sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Primeira oficina de setembro de 2023

                                                 Flor do meio dia

ALONGAMENTO: Manoel Bandeira

Manoel Bandeira e eu

Se me deixas aqui

Daqui não saio

Faço versos como quem chora

E só os anjos me compreendem

Eu faço versos como quem morre

Duplico minhas incompreensões

Minh’alma sofre do imenso passado



Já me tomei alegria

Hoje tomo tristeza

Estou fora de mim

Não consigo me amar

Sinto as coisas mais simples

Para delas extrair minha vida

Então,

descando meus olhos de cores índicos

e sonho.



ALONGAMENTO- 2

Vou-me para o Guarujá

Vou-me embora do Ingá

Lá dancei sobre o luar nas Estampas de Eucalol

Lá contemplei a noite no terreiro abandonado



Vou-me embora do Ingá

lá conheci o rei

Ele me desejava tão só

enquanto sua fêmea

Eu queria mais

queria ser sua mulher

Queria olhares indecentes

E palavras escandalosas



Vou-me embora do Ingá

Lá meu rei bebe demais

Meu rei não me vê

nem me chama de sua rainha



Vou-me embora prá Guarujá

Lá tenho todos os amores

Lá sou sultana das terras de ouro

E os filhos que Deus me deu

Eu os tenho lá






ALONGAMENTO – 3
Caio
Nunca tinha ouvido esse nome até aparecer um personagem na novela Selva de Pedras, chamado Caio Vilhena, no ano de 1972. Obvio que me apaixonei por eles, tanto o mocinho quanto o galã, Carlos Eduardo Dolabela. Vai daí então que ganhei um filhote de cachorrinho da raça pudor. Eu nem sabia que cachorros tinham raças. Foi paixão à primeira vista. Eu, uma adolescente solitária, e Caio veio pra ser meu amigo e confidente.
Numa volta da escola, na hora do almoço, Caio não foi me esperar conforme fazia todos os dias. Entrei em casa e fui logo entendendo. Minha mãe, que não gostava de cachorros, deu um sumiço nele alegando que eu não cuidava dele como deveria. Uma mistura de ódio e tristeza me levou a isolar ainda mais.
Não sei se perdoei minha mãe por isto, mas nunca deixei de amá-la.


ALONGAMENTO – 4

Ele a convidou para uma palestra na casa de oração espírita onde falaria sobre a “Boa Samaritana”. Ela aceitou o convite pelos olhares dele. Ele não falou. Errou a data de sua fala. Seria noutra semana. Depois a convidou para uma pizza. Lá se foram eles. Ele de alma. Ela de corpo. Ele, provavelmente, só pensando na Boa Samaritana. Ela incorporada de Maria Madalena.

No final da noite ele a deixou em casa. Foi dormir com a alma samaritana. Ela ficou acordada com seu corpo afogueado de Maria Madalena, nada arrependida.

Maria do Rosário Nogueira Rivelli

Invercargil, Nova Zelândia


                             
                    Milford Sounds (Nova Zelândia)


Comentários do mestre, Ronald Claver

"Rosário, boa tarde ou boa noite? Não sei, esta mania sua de dar volta ao mundo dá nisso. Lá e cá , cá e lá.


O importante que a escrita continua fiel e ferina, humorada e sensual. Toma um gole de versos do Bandeira, toma um pouco da tristeza, mas a alegria das palavras fala mais e mais da arte de tecer um texto. Bem humorado o poema tem a cara da autora nas palavras do poeta.


Vou me embora do Ingá e para o Guarujá (até rimou) também uma paródia gostosa de apreciar e delirar. Um pouco de tudo: ironia, humor, sabedoria de quem tem o baralho das palavas.


Caio, caio. Cachorro é um amor que se dá sem pedir. Torna-se irmão, um amor só. E a falta dele faz um vazio danado. A gente o vê por toda a casa, mas cadê ele? Foi-se como um amor eterno, acho que sim, muito bonito e comovente.


Não poderia faltar a Madalena, o desejo, o querer, o sexo, o amor total. Samaritana que nada, delírios de amor não faltam e nem podem faltar. Continue escrevendo ágil e bem humorada e aproveite o outro lado da lua, é lá que você está, bjs


Ronald Claver"

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Crônica: Dentro de uma montanha gelada.

                           



Até que enfim estou visitando meu netinho na Nova Zelândia. Por aqui, meu filho e minha nora prepararam algumas viagens surpresas para mim. Neste final de semana fomos à cidade de Te Anau, distante cento e cinquenta quilômetros de Invercargill onde eles moram, bem ao sul da Ilha Sul.

Saímos na noite de sexta-feira e ficamos hospedados em casa de pais de amigos. Logo ao amanhecer, abrimos as cortinas do quarto e nos deparamos com uma visão deslumbrante. Um jardim sobre uma vegetação rasteira bem cuidada; a estrada de acesso à casa que fica fora da cidade; um lago, mais parecendo um braço do mar, que balançava suas águas ao vento e, lá no fundo, as montanhas nevadas.

Neste instante engoli seco, parei os olhos e fui para dentro de mim. Eu, que já havia namorado tantas imagens daqui, jamais pensava vê-las tão de perto. Certamente que, chorona como eu sou, as águas dos meus olhos se misturaram àquelas águas geladas do lago.

O casal que nos recebeu, apesar de não falar português assim como eu não os entendia em inglês, foi muito gentil e nos deixou a vontade naquela casa enorme em estilo casa de campo inglesa.

Ainda pela manhã fomos para o passeio previsto para o sábado. Dirigimos até a margem daquele que eu pensava ser um outro lago. Esperamos alguns minutos e entramos num iate com sua maioria de turistas asiáticos. O vento forte jogava o iate de um lado para outro num balanço delicioso. Estávamos no Lago Te Anau que fica no “canto sudoeste da Ilha Sul da Nova Zelândia. O lago cobre uma área de 344 km², tornando-se o segundo maior lago em área de superfície da Nova Zelândia e o maior da Ilha Sul. É o segundo maior lago da Australásia em volume de água doce”. Wikipedia (inglês). É um lago permanente, “abastecido” pelas águas geladas que descem das montanhas.

Chegamos ao nosso destino, uma caverna seguindo um rio subterrâneo, que desce em estrondosas cachoeiras por debaixo dos nossos pés. Cada grupo de dez pessoas era acompanhado por um guia que ia dando as orientações e explicações. Em alguns pontos, logo à entrada, quase nos agachávamos ao chão porque o teto ficava bem baixo. Continuamos subindo por debaixo de um teto gelado nas nossas cabeças e por cima de um rio caudaloso, gelado e barulhento.

Enfim chegamos ao fim. Assim eu pensava além do medo daquilo desabar sobre nós. Engano dos meus pensamentos. Apareceu da escuridão um pequeno bote e dele desceram outro grupo. Agora era a nossa vez de entrar naquela canoa e descer ao "Hades". “OH! My God”, suspirava eu em inglês para ver se era atendida no meu medo. Por toda a caverna não poderíamos fotografar por questões de segurança e ali também não poderíamos falar. Tínhamos que ficar sentados com as mãos nos joelhos. O bote era puxado por cordas e o “nosso Virgílio” fazia tudo no escuro. Meu filho a todo instante me acariciava as costas. Em determinado momento senti a mão da minha da nora segurando a minha. Um alívio.

Eis que, na escuridão de noites sem lua, apareceram milhões de estrelas em nossa volta. Ali eu vi mais que as Três Marias, vi todas as Marias, vi as constelações de câncer, de escorpião, vi toda a via láctea e todas as vias que, por ventura, existem no universo. A visão é inimaginável naquele lugar. Um céu escondido, naquele rio gelado, dentro de uma montanha gelada.

Pois bem, trata-se dos vermes luminosos, que dão nome àquela caverna "Te Anau Glowworm". São filamentos transparentes, “uma baba” como explicou meu filho, que como teias de aranhas servem para capturar outros insetos para se alimentarem. A ponta destes finíssimos filamentos são biofluorescentes dando aspectos de pequeninas estrelas brilhando pelos tetos e paredes laterais. Estes
 tais “Glowworm” bioluminescentes só existem na Nova Zelândia e já foram catalogados na escala zoológica como “Arachnocampa luminosa”. Navegamos sob as estrelas dentro de um barco onde não podíamos mexer além da batedeira dos nossos corações. Para mim esse percurso durou uma eternidade, com certeza.

Voltamos à úlitma plataforma onde eu havia pensado ser o fim. Agora iniciamos nossa descida até a entrada da caverna. Ali fomos recepcionados pelo grupo de guias com vídeos explicativos, muitos sorrisos curiosos e as perguntas do meu neto sobre o café. Mais uma surpresa quando nosso guia, ao ouvir nosso português, veio nos perguntar se éramos de Portugal, sorriu quando falamos que éramos brasileiros e nos disse, já em espanhol, que era chileno. Senti que estávamos em casa.

Voltamos para o iate bailando sobre o lago e os ventos cortando na carne, então perguntei para o meu neto o que mais o  impressionou naquele passeio, a que ele respondeu sem titubear “a minha coragem, vovó”. Mal sabe ele que, além dos vermes babentos luminosos estelares, o que mais me impressionou foi minha coragem também.

18/09/2023

OBSERVAÇOES:
1 - Lamentavelmente a surpresa que preparam para mim no domingo foi cancelada por motivos de segurança, pois havia tido uma avalanche que obstruiu a estrada. Ainda não sei do que se trata. Aguardarei)

2 - Agradeço a gentileza da Sabrina, mãe da linda Amora, recém conhecidas na cidade de Invercargil, pelo envio da foto da montanha gelada. 

3 - Quem quiser viajar também por essa caverna, segue abaixo o link.

https://www.realnz.com/en/experiences/glowworm-caves/te-anau-glowworm-caves/

4 - Peço que assinem os comentários para eu saber quem os escreveu. Obrigada

As fotografias abaixo são do link acima













     
              "vermes babentos" que enchem a escuridão da caverna de estrelas





 Fotografia:arquivo pessoal

                                                Francisco, meu filho e eu


                                                       Francisco, Dani, Dudu e eu


Vista da casa dos amigos em Te Anau








terça-feira, 12 de setembro de 2023

Crônica: Recortes de uma trabalhadora em Saúde Mental Pública

Não me lembro da ordem em que os dois fatos aconteceram, porém lembro-me bem do tanto que os mesmos me tocaram.

Um deles foi-me relatado pelos colegas do plantão noturno do dia anterior ao meu plantão diurno semanal. Sempre gostava de chegar alguns minutos mais cedo para conversar com os colegas da enfermagem sobre os trabalhos da noite; era a famosa e necessária "passagem de pantão".

Contaram do jeito e do sentir deles, acerca de um jogador do Atlético, famoso naquele tempo, que havia ido visitar a mãe, internada naquela unidade hospitalar pública especializada em acolher para observação e tratamento as pessoas portadoras de sofrimentos mentais em crises agudas graves. Relataram eles que o tal atleta não poderia ir visitar a mãe durante o dia porque estava concentrado para um jogo do seu time. Nessa época eu trabalhava enquanto psiquiatra atendendo tanto aos quadros de urgências dos pacientes internados quanto os acolhimento de novos pacientes encaminhados pela rede pública de Saúde Mental de Minas Gerias. Era o que eu mais gostava de fazer naquele hospital.

A partir do relato do caso fiquei pensando naquele homem enorme e famoso ali, naquele hospital, pedindo permissão para ver sua mãe fora do horário de visitas. Segundo me contaram ele teria sido muito gentil no pedido. Embora tivesse sido reconhecido pelos trabalhadores torcedores do "gigante alvinegro", não fora esse o motivo da permissão. A direção do hospital naqueles bons tempos* deixava bastante esclarecido que cada paciente internado tinha suas peculiaridades e, portanto, cada um deles deveria ser atendido na sua singularidade. Portanto, nenhum trabalhador da enfermagem ou médico plantonista, deixaria de acatar o pedido de um filho para visitar sua mãe dados os esclarecimentos conforme foram dados.

Pois bem, aquele homem enorme, negro, simples e famoso pelo Brasil afora estava ali tentando ver sua mãe internada. Segundo disseram alguns colegas ele havia se mostrado bastante emocionado e carinhoso ao lado dela .

Li, recentemente, numa revista progressista, um excelente artigo desse ex-jogador, aposentado há algum tempo pelo futebol. Logo me lembrei do episódio ocorrido no hospital. Então, conforme me relataram, entendi todo sentimento que ele havia posto em ato no encontro com sua mãe.

O outro recorte aconteceu comigo durante outro plantão.

Fui chamada para mais um atendimento externo. Como sempre fazia, convidei o paciente para uma primeira entrevista, já tendo lido seus dados de identificação e as anotações da enfermagem no prontuário eletrônico aberto no monitor. Era seu primeiro atendimento naquele hospital. Logo no início da anamnese pude observar sua aparência bastante descuidada, apresentar-se muito envelhecido para sua idade, emagrecido e debilitado. Ele não conseguiu responder às perguntas feitas, não se lembrava de fatos importantes recentes ou antigos de sua vida. E quase não entendia o que eu perguntava.

Diante disse logo convidei o acompanhante para dar informações a respeito do paciente e assim me  ajudaria na elaboração de uma hipótese diangóstica. Ele entrou bastante solícito e ouviu minhas perguntas. Ali, ao lado, o paciente mantinha-se alheio a tudo.

Após anamnese com exame psicopatológico e pouca conversa informei ao acompanhante sobre minhas suspeitas acerca do quadro clínico-psiquiátrico e sobre a conduta exigida para o caso. Então, o acompanhante chorou copiosamente. Tratava-se de um homem preto, alto, do rosto arredondado, postura física elegante, vestido com simplicidade. Disse-me que lamentava muito sobre o acontecido com seu irmão, pois esteve distante por logos anos e não conviveu com seus irmãos. Abaixou a cabeça e continuou seu choro visivelmente melancóico.

Não sei em que momento reconheci aquele homem acompanhante. Só sei que se tratava de um grande artista mineiro. Eu o havia conhecido quando de sua apresentação na abertura de um congresso nacional de psiquiatria em Belo Horizonte. Havia gostado tanto que passei a indicar seus shows para todos ao meu redor. Fiquei deveras encantada por seus trabalhos e sua história de vida.

Agora estava ali, diante de mim, e chorava tal qual uma criança. Não lembro o que lhe disse após reconhecê-lo. Eu e minha boca destrambelhada, certamente, disseram o que não deviam naquele momento de tanta dor para ele.

Constatei que, diante de mim, estava tão só o menino preto, pobre, morador de periferia que, “para sobreviver”, teve que deixar os irmãos para trás.






           Meu irmão e filhos numa visita à Arena MRV em novembro de 2022

Fotografias gentilmente cedidas por um dos dois irmãos mais Atleticano da família.


(*) Nos relatos destes recortes não me propus discutir sobre a posição de uma unidade hospitalar psiquiátrica no âmbito da  Reforma Psiquiátrica no Brasil. Aqui minha intenção foi tão só relatar sobre dois momentos que me tocaram profundamente assim como tantos outros vividos durante meus quase quarenta anos como trabalhadora na rede de Saúde Mental Pública em Minas Gerais . 









segunda-feira, 11 de setembro de 2023

O ROUBO EM FIGUSGU - HISTÓRIA DE UMA GATA QUE FICOU TRAUMATIZADA




FÁBRICA DE SARDINHAS DE FIGUSGU

Como toda historia tem uma continuação eu apresento para vocês a continuação da aventura em Figusgu. Nesta cidade tem uma fábrica de enlatar sardinhas.

Vocês lembram dos gatos que estavam na moto com o Igui quando eles assaltaram o caminhão que transportava as latas de sardinha? 

Pois então, eles estão ansiosos para roubarem novamente a fábrica de sardinhas em Figusgu. Eles chegaram na fábrica, passaram pelos guardas e entraram na fábrica. Mal perceberam que uma gatinha caiu de uma prateleira diretamente na máquina de enlatar as sardinhas. 

O gato Igui viu aquele desastre e murmurou “que gata desastrada !” e caiu na risada. Depois pulou para socorrer sua amiguinha. Ele destroçou a latinha com uma garra e depois pegou a gatinha com a outra garra. 

Deu uma encarada nela e se perguntou: “isso é uma sardinha ou uma gatinha enlatada?” A seguir um dos gatos rolou no chão morrendo de rir. E rir foi seu último miado, pois desequilibrou , caiu dentro do congelador e morreu.

Depois disso Igui chamou seu chefe e relatou o “status” dos fatos.

Tudo deu certo, exceto que um dos gatos morreu e uma gatinha ficou fedendo como uma sardinha.

Autoria: Igui de la Mancha 
Revisão e edição: Maria do Rosário Rivelli
Data: 11/09/2023