sábado, 24 de maio de 2025

Poesia - Voz

                                       


Dalgum lugar ele aparece

mexe comigo

remexe lembranças


 Dalgum lugar ele reaparece

 evoca sentimentos

 toca  minha pele


 Sem outras palavras vai-se

 adeus


Funil, 19/05/2025


segunda-feira, 19 de maio de 2025

Crônica: Uma mania

                                    


Não nego minhas muitas manias. Não são coisas de "velhas" como pensam as pessoas. São coisas da alma. Vou confidenciar a vocês uma destas minhas manias. Vamos lá, coragem! Eu adoro viajar  e, de dentro do carro, escolher uma ou outra casa, e ficar imaginando seus moradores vivendo nelas ou até mesmo eu lá dentro.


- Aquela lá é tão linda! Olhe que beleza de janelas combinando com os arredores dela. Será quem são os moradores dela? Talvez um casal recém-casados se deliciando também com a bela vista que a casa lhes dá.

- Naquela ali eu gostaria de viver. Afastada do mundo. Haveria um quarto grande com uma mesa cheia de livros e flores. Só eu em meio às palavras e aos aromas das flores...

Um dos meus grandes prazeres sempre foi dirigir. Meu pai ensinou a todos os filhos e filhas os segredos de um bom motorista. Muito mais do que os riscos de uma velocidade alta em locais perigosos, de uma ultrapassagem indevida, ele nos ensinou a contemplar as estradas, as cidades e lugarejos menores, ensinou-nos o respeito aos pedestres e, sobretudo, o respeito à maquina sob sua direção.

Quase caí da moto quando fui tirar minha carteira de motociclista. Obvio que não consegui. Entretanto não tive dificuldades para obter minha CNH. Também não foi da primeira vez. Acho que eu me perdia vendo as casas e as paisagens.

Atualmente tenho preferido viajar ao lado do motorista. Assim posso morar dentro de todas as casas que escolher ou imaginar quem foi o pedreiro que teve esta ou aquela ideia que tornou a casa tão perfeita.

Há uma casa na beira da BR 040, em direção a Conselheiro Lafaiete, que eu sempre ficava namorando. Imaginava quem seria o dono que teve o cuidado de proteger as janelas ao oeste com aquela imensa varanda. Então veio a duplicação do referida BR e “minha casa das varandas” foi quase engolida pelo asfalto. Ontem passei por ela. Lá estava ela, suntuosa, harmônica, majestosa e bela. “Só pode ser de um fazendeiro rico” pensava eu.

Ainda não consegui entender porque escolho uma ou outra casa. Certamente há, lá no fundo da minha alma, motivos para minhas escolhas. Os telhados de algumas ou as cores de outras, as janelas destas ou a localização daquelas devem traduzir minhas escolhas. Ainda não decifrei as paixões pelas casas. Talvez dentro de todas estas casas eu encontre a mim.

Agora, lembrando-me da bela composição de Belchior, descobri minha paixão pelas casas “porque lá bate meu coração”.

19/05/2025

Observações: 

- Caso queiram fazer algum comentário não esqueçam  de se identificarem. 



Fotografias: arquivo pessoal



           Uma varanda bem íntima


Casa de um colonizador britânico na cidade de Invercargill, Ilha Sul de Nova Zelãndia, hoje transformada em visitação num dos vários parques da cidade. 

                      Tarde de chuva aos arredores da Praça Raul Soares, Belo Horizonte.



                                            Área externa de uma pousada na cidade mineira de Tiradentes


Flores em uma casa familiar

Chalé onde morei por alguns anos

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Mais uma carta para meu neto do outro lado do planeta

                               



Boa noite Dudu,

Aqui ainda é de manhã, viu?

Todos esses dias tenho sentindo muitas saudades de você, da sua mãe e do seu pai. Mas as saudades de você são infinitamente maiores, você sabe não é?

Quando vi você, pela internet, jogando seu novo jogo, aquele de construções de escadas, prédios e com uns buracos muito legais, minhas saudades aumentaram ainda mais. Quero ver bem de pertinho, sentada ao seu lado, você arquitetando todas aquelas construções. Como é mesmo o nome do jogo?

Mas hoje quero dar notícias aqui do sítio. Estamos no outono, como aí também, e são tempos das frutas cítricas. O pé de limão-capeta está até tombando de tão pesado. O novo pé de limão-galego, o que eu mais gosto, está começando a dar alguns limões. A laranjeira e o pé de mexerica estão bem devagar. Acho que eles estão precisando de fertilizantes, o tal do NPK que é Nitrogênio, Fósforo e Potássio. Já comprei e o Cornélio vai adubar na próxima semana.

Mas um galho da jabuticabeira resolveu dar suas frutas neste mês, frutas temporonas. Os passarinhos e eu saboreamos todas elas. Estavam deliciosas.

O abacateiro continua crescendo muito, mas neste ano ele deu poucos frutos que caíram no chão e os tucanos aproveitaram.

As bananeiras resolveram encher o terreiro dos seus cachos. Contei sete deles perto da cerca da casa do João Lucas. E, por falar no João Lucas, ele está sempre perguntando que dia você estará aqui.

Dudu agora quero saber como está você. Tem brincado bastante com seus novos amigos da escola e dos escoteiros? Como foi o acampanhamento aos arredores da cidade onde você mora?

Também quero te contar que fiz uma viagem maravilhosa na cidade de Andradas, no sul de Minas. A cidade fica no meio de muitas montanhas e tem plantações de uva que são chamados de vinhedos, e muita fabricação de vinhos. Tem também plantios de café que são exportados para todo mundo, até para Nova Zelândia. E lá eu conheci o Luca, ele tem oito anos e é neto do meu amigo Raimundinho, de Muriaé. Conversei bastante com ele e falei de você. Ele mora na cidade de Vitória e veio com os pais dele para participar do nosso encontro e ver os avós dele.

Acho que vou parar de escrever senão você vai cansar e nem vai querer continuar a ler minha carta.

Um abraço do tamanho do Brasil para você e uma lambida no cangote.

E me ligue para eu ver você jogar, ok?

Amo você do tamanho do Oceano Pacífico.

Até...

         Sua vovó Zarinha do lado de cá da Terra.

Mário Campos, 16 de maio de 2025



Observações: 
-Caso queiram fazer algum comentário não esqueçam de de se identificarem. 

Fotografia de abertura: aeroporto de Confins, meu filho, minha nora e meu neto, Eduardo, voltando para Nova Zelândia.



                                                Meu pé de café

                                                                                                      




Luca e o vovô Raimundinho


Tamareira plantada em julho de 2022. Dizem que ela só dará frutas daqui a 60 anos. Vamos esperar para ver?



                                            Mamoeiro




Chaveiro que nosso colega de Andradas deu para todos nós, seus convidados.

                                

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Andradas - UFJF - 81

                                     
                              

“Se todo animal inspira ternura, o que houve então com os homens?” (JGR)


Nosso encontro estava chegando. Um roteiro já havia sido feito. Feito com cuidado, com carinho e, certamente, com muitas preocupações. 

Anfitriões, não se preocupem; agradar a todos não é possível. Sessentões, a caminho ligeiro para os setenta anos, não deveríamos mais queixar das escolhas, dos sabores, dos trajetos e das acolhidas. Agora é hora dos abraços, das palavras, das lágrimas, dos causos, das histórias e, quem sabe, até dos amores. Afirmo que aqui não há lugar para a desalmada Inteligência Artificial. Seremos tão só colegas de um tempo em que não houve tempo para encontros assim.

Para nosso encontro, não queria parecer a idosa em que me tornei. Queria estar linda. Recorri a vendedoras de Avon e da Natura, Mary Key nem pensar, não me apetece; depois contarei o porquê.

Gostaria de esticar a pele do meu rosto, redefinir a linha que separa a pele dos meus lábios, colocar meus cabelos do jeito que tanto gosto. Quem sabe um baton milagroso resolveria esta situação?

Mas o meu valor está estampado sobre meus lábios, esse inexorável código de barras que só podia ser invenção de um estadunidense desalmado. E, por incrível que pareça, esta invenção se deu ainda antes de eu nascer. Sou deveras preconceituosa com aqueles estados nada unidos, inda mais agora com o cruel tarifaço do Donald “Laranjeira”.

Mas confesso que comprei roupas novas. Uns vestidos. Enfrentei fila, sol de mormaço e sede numa feira de bota-fora duma famosa marca de jeans na terrível e maltratada Ibirité. E, por falar em Ibirité, sempre me perdi tentando cortar caminho para minha casa, saindo do anel rodoviário, passando pelas periferias de Tirol, Barreiro, via do Minério de não sei aonde e chegando a Ibirité.

- “Dona, a senhora está perdida. Vai por aí não! É uma favela; não tem como voltar”.

Mas queria mesmo é estar bonita comigo. Vou me arranjando do jeito que deus quer. Minha filha prometeu fazer os “looks”, ela, que entende de moda fashion, até me ensinou um truque para as viajantes, a tal regra 4 – 3 – 2 - -1.

Eu, lá na minha casa, agora ando entendendo só de galinhas. Galinhas carijós, galinhas Isa brown, galinhas Embrapa, galinhas botadeiras e de galinhas caipiras que nem eu. Quando minha nora, uma poderosa arquiteta e designer, me orientou pra deixar meu terreno bem rústico, do feitio próprio dele, sem muita modernidade, tracei uma linha divisória construindo uma estradinha de pedras. Acho que acabei ficando do lado das galinhas. Só batendo asas.

Pois bem, termino essa confissão afirmando que minha “boniteza” tem 67 anos e se apresenta por belos traçados na minha face e no meu corpo.

Amo vocês.

Muito obrigada.



Observações: 

- Texto produzido na Oficina de escrita ministrada pelo poeta e escritor, Ronald Claver

Caso queiram fazer algum comentário não esqueçam de de se identificarem. 

Fotografias: cidade de Andradas, arquivo dos amigos e meus.

Agradecimento ao Diego pela belíssima foto da capela, logo abaixo.