ULISSES, O RETORNO
Não pensem vocês que a história do Ulisses acabou por ali onde terminei minha última crônica.
Numa manhã de muitos meses depois e de mais um plantão estava eu observando todo o desenrolar daquele início de trabalho. Naquele tempo as portas de algumas unidades ainda ficavam abertas assim como aquela do principal acesso à urgência do hospital.
Os pacientes circulavam livremente por ali num ir e vir deles e dos funcionários que se misturavam em rodas de viola, em peladas, em brincadeiras e, obviamente, em tentativas de fugas. Afinal ficar confinado num hospital psiquiátrico não é nada agradável.
Defronte ao prédio existe uma linda área arborizada com decanos flamboaiãs e belíssimas paineiras. E era à sombra destas árvores que todos transitavam e viviam um pedaço de vida.
Às vezes eu ficava por ali. Papeava com um. Escutava outro e assim aproveitava para fazer minhas observações clínicas.
Voltemos então na citada manhã quando um minguado rapaz se aproximou de mim e perguntou pelo meu nome. À minha resposta ele riu e perguntou:
- "Foi a senhora quem me internou daquela outra vez, não foi?"
Então me lembrei dele. Era Ulisses. Não o homérico, mas nosso mineiro personagem também de mil ardis.
Perguntei o que lhe acontecera desta feita pois me parecia muito bem.
Disse-me que tinha melhorado daquela vez e que voltara para casa. Mas de uns tempos para cá voltara a ficar muito nervoso e o pessoal do CAPS pediu que ele viesse passar uns dias internado. Abriu um belo sorriso e saiu dali.
Dai a pouco volta Ulisses com um copo descartável nas mãos e pequeninas flores dentro. Chega até mim e diz:
-"É para a senhora."
E continuou;
-"Sabe aquele dia da minha internação que eu falei que as vozes me mandavam jogar a senhora fora? Eu tava era brincando. Era só para ver
a sua cara..."
ME DÁ UM CIGARRO...
E, num outro plantão, eu estava por ali junto da equipe de enfermagem na rotineira tarde com o café e rodeada por alguns pacientes em muitas prosas.
Entre eles havia um jovem rapaz encostado no balcão que separava o posto de enfermagem do grande corredor em torno.
Devo esclarecer que o referido balcão tem a pretensa finalidade de separar pacientes e trabalhadores mas, às vezes, esses limites geográfico e humano tornam-se impossíveis.
Pois bem, o tal rapaz tinha estatura mediana, pele clara e tragava seu cigarro com muito prazer. Naquele tempo também ainda era permitido aos pacientes fumar dentro e fora do hospital.
Nosso rapaz puxava um trago e levantava a cabeça expelindo a fumaça para cima e acompanhando-a com seu olhar não tão perdido. Estava em pura paz.
Junto a ele e encostando-se a seu corpo havia uma mulher com seus quarenta anos, mais baixa e também de pele clara. Ela acompanhava todo o ritual do fumante. Até que tomou coragem e pediu-lhe um cigarro.
Ela não se declinou com a negativa imperiosa do rapaz. Continuou ali, parada e encostada nele. Arriscou pedir novamente e ele, novamente, negou-lhe o tão desejado cigarro. Ela não saiu de perto, parecia se deliciar de estar ali, bem junto dele, calmamente.
Lá pela tantas investidas de pedidos e recusas, o jovem parou, dignou-se a olhar para ela e perguntou:
-"Você é minha mãe?"
O sim veio de imediato.
Ele então retirou vários cigarros do maço no bolso de sua camisa, dirigiu-se a ela e disse-lhe:
-"Então toma mamãe."
E eu continuei meu plantão.
21/06/2014
Que interessante! Deveria ter me especializado em psiquiatria. Era a primeira opção.
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