a adivinhar o desfecho de tudo.

   De novo a dor no peito desatinou o homem. Blasfemou contra Jesus Cristo. "Não é direito entregar uma filha para não se ver nunca mais!"

   E nunca mais aquele homem apareceu de volta em casa.

   Enviuvou a mãe de Dora e casou com a natureza.


02/04/2017