terça-feira, 30 de julho de 2024

Crônica: Cuba - Parte 2

                                             


Antes de reiniciar minhas histórias em Cuba me lembrei de um fato que presenciei ainda dentro do avião no percurso de São Paulo a Lima. Como nosso voo era noturno e o cansaço já se fazia presente, dormi logo após a decolagem em direção ao Peru. Acordei no meio da noite e olhei pela janelinha do avião, ao meu lado esquerdo. Vi algo que eu não entendia. Eram vários e enormes quadrados, um dentro do outro, iluminados com luzes fortes e outras luzes, tão fortes quanto aquelas, próximas à visão dos quadrados. Na hora lembrei-me do meu neto e queria contar para ele o que eu havia visto. Diria assim: “Eu vi o céu lá embaixo. Ele estava muito estrelado e tinha uma gigante constelação quadrada e outras menores que pareciam a via láctea. Era maravilhoso aquele céu. Mas como eu ia ver o céu de cabeça para baixo?! Achei aquilo muito esquisito”. 

Eu não conseguia tirar meus olhos daquela imagem e só no depois foi que me dei conta que aquilo poderia ser a lendária e remota cidade de Cusco ou Machu Picchu que estão a mais de três mil metros acima do nível do mar. Jamais esquecerei aquela visão.

Pois bem, depois de publicar a parte 1 da minha viagem a Cuba, abri os mapas que trouxe de lá e continuei minha viagem pelos lugares por onde passei.

Nossos anfitriões brasileiros nos deram muitas sugestões de como andar pela ciudad vieja, onde comprar nossas lembrancinhas, onde poderíamos fazer nossas refeições e onde havia entradas gratuitas para museus e espaços de arte. Eles já haviam nos enviado arquivos com muitas informações sobre a região onde nos hospedaríamos e sobre tudo em torno.

- Vocês já foram à Rua O Bispo? É lá que se encontra a feira permanente para vocês fazerem suas compras.

Coloquei meu boné vermelho com a palavra LULA, para proteger meu rosto do escaldante sol do Caribe, e para lá nos dirigimos com nossa colega – multilínguas – a nos ajudar nas conversas com os cubanos. Ainda caminhando pelo Paseo de Martí (Prado) alguns expositores ou guias cubanos olhavam para meu boné, davam um sorriso e faziam o L com a mão, outros aventuravam e diziam, com sotaque espanhol, “Lula livre”.

Encontramos a rua que, na verdade, se chama Obispo e ela estava bem pertinho de nós. Centenas, ou milhares de turistas, andando de um lado para outro numa estreita rua havanesa com dezenas de lojinhas e feiras.

Mas, logo na esquina da referida rua demos de cara com uma livraria onde entrei ávida para encontrar um livro do poeta e libertador de Cuba, José Martí, pedido do meu editor escritor, poeta e jornalista de quem tanto gosto. Ali já me dei por satisfeita, nem precisava andar mais. Mas continuamos, as quatro mulheres, pela estreita rua Obispo. Meus olhos vagavam pela arquitetura dos casarões, pelas placas indicativas de escolas, prédios do governo, restaurantes e pelos tantos turistas que disputavam os espaços.

Depois do almoço eu queria encontrar e caminhar pelo Malecón, definido assim por Leonardo Padura : “O Malecón de Havana é um parapeito de blocos de cimento e concreto aramado que corre pela margem norte da cidade, de frente para a corrente quente do golfo do México...” (1) e ele continua a descrevê-lo em várias partes de seu livro, com muita nostalgia dessa barreira física da cidade. E nós caminhamos, no final da tarde, pelo Malecón onde várias famílias com suas crianças, casais de namorados, alguns aventureiros pescadores, transitavam serenamente. Nesse instante meu sentimento foi de plenitude. Parecia que eu pertencia àquele lugar, em meio a tanta água. Mais tarde percebi que “nosso apartamento” estava bem perto do Malecón.

- Amanhã vocês irão para Viñales, uma região montanhosa com mural pré-histórico, cavernas e uma típica recepção na casa dos moradores de lá. A viagem durará em torno de 5 horas. Preparem-se.

Avisou Zeca, “nosso guia”.

Na manhã seguinte nosso café já estava sobre a bela mesa em pátina branca combinando com as roupas brancas de nossa anfitriona.

“Barriga cheia, pé na areia.”

Tão logo as montanhas começaram a aparecer sentimos a mudança do clima. Eu não acreditava no que estava vendo, uma belíssima região montanhosa, com riachos e ranchos cubanos que me fizeram lembrar a zona rural dos meus familiares em Minas Gerais. Paramos num mirante de onde avistamos formações rochosas que eu não conhecia. Tratavá-se da região do Piñar del Rio, região mais ocidental de Ilha de Cuba. Nosso destino era Viñales, cidade onde são feitos, artesanalmente, os mais famosos charutos de Cuba, que lá eles chamam de tabaco.

Na varanda da casa estava o casal a nos esperar com grandes sorrisos, abraços calorosos e taças com frutas locais. Carlos e Mariela nos acomodaram nos quartos e, as duas novas colegas de São Paulo, foram para outra casa. Após o almoço, servido por eles, nos convidaram a ir ver onde são feitos os charutos. Minha colega de viagem tinha a encomenda da compra de charutos “Romeu e Julieta”, tão famosos quanto os outros, mas só me lembro do chamado Cohiba. Caminhamos muito entre becos e trilhas e observei que não havia cercas delimitando espaços entre as casas. Perguntei ao Carlos, que nos acompanhava, sobre a ausência de cercas e ele me disse que “aqui não há cercas porque somos uma comunidade. Todos ajudam uns aos outros...” e continuou no seu espanhol a me falar sobre a localidade.

Pregado na parede da casa deles, num quadro de vidro, li o diploma de engenheiro agrônomo de Carlos. O filho único, jovem universitário, falou do seu desejo em fazer mestrado na área de engenharia agrária numa universidade brasileira, mas reconheceu as dificuldades financeiras e aquelas refrentes aos intercâmbios entre os dois países. Além disso, já estava noivo.

(Devo confessar que, durante toda a viagem, estive ávida por tomar café. Infelizmente não havia tanto café e, só agora enquanto escrevo, é que me dou conta de que teria feito uma abstinência de cafeína – porque meu humor estava péssimo e eu sentia um cansaço inexplicável. “Desculpem-me minhas colegas de viagem!”)

À noite fomos andar por Viñales e encontramos uma cidade viva, com vários e belos restaurantes com cardápios variados e deliciosas bebidas. Ali também me esbaldei com o mojito e a cuba libre além das limonadas com hortelã e sanduiches artesanais super bem feitos.

Na manhã seguinte nosso táxi para seis turistas estava cedo na porta de casa. Ele nos levaria até as montanhas, ao mural pré-histórico, às cavernas e ao mirante. Foi por ali que fiquei perplexa diante de tanta beleza.

“El panorama de la Serra de los Órganos es extraordinário. Los mogotes del Valle de Viñales, las innumerables cavernas que atraviesan estas montanhas cársicas y las vegas donde crece el mejor tabaco del mundo”(2).

Toda a região faz parte da reserva Mundial da Biosfera e é protegida pela UNESCO.

O gigante mural com oitenta metros de altura e cento e vinte metros de comprimento, um dos maiores murais do mundo, representa a evolução da vida animal no planeta Terra.

Havia uma simples, mas arrojada estrutura, como uma praça, para receber os turistas e foi ali que minha colega comprou seus “tabacos”.

Hora de ir às cavernas e descer de barco num rio subterrâneo. Entramos de cabeças abaixadas dentro de uma caverna que parecia não ter fim, até chegarmos ao barqueiro. Só esperava que não fosse Caronte, barqueiro da mitologia grega que transportava as almas através das águas do Hades.

E saimos da caverna numa campina linda onde um simpático restaurante já nos aguardava para o almoço.

Uma “cuba libre”, porque depois de sair daquele rio nas profundezas da montanha, só um legítimo rum cubano.

30/07/2024


(1) "Água por todos os lados" autor Leonardo padura

(2) Folheto - Mapa turístico de Piñar del Rio


Observação: Caso queiram fazer algum comentário não esqueçam de de se identificarem. 

Fotografias: arquivo pessoal e da colega jovem viajadeira. a foto de abertura desta crõnica é da simpática vendedora na lojinha do mural em Viñeda e ela autorizou a postagem.


                                        Paseo de Martí


                                                        Mariela e eu

                         

                                 
                                           
                                                        Igreja na cidade de Viñales


                                               
                                              Restaurante na campina em Viñales


                                    
                          Pequeno cartaz na parede da casa de Mariela e Carlos.
                                
                                          Nós indo ver como se fazem os charutos

                                             
                                                    Rua de Viñales

                                          
                                                     Placa indicativa das distâncias de Viñales

                                                   
                                                        Hotel nas alturas de Viñales

                                              
                                   



        Boiadeiro distraído


                 
                                                 Boiadeiro montado no touro a meu pedido


                            
                                                       Nosso táxi de oito lugares


                                                    
                                                        Mural, uma parte dele.



                                           
                                                            Painel explicativo do mural


                                                              
                                                               Na barca de "Caronte"



                                                
                                                 Táxi de luxo



                                                   
                                                                Praça do mural


                                                     
                                                  Formação rochosa

                       

                                                          Formação rochosa com neblina

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Crônica - Cuba - Uma viagem no tempo - parte 1

                                 




Há exatamente um ano, eu havia acabado de chegar em Nova Zelândia, roxa de saudades do meu neto, quando recebi o convite para ir a Cuba em julho do próximo ano, ou seja, 2024. Não pensei duas vezes e logo tratei jeito de me informar sobre quais condições se daria a viagem. Um casal de paranaenses, assim como eu apaixonados por Cuba, estava formando grupos de brasileiros interessados em “viver a Ilha”. Dei logo meu nome para que eu tivesse certeza de que iria a Cuba.

Chegou julho de 2024. Lá fomos nós, três mulheres sessentonas e uma jovem. Outro grupo já havia ido e outro ainda iria numa terceira turma.

Não sei bem quando como começou meu amor pelo país-ilha-caribenho, mas com certeza, o livro “A Ilha, relato de uma viagem a Cuba” do historiador e biógrafo Fernando Morais teve uma parcela de responsabilidade. Enquanto o Brasil vivia seu período politico mais obscuro, eu lia sobre Cuba, seu governo preocupado com a educação e com a cultura de suas crianças e de todo seu povo. O país que, em 1959 se desvencilhava do jugo estadunidense numa revolução sangrenta que deixara marcas por toda capital, Havana, “para que nunca mais haja guerra”.

Mais tarde eu iria ler, logo após sua publicação, o livro “Recordações de amar em Cuba” do escritor mineiro Oswaldo França Júnior e, mais uma vez, me apaixonei pelo país e seu povo guerreiro, caliente e culto.

Não me lembro quando ganhei o livro do meu colega, tradutor para o português do premiado livro “Cecília Valdés” do escritor cubano abolicionista Cirilo Villaderde, que me tocou profundamente. O romance se dava numa cuba colonizada pelos espanhóis e dizia acerca da escravidão, dos direitos humanos e das relações raciais vigentes à época.

E, no natal de 2020, uma das minhas filhas, me presenteou com o livro “Água por todos os lados” do escritor cubano Leonardo Padura, autor entre outros, do livro “O Homem que amava os cachorros”. Pois bem, hoje fui buscar, nessa leitura densa e que tanto me instigou, respostas para as tantas perguntas que me fiz enquanto vagava pelas ruelas e avenidas de Havana nos últimos dez dias.

Ou seja, sempre estive às voltas com meu desejo de conhecer a ilha caribenha e havia chegado o momento.

Não sei dizer nem escrever sobre minhas primeiras impressões ao desembarcar em Havana. O cansaço pelas longas horas de voo e as tais conexões em gigantescos aeroportos me deixaram parecendo um balão, com pernas inchadas e abdome cheio de gases. Mas sabia que, com uma boa noite de sono, eu estaria pronta para o encontro com Cuba.

Um táxi, modelito 1962 vermelho, com um jovem vestido com uma camisa vermelha silcada com a palavra CUBA, logo nos reconheceu e foi nos ajudar com nossas malas. Durante todo o trajeto eu olhava pelas janelas a procurar alguma coisa enquanto o motorista conversava com a colega que sentou junto dele. Fiquei impressionada com o espaço do banco traseiro.

O simpático casal paranaense também já estava a nossa espera, nos recebeu com alegria e logo nos convidou para o jantar. Eu só queria um banho e cama. 

Daí a pouco chegou no “nosso apartamento”, no sexto andar, uma legítima cubana num sorriso aberto a nos falar sem parar sobre as condições do alojamento. Eu não entendia uma só palavra, mas estava atenta ao sorriso acolhedor.

Na primeira manhã em Cuba uma maravilhosa mesa nos aguardava para o café da manhã. Lá estava a mulher que nos acolheu, novamente toda vestida de branco, com colares a adornar seu sorriso franco e sua língua enrolada e nos convidando para o desayuno que ela havia nos preparado. Era também sobre isso que conversara conosco na noite anterior

Fiz um pequeno reconhecimento do apartamento e pude ver obras de arte por todos os lados, quadros com belas molduras, uma foto enquadrada com vidro de Ernest Hemingway com Fidel Castro num cumprimento, ambos ainda jovens, (recentemente eu havia lido que, embora o escritor defendesse a “revolução” e admirasse Fidel, eles tiveram um único encontro). Havia sobre uma mesa na entrada da sala a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes esculpida em madeira.

Desayuno feito, saímos para nosso primeiro contato com Havana.

Então foi um susto só. Pareceu-me que eu estava passeando pela Faixa de Gaza, bombardeada por Israel. Usei a palavra “escombros” para nomear o que eu via. O que era aquilo? Nós estávamos caminhando pela “ciudad Vieja”, bem no coração de Havana, na Zulueta, via importante da cidade velha. Minha amiga viajadeira como eu, disse que parecia que Fidel havia deixado tudo assim para que o povo cubano lembrasse da revolução e nunca mais quisesse  guerra. Aquilo tudo me deixou perplexa. Como meus amigos que tanto amam Cuba e que já vieram tantas vezes aqui, nunca haviam me falado do que eu via. Mas eu via muitas  pérolas das construções espanholas entre os prédios destroçados. Mármores brancos e cor de rosa por passeios e fachadas. Havia resquícios de um tempo onde a cultura, a riqueza e a beleza arquitetônica dominavam. 

Ou será que eu ainda estava com o tal jet lag? Só sei que ainda estava deveras desorientada no tempo e no espaço.

Caminhamos até o Parque Central e ali entramos num ônibus de dois andares para um tour pela cidade velha passando pela cidade nova até o monumento da revolução.

Pude observar que, apesar dos “escombros” não havia pessoas nas ruas pedindo esmolas. Havia sim muitas famílias com crianças passeando pelo “Paseo de Marti”, avenida principal da cidade velha, onde havia também uma exposição de artesãos havaneses.

Acho que precisava acordar para procurar a Cuba que estava dentro de mim.

“Mas o que tem Cuba, o que é Cuba? Quando me fazem essas perguntas costumo repetir que Cuba é um país maior que a geografia da ilha. A política, a cultura, a economia e o esporte cubanos têm projeções às vezes universais, e, quer o assuma ou não cada cubano pessoalmente, a verdade é que essa condição funciona como algo que nos afeta, nos define.” 

24/07/2024


(1) “Água por todos os lados” livro do escritor cubano Leonardo Padura.

Fotografias: arquivo pessoal

                                       Capitólio com cúpula em ouro.



                                               Vários carros antigos expostos numa praça.


                                                   Casarão antigo




   Lojinha onde comprei as lembranças para meus filhos



                                  Nossa senhora dos Navegantes






                            Nesta foto pretendi mostrar um prédio antigo de tres andares com um andar, moderno, construído acima . do terceiro pavimento.