quarta-feira, 9 de julho de 2025

Microconto - Carretas

 

Carretas


Nos caminhos de casa

Elas são as maiorais, em número e tamanhos.

Carregam as montanhas de Minas

09/07/2025

Crônica: Não




Resolvendo problemas do seu cotidiano, nada tranquilo, ela se perde em pensamentos das decisões que precisam ser tomadas e que vem adiando nas últimas semanas. Tal atitude procrastinatória deixa-lhe aflita uma vez que sabe da importância em dar um fim no que permitiu começar. Reconhece também quantos dissabores teve na vida pelo fato de jamais ter aprendido ou conseguido dizer Não. Agora se encontra em mais uma cilada que a vida lhe apresenta ou que buscou para si. Precisa e quer dizer Não a um convite.

Ele, um antigo namorado, que ela considerava charmoso, inteligente, gentil, amante de Guimarães Rosa de quem declamava, com risadas contagiantes, longos trechos de seus “causos” e dono de tantos outras singularidades. Fora ele quem lhe trouxera de volta as canções de Xangai, de Vital Farias, de Elomar e outros cancioneiros raízes. Mais ainda, um contemplador da natureza e das estrelas.

Entretanto não foram apenas flores aqueles amores. Havia também sutis espinhos. Delicados espinhos que a feriram e deixaram com cicatrizes no corpo e na alma. A relação desgastou, agoniou e morreu devagarinho. De tudo sobrou o carinho e a admiração mútua.

Recentemente o destino pregou uma peça nos namorados de outrora. A doença de um reaproximou os dois. Ela deu asas para abriga-lo de suas dores. Nem percebeu que estava sendo enlaçada. Um dia um espinho rasgou sua pele. Assustou. Acordou. Dali em diante teve certeza de que era hora de aterrissar daquele voo, caso contrário cairia em queda livre.

E agora? Como desenlaçar de uma relação onde ela mesma jogara a corda?

Então se lembrou do caso de uma amiga, bem parecido com o seu. O enamorado, destemperado, percebendo que estava sendo descartado, fora até o trabalho da amiga e, bem em meio aos seus colegas, começou a dizer desaforos e a desfeiteá-la. Várias ofensas foram proferidas. Toda a equipe assistiu ao espetáculo. Ao relatar o acontecido, a amiga falou de sua dificuldade, ou seja, jamais conseguia terminar um relacionamento ou mesmo contrapor uma ideia desbaratada com suas próprias.

Dulce Maria precisava e queria por um fim nas expectativas do mocinho da terceira idade, mas sem perder o carinho e a admiração que um sentia pelo outro. Ou, pensava, seu medo seria apenas o enfrentamento? Por outro lado, jamais esqueceu o alívio sentido quando conseguiu botar fim num casamento cuja relação abusiva vinha se arrastando.

Nos últimos tempos embrenhou por uma viagem imaginária de volta aos relacionamentos afetivos. Descobriu que não foram poucos e que, de cada um deles, trouxe um tanto de belas recordações. Não lembra como passou ilesa nos finais. De uma coisa teve certeza: fora ela, sempre, quem escolheu seus parceiros. Agora uma dúvida tem surgido no avançar dos tempos: teria sido escolhida por algum deles? Avalia que não deve ter dado quaisquer chances para algum que, por ventura, tivesse se apaixonado por ela. Simplesmente não percebia o desejo do outro. Bastava o seu.

Dulce Maria continua se apaixonando e fazendo escolhas, apesar da eterna dificuldade em dizer Não.

07/07/2025

Fotografia: escultura de um tropeiro dos rincões das Minas Gerais (Casa da Cultura, Betim, M.G.). Arquivo pessoal

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