quinta-feira, 8 de outubro de 2015

AS PEDRAS DA MINHA RUA




                               
   As casas da minha rua sempre me fizeram lembrar aquelas que meu pai confeccionava. As dele eram de papelão, geralmente caixas de sapato, cobertas com papéis manilha coloridos e com janelinhas abertas. Todo ano ele tinha que refazê-las pois o tal papel desbotava. E meu pai era muito engenhoso na arte de fazer as tais casinhas para os presépios. 

   Era o natal chegando. Desde a escolha pela nova árvore, pelos novos enfeites e por mais casinhas, ele e minha mãe davam sempre um jeito, a cada ano, para inovar tudo. Num ano era um galho de jabuticabeira, outro ano era de goiabeira, outro de pinheiro, outro de arame e por aí afora. Mas todas elas eram feitas com muito capricho. Escolhiam qual seria o canto da sala naquele ano para abrigar as ruas, os animais na mata, a casinha com a manjedoura onde nascera o Menino Jesus e muitas invenções. Nosso presépio ficava maravilhoso em qualquer local onde fosse feito. 

   Dora, minha irmã mais velha, muito prendada em arrumações e novidades para a decoração, dava suas opiniões e fazia velas e coroas coloridas em papéis laminado vermelhos, azuis, verdes, amarelos. Ainda me lembro de muitos detalhes de nossos dias e noites de natal naquela rua.

   Mas não foi para falar do natal que comecei esta história. Quero mesmo é falar de um período nesta minha rua que me deixou bastante intrigada e pensativa. 

   Nesta minha rua moravam pessoas de classe baixa. Éramos  quase todos provenientes de cidades ainda menores que aquela, ou eram pessoas que vieram de zonas rurais do entorno. Todas as famílias tinham muitos filhos que pareciam regular nas idades. E tudo era uma festa naquela rua de crianças e de trabalhadores braçais. As casas eram simples, pequenas e suas paredes frontais davam diretamente para o pó que cobria a rua.

  Veio o calçamento, o meio-fio, os passeios, e nossa rua começava a ganhar jeito de cidade grande. As pedras eram muito escuras, pontiagudas e dificultavam o uso de sapatos e sandálias de salto alto. Não importava. Havia os passeios em quase todas as casas. 

   Hoje solicitei a um amigo professor e engenheiro de minas que viveu naquela rua quando criança, que me ajudasse na descrição e nomeação de tais pedras. E esse tal de celular logo me trouxe a resposta. Pois bem, trata-se de "granito andorinha, também chamadas de pedras de calçamento. Tem nas regiões de Jeceaba, Lagoa Dourada, etc", respondeu-me ele. 

   Logo entendi porque aquelas pedras foram parar na minha rua. Elas estavam por ali, pertinho daquela cidade da minha infância. 

   Minha rua que tinha o pisar macio da terra vermelha ganhou dureza e tonalidade escura. Nunca gostei daquela mudança. Na verdade, ela indicava também que eu crescia junto com o desenvolvimento urbano.

   Nesse tempo outras verdadeiras mudanças aconteceram nas casas, motivo desta minha história.


   Não sei de onde tiraram aquela ideia de cobrirem a metade inferior das paredes que davam para frente da rua com pedras. Eram outras pedras. Embora essas, ao contrário daquelas do calçamento, tinham as cores mais claras, também estavam tão pertinho de nós quanto as escuras. Meu amigo professor, mais uma vez, me enviou o nome dessas: tratavam-se de "quartzito, também chamadas de pedras Ouro Preto ou São Tomé". Estas bem mais famosas e conhecidas. 

   Havia uma peculiaridade nessas transformações. Alguns moradores resolveram dar novas formas às pedras uma vez que as mesmas tinham seus tamanhos e formatos semelhantes. E foram talhadas e transformadas em diferentes objetos do nosso cotidiano. E aquilo chamava atenção não apenas de nós, os moradores, mas de todos que por ali passavam. 

  Voltei lá recentemente para fotografá-las. A rua estava deserta naquele final de tarde de sábado. Revivi um tempo do sem futuro. Foram várias fotos. Uma amiga apareceu na hora mas se escondeu ao me ver fotografando as casas. Percebi que algumas delas ainda guardavam intactas aquelas pedras nas paredes. A casa do meu amigo professor era uma delas.


  Tem violão, coração, estrelas, lua cheia, lua crescente, lua minguante, peixes, um animal não identificado (cachorro? paca? burro?), pé, pássaro, galinhas e até um porco. Há que se ter olhos para ver toda essa riqueza  entre aquelas pedras. 


  Minhas  fotos mostraram também que algumas casas foram pintadas recentemente mas mantidas tais pedras com novos rejuntes da cor daquela época, qual seja a cor preta contrastando com as cores palha e dourado das ditas pedras Ouro Preto. 
  
   Para minha tristeza e das gramíneas que nasciam entre o tal "granito andorinha" mas para o bem mal nome do progresso, minha rua fora asfaltada numa época em que estive longe dali.

  Bem, alguns dias depois das tais fotos, ainda continuava viajando pela minha rua agora tão distante de mim. E uma dor nostálgica tomou conta das minhas lembranças e das minhas saudades.

    Então tive a certeza, mais uma vez, que meu celular ou quaisquer outras máquinas fotográficas de última geração jamais  poderão fotografar o que aquelas pedras e suas bizarrices deixaram marcadas dentro de mim. 

   Cá dentro de mim essas pedras tem a maciez do colo e da pele de uma mãe, a dureza de uma realidade pobre, a alegria da criançada no corre corre, a ética daqueles pais, a invenção dos teatros defronte aquelas casas, o brilho de alguns adolescentes vislumbrando um futuro melhor e os amores da juventude nascidos ali.

  Tudo permanece em minh'alma como todas as pedras que ainda decoram minha rua.


29/09/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário