sábado, 28 de agosto de 2021

Crônica: As peripécias da Vovó em sua viagem.

 (Delicadezas em tempos de Coronavíurus- LVII)






O aniversário da “menor filha”, como ela se referia à filha mais nova, estava chegando e ela ainda não decidira ir ou não ao interior do estado de São Paulo para abraçar a “menina”.

- "Em trem que avoa e afunda eu não vou", era ela argumentando e resmungando com a filha do meio que ficara encarregada de comprar as passagens. Na verdade, a vovó queria fazer uma surpresa para a filha. Embora um pouco receosa por viajar sozinha uma vez que vinha estando meio aperrengada.

- “Eu vou de ônibus leito. Vou dormindo.” Decidiu por fim. Sempre gostava de fazer suas viagens a noite.

Passagens compradas, arrumou sua mala, uma muda de roupas por dia. Um vestido bonito para abraçar a filha no dia de seus anos. E mais tudo que uma vovó precisa. Comprou um presente para a aniversariante, comprou os queijos que o irmão tanto gosta, ajeitou sua bolsinha de viagem e lá se foi a idosa.

O filho mais velho levou-a à rodoviária, o netinho foi junto, a filha do meio também, afinal a mãe não andando bem de saúde, os cuidados e carinho se faziam necessários.

Toda empoderada e empoleirada e a vovó tremeu nas pernas ao entrar naquele “Cometa” gigante. Procurou sua poltrona-leito número 61. A referida já estava ocupada por outra idosa tão desorientada quanto a nossa vovó. Um gentil jovem sentado ao lado se ofereceu para “dar uma olhadinha na passagem” quando a filha desta última, preocupada também com a mãe nessas viagens, entrou no apertado corredor e consertou o engano.

Vovó entrou, não sem alguma dificuldade, sentou ao lado do jovem que logo ajeitou uma parte da poltrona que estava acoplada na traseira da poltrona da frente. Manobra feita e sua poltrona transformou-se numa cama. Vovó só olhava. 
“Então é pra isto que esse negócio servia?” Lembrou da última vez que fez a mesma viagem naqueles ônibus cor de rosa, gigantes também, chamados Buser, que para ela pareciam coisas da boneca Barbie.

Naquela viagem, com passagens mais baratas, havia comentado, indignada com as filhas, que as poltronas eram convencionais e suas pernas ficaram dependuradas, um verdadeiro sacrifício para ela, uma vez que só havia um “escorregador” para apoiá-las. Agora descobriu que “aquele escorregador” exigia uma técnica para se transformar numa poltrona-leito. 

A seguir, resignada, deitada e aconchegada ao travesseiro oferecido junto com uma manta, lá se foi ela.

Mas a vovó nem esperou descer a serra de Igarapé. Dormiu antes. Já havia avisado ao jovem companheiro que, caso roncasse, era para acordá-la. Ele só apontou para seu fone devidamente colocado nos seus ouvidos. E um sorriso dele aliviou a culpa antecipada pelos possíveis e indecentes roncos.

Não acordou na primeira parada. Aquela bem chique e modernosa, na cidade de Oliveira, no sul das Minas Gerais. Mas um despertador infalível acordou-a mais a frente. Sua bexiga. O terrível incômodo do líquido amarelado ultrapassando a capacidade volumétrica da bexiga junto à flacidez dos músculos perineais, deixaram nossa vovó acordada e inquieta. "Ainda bem que não existem quebra-molas nesta Fernão Dias senão vou sentir o líquido morno escorrendo por entre minhas pernas." Era ela confabulando consigo mesma. 

Mas, heroicamente, ela suportou até a próxima e última parada. Aquela nada chique nem modernosa. Mas ela nem se importou. Eram meros detalhes para esvaziar sua bexiga. Ainda meio dormindo desceu tateando as poltronas no escuro. Ao sair tentou ler a placa do gigante para não entrar em ônibus errado. Foi ao banheiro. Só então percebeu que havia trazido a enorme manta da poltrona-leito. “E agora?” Pensou ela e continuou: “Como fazer xixi, segurar a bolsa, seu lindo cachecol e o cobertor?”

“Será quando as mulheres arquitetas começarão a desenhar toilettes, cozinhas e quartos? Nunca vi um banheiro decente. Nunca existem cabides e outros confortos indispensáveis para um banheiro feminino? Quiça para homens também”

Mas ela se arranjou. Saiu e quis fazer um lanche. Olhou a lanchonete. Nada lhe seduzia. Entretanto, como boa mineira, optou por café com leite e pão de queijo. Então observou a lanchonete vazia e deu jeito de terminar seu lanche. Ao voltar para o ônibus se perdeu. Não lembrava o número da placa lido ainda sem acordar. Apenas um gigante encostado na plataforma. Belo Horizonte – Campinas eram as letras iluminadas.

“Perdi meu ônibus.” Nem exasperou. Talvez ainda estivesse dormindo. Viu o motorista aproximando. Com sua surdez crescente e a máscara inviabilizando a leitura labial, teve grandes dificuldades para perguntar e ouvir a resposta. Mas, de alguma forma, entendeu ser aquele “seu ônibus”. Entrou catando cavacos. Ajeitou-se. Adormeceu novamente. Acordou na rodoviária da cidade de Sandy e Junior. Vovó gostava muito daquela dupla de irmãos embora preferisse a dupla mais velha dos irmãos, Chitãozinho e Xororó. Ali desceram quase todos os passageiros. Inclusive o jovem do seu lado. Agora podia roncar à vontade. 

Acordou na simpática e exuberante Sorocaba, seu destino dentro daquele turbo.

Arrastou sua mala até a sala de desembarque e logo a “menor filha” ligou. Estava ali com o tio. Foi uma alegria danada. Rever a filha tão longe, no dia de seu aniversário, teria sido o maior presente para si mesma. 

Itapetininga seria seu destino final. Totalmente confortável e muito bem acompanhada. Sabemos que a Vovó adora o seu irmão, sua cunhada, seus sobrinhos e a cidade onde escolheram para viver.

Tendo a certeza de que virara uma idosa de verdade, nossa vovó já pensava na volta, na bexiga cheia, nos roncos apavorantes e nas tantas viagens que ainda desejava fazer.

Entretanto, quando estivesse de volta para casa, seria a hora de restabelecer à sua rotina. Há que se dizer que ela se sente muito bem no seu dia a dia. E ficar em casa com seus livros, com seus pensamentos e com suas estrelas tem sido sua grande viagem.



Nascer do sol em Itapetininga







                                       Por do sol em Itapetininga



Fotografias:  Cristiane Vilhena (aberura)
                              Alda Lúcia Carvalho Rivelli (final)



28/08/2021





sexta-feira, 27 de agosto de 2021

A foto do ex-presidente Lula

 (Delicadezas em tempos de Coronavírus - LVI)


Esta semana a foto do ex-presidente Lula com sua atual companheira, Janja, em noite de lua cheia, chamou atenção dos internautas por diversos motivos. Fiquei ao lado daqueles comentários que exaltaram sua jovialidade, delicadeza e sensualidade. Ignorei os demais.


Na manhã seguinte o celular me despertou de uma sonho quase real. Eu estava sendo abraçada por um homem tal e qual Lula. Foi muito bom.

Viva a sensualidade dos homens e mulheres que tem ideais de justiça social, de uma nação soberana e de um povo sem miséria.

26/08/2021

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Lançamento virtual "Olhares Clínicos"

 






Em tempos de destemperanças, é preciso bordar poesias.

Gostaria de apresentar nosso livro, “Olhares Clínicos”, uma coletânea dos escritos de sete colegas que se reencontraram depois de trinta anos de formados e se identificaram na literatura e no humanismo hipocrático da prática médica.

“Olhares Clínicos" traz aquilo que, de cada um, transborda da alma.

O livro foi lançado dia 18 de outubro de 2019 em Juiz de Fora, cidade onde o grupo se formou pela UFJF em 1981. A seguir, seria lançado nas cidades onde cada colega escritor reside atualmente. Entretanto a chegada da Pandemia inviabilizou nosso projeto. 

Hoje ouso lançá-lo virtualmente. Informo que o valor arrecadado será doado para a Casa dos Amigos São Vicente de Paula, na pequena cidade de Brás Pires (MG), conforme decidido pelos autores.

Valor (incluindo frete): *R$40,00*.

Quem se interessar pelo livro, entrar em contato comigo no particular, com mensagem de texto, pelo WhatsApp:  (31) 996126423

 Maria do Rosário Rivelli

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Primeira Oficina de Agosto

 


                     


Primeira oficina de agosto 2021

Abertura: Você teme o mês de agosto? Sim. Não. Por quê?

Resposta: Não temo o mês de agosto. Ao contrário, amo este mês tão cheio de mistérios e enigmas. Tudo nele vem montado nos ventos. Às vezes os ventos, apaixonados pelas brisas, nos trazem sussurros de amores.


Alongamento -1


Os Moinhos de vento sempre me encantaram. A descoberta da energia produzida por eles trouxe grandes benefícios para a humanidade. A misteriosa força dos ventos que os povos dos países baixos transformaram em sobrevivência contra as impiedosas marés do norte.

Entretanto é em Dom Quixote onde mais me inspiro nos "seus moinhos de vento". Ao enfrentá-los como seus inimigos internos, Dom Quixote, na verdade mata os horrores dilacerantes efetuados pelo amor à Dulcineia.

Sou como os ventos. Ora eles me destroem com sua fúria, ora eles me trazem vida com suas sementes.


Alongamento - 2
As cortinas de seda sempre enfeitaram as casas das madames. Eu adorava entrar naquelas casas para montar nos ventos e descobrir todos os segredos daquelas casas.


Alongamento - 3

Soltar papagaios sempre foi coisas de meninos. Meninas decentes não podiam fazer aquilo. Era prazer demais para uma menina que iria virar mulher. Então ela ficava vendo os papagaios nos ares do desbarrancado e sonhava com as mãos dos meninos bulinando as linhas do seu corpo.



Alongamento – 4


Ventos de agosto

O meu primeiro amor o vento levou. O vento levou o meu primeiro amor. Desde então viajo nos redemoinhos a procura dele. Um tal vento leste me disse que ele montou numa nuvem e foi para os Andes. Lá ele vivia brincando nas águas altas e geladas do lago Titicaca. Outro vento me segredou que, desiludido na vida, ele foi viver com os maoris numa exuberante ilha da Nova Zelândia. E hoje ele vive nas selvas com uma mulher encantadora de baleias.

Continuo procurando o meu primeiro amor. Agora menos que antes. Nos meses de agosto fico atenta. Vai que um vento forte me pegue desatenta e me leva prá lá. Não quero ver meu amor assim bem casado.

Outro dia. Ainda em agosto, tive o desgosto de saber que ele virou pai. Nasceu uma menina. Meu amor, disseram, endoideceu. A menina tinha os meus olhos e a minha pele. Acabaram me contando que ele entrou nos olhos dela. Perdeu-se de vez no olhar.

Atualmente ele vive pedindo aos deuses das matas neozelandesas que o transformem numa tempestade marítima e o devolvam para o seu primeiro amor.
Estou a esperar.


Maria do Rosário Nogueira Rivelli

15/08/2021

Observação: Sempre em gratidão com o poeta 
Ronald Claver, meu mestre das escritas.