Emerson. Era esse seu nome. E ele, como quem chega numa pousada nas montanhas de Minas, ficou ali muito a vontade. Tomou seu banho, vestiu aquelas roupas de brim, amarelas, padronizadas, confeccionas por costureiras da unidade e aparentou uma invejável tranquilidade nos arredores dos trabalhadores daquela urgência.
Eram as derradeiras horas do último plantão da minha longa carreira de médica psiquiatra em serviço público de saúde do estado.
Meus pensamentos vagavam através dos treze anos que estive ali atendendo em caráter de urgência às pessoas portadoras de graves doenças mentais, em crises, encaminhadas das várias regiões deste estado de montanhas, serras e rios.
E nesta sexta-feira, treze de novembro, eu vivia particularmente momentos impensáveis. Meu primeiro neto estava chegando ao mundo e eu saindo naquelas próximas horas.
E tal qual um dos inúmeros pacientes atendidos durante este tempo, agora era eu também a andar de um lado para outro, como que desvairada e sem rumo. E eu estava, com toda certeza, sem rumo.
Naquela sexta feira, como de costume, havia atendido muitas ligações do interior de Minas Gerais solicitando vagas, encaminhamentos, avaliações, reinternações e outras tantas demandas. Como amante da geografia, seja ela física, cartográfica, humana, hidrográfica, populacional, econômica,etc, eu aproveitava todos aqueles contatos para aprender mais sobre os municípios, seus nomes, localidades próximas e por ai afora. E não foram poucos os aprendizados obtidos. Ao atender os pacientes , ouvia sempre com a atenção merecida aquilo que era devido à minha prática naquela função; entretanto nunca faltava o interesse pelo local de origem. E, com certeza, por aqueles vieses, o atendimento ficava muito mais suave e o paciente bem mais tranquilo.
O hospital conhecia as cidades através de seus mais bizarros cidadãos. Era o Ronnie de Ubaporanga, ou a Zezé de Fronteira dos Vales, ou o Adão de Abaeté, ou a Lucinha de José Gonçalves de Minas, ou a Fernanda de Caraí, ou a Telma de Caeté e um vasto repertório de nomes de pacientes e suas cidades. E eu, sempre fazendo associações com outros fatos envolvendo aquelas cidades e minha longa trajetória. Assim se dera com Verdelândia para onde fora um grande amigo, frei franciscano com quem eu tivera a oportunidade de caminhar por longos seis dias na Marcha Franciscana no ano de 2007. Ou Virgolândia e Divinolândia de onde vieram duas de minhas primeiras pacientes portadores de hanseníase e de doenças mentais, na Colonia Santa Izabel em Betim, ainda nos anos 80. Ou Divino, ou Divinésia, etc. Eu gostava de saber as diferentes regiões às quais cada cidade estava entranhada. E viajava por todas elas com seus ilustres moradores ali atendidos.
Naquela sexta feira, como de costume, havia atendido muitas ligações do interior de Minas Gerais solicitando vagas, encaminhamentos, avaliações, reinternações e outras tantas demandas. Como amante da geografia, seja ela física, cartográfica, humana, hidrográfica, populacional, econômica,etc, eu aproveitava todos aqueles contatos para aprender mais sobre os municípios, seus nomes, localidades próximas e por ai afora. E não foram poucos os aprendizados obtidos. Ao atender os pacientes , ouvia sempre com a atenção merecida aquilo que era devido à minha prática naquela função; entretanto nunca faltava o interesse pelo local de origem. E, com certeza, por aqueles vieses, o atendimento ficava muito mais suave e o paciente bem mais tranquilo.
O hospital conhecia as cidades através de seus mais bizarros cidadãos. Era o Ronnie de Ubaporanga, ou a Zezé de Fronteira dos Vales, ou o Adão de Abaeté, ou a Lucinha de José Gonçalves de Minas, ou a Fernanda de Caraí, ou a Telma de Caeté e um vasto repertório de nomes de pacientes e suas cidades. E eu, sempre fazendo associações com outros fatos envolvendo aquelas cidades e minha longa trajetória. Assim se dera com Verdelândia para onde fora um grande amigo, frei franciscano com quem eu tivera a oportunidade de caminhar por longos seis dias na Marcha Franciscana no ano de 2007. Ou Virgolândia e Divinolândia de onde vieram duas de minhas primeiras pacientes portadores de hanseníase e de doenças mentais, na Colonia Santa Izabel em Betim, ainda nos anos 80. Ou Divino, ou Divinésia, etc. Eu gostava de saber as diferentes regiões às quais cada cidade estava entranhada. E viajava por todas elas com seus ilustres moradores ali atendidos.
Eu sempre tivera mapas com os quais eu decorava as paredes das casa por onde morei. Obviamente que uma das brincadeiras mais queridas com meus filhos, foram e ainda são, conhecer países e suas capitais, suas cidades mais importantes, seus limites, sua hidrografia e sua cultura. E nós viajávamos muito pelos mais distantes e extravagantes países do mundo.
Mas, agora voltando ao Brasil, Minas Gerais, Belo Horizonte, Hospital dos Santos Olhos (*), devo dizer que tive uma enorme preguiça para atender aquele que seria meu último paciente. Mas vamos lá.
A enfermagem me informou que o havia conduzido ao banho antes do atendimento pois estava muito sujo e mal cheiroso. Não lembro se fora levado pela PM como mais um louco pelas ruas da capital ou se chegara espontaneamente como muitos o fazia. Não interessava. Ali estava Emerson em total harmonia com tudo ao redor.
Abriu um belo sorriso como resposta à minha apresentação a ele, ao iniciar o acolhimento, o que acabou com quaisquer cansaços, preguiça ou coisa parecida. Seu hálito etílico e seus olhos avermelhados denunciavam uso recente e abusiva de bebida alcoólica. E a espessura de seu prontuário apontava para vários atendimentos anteriores naquela instituição. Disse-me que gostava de andar a pé e que havia vindo de Vespasiano- ou Sabará?- andando em companhia de Jesus, seu amigo. Quanto ao uso imoderado da bebida alcoólica, respondeu:
-" os homens da Rotam pagam bebida pra mim. Eles me deram duas garrafas de 51. Mas agora eu comprei um bar de cachaça lá na serra. Aquela Serra Capivari"
Perguntei se ele estava sentindo bem dadas a aparência edemaciada da face, os olhos hiperemiados e o abdômen volumoso. Ao que ele me respondeu:
-" Eu estava andando no meu helicóptero e caí dentro de um barril de cachaça".
E sorriu largamente de suas de suas próprias explicações.
A técnica de enfermagem pediu licença e entrou para aferir dados vitais uma vez que o horário daquele plantão estava terminando e era preciso tais cuidados. A seguir ofereceu-lhe o jantar e ele, com muita dignidade, recusou a oferta preferindo "o soro que a doutora passou para mim".
A suavidade e alegria daquele paciente contagiou todos daquela urgência. Dele eu jamais esquecerei.
Ainda fico pensando quais seriam as diferenças entre eu e meus filhos nas nossas longas viagens imaginárias pelo mundo e nas longas viagens reais a pé que nosso cidadão Emerson, tem feito pelo seu mundo.
E meu neto nasceu na manhã seguinte.
Benvindo Eduardo.
(*) Crônicas do Hospital dos Santos Olhos ( Kurt Bacamarte)
Meu mestre Francisco Paes Barreto com quem muito tenho aprendido e a quem dedico esta crônica.
(*) Crônicas do Hospital dos Santos Olhos ( Kurt Bacamarte)
Meu mestre Francisco Paes Barreto com quem muito tenho aprendido e a quem dedico esta crônica.
Querida Dra. Rivelli,
ResponderExcluirQue "último plantão"! Tantas coisas ditas e não ditas pelo encantamento desse instante. Cidades, países, Emerson, sorriso, estresse, helicóptero... A primeira neta, que lindo! Vovó coruja, parabéns! Agora os plantões serão outros. Novas viagens... Abraços! Cássio
Querida Dra. Rivelli,
ResponderExcluirQue "último plantão"! Tantas coisas ditas e não ditas pelo encantamento desse instante. Cidades, países, Emerson, sorriso, estresse, helicóptero... A primeira neta, que lindo! Vovó coruja, parabéns! Agora os plantões serão outros. Novas viagens... Abraços! Cássio