Acordei no meio da noite com o delicioso barulho das chuvas caindo no meu quintal. Escutar o farfalhar das folhas dos imensos ipês foi meu melhor calmante. A noite estava fresca e convidativa à calmaria. Meus ouvidos ensurdecidos me presentearam com os sons das águas sobre minha casa.
Foi preciso aliviar as tensões das últimas semanas. A noite cheirando a terra molhada e a flores da primavera, foram revigorantes. Às águas da chuva se misturaram os suores das caminhadas, das carreatas, dos trabalhos de “virar um voto”, das poeiras do mineiro grudadas na pele, das palavras mal ditas pelos inescrupulosos adversários.
Enfim acordei leve, fresca, renovada e limpa.
Abri as janelas. Constatei então que não havia terra molhada. Não choveu a noite. Mas choveu muito nos meus sonhos.
Enfim meus sonhos me trouxeram de volta os sons e cheiros da terra e dos céus.
Um café coado diretamente na xícara. Pão com queijo e um pedaço de mamão. “Hoje retomarei minhas leituras - ‘As mil e uma noites’ das arábias ainda não passaram de cem histórias. Meus cursos de literatura russa e pensamento crítico continuam parados. Vou retoma-los a partir de agora”. Assim decidi em pensamento. Doce ilusão.
Naquele exato momento me veio a lembrança do meu pai falecido há exatos sete anos. Ele foi um pai alegre, presente, inteligente, divertido e um homem bem à frente de seu tempo. Tentou inutilmente me ensinar a tal prova dos nove na matemática. Entendia um pouco de latim, francês e amava nos contar as histórias do Brasil. Contava, com orgulho, que estudara até a quarta série do ensino primário. Amava a minha mãe e fazia tudo por ela. Enquanto avô foi pura doçura.
Até então nunca havia entendido as contradições políticas do meu pai. Ele amava seu povo. Foi eleito prefeito na nossa pequenina cidade da Zona da Mata Mineira, recém criada, nos anos cinquenta. Meu pai sempre respeitou e reconheceu a coragem, a força, a sabedoria e o peso dos seus adversários políticos. Entretanto, como artista que era, não conseguiu governar com a razão que o cargo exigia. Renunciou à governança.
Respeitou e admirou o “grande milagre brasileiro” dos tempos sombrios da ditadura. Vivi minha infância e toda minha adolescência durante aquele tempo. Talvez eu não tivesse a consciência e o entendimento políticos e sociais que tenho não fossem um amigo de adolescência com suas indicações de leituras socialistas e meus estudos numa universidade pública federal. A isto se juntaram os inúmeros trabalhos enquanto médica em serviços públicos.
Percebo hoje que não havia como não cair nas seduções das TVs da época que mostravam grandes e maravilhosas realizações dos generais presidentes apresentadas em noites de sextas-feiras e por todos os finais de semana. Obviamente que jamais falavam dos jovens “suicidados” nos porões do regime, dos desaparecidos, das covas rasas, das perversões com mulheres e homens.
Com isso quero dizer que lamento o fato de tantos familiares, colegas e amigos, estarem seduzidos pelo que há de pior na classe política brasileira. Entristeço por aqueles que não tiveram ou que não tenham capacidade de entendimento daquilo por trás da extrema direita no Brasil e no mundo. Entretanto, para todos aqueles que sabem do que se trata a perversidade do atual presidente e, mesmo assim, optaram por ele, só lamento. Estamos irremediavelmente de lados opostos.
Sou da vida, da alegria, da doçura, das leituras, das artes e dos amigos e amigas, sou também irremediavelmente do lado esquerdo do coração.
Voto Lula presidente do Brasil.
LULA!
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